Freud, Jung, Sabina
10/04/12 03:19Keira Knightley sempre teve o queixo meio levado para a frente (a única coisa meio estranha no seu rosto tão bonito).
Ela tirou partido disso nas primeiras cenas de “Um Método Perigoso”,
filme de David Cronenberg, fazendo o papel de uma jovem russa louca, entregue aos cuidados do dr. Carl Jung (Michael Fassbender) na virada do século 19.
Ficou muito convincente: mesmo um psiquiatra experimentado teria medo de chegar perto de uma beldade tão furiosa. Keira Knightley trabalha ainda melhor depois de curada: os acessos terminam, mas a extrema tensão psíquica continua rugindo dentro dela.
Não confiava muito na direção de Cronenberg para um filme de corte mais intelectual, onde o ponto forte é a inteligência dos diálogos e a citação de trechos da apaixonante correspondência entre Freud e Jung.
Não era ele o diretor de “A Mosca” e outras bizarrices patológicas com Jeremy Irons?
“Um Método Perigoso” é outro tipo de filme. Não conheço nada de Jung, mas em todo caso o que sei de Freud aparece no filme sem didatismo excessivo –a história confia no que bem ou mal o público já sabe ou imagina a respeito das divergências teóricas dos dois.
O que ressalta é a presença de dois homens muito inteligentes, discutindo suas ideias não como se fosse apenas para mostrá-las ao público, mas sim como se estivessem sendo de fato elaboradas no tempo da narração.
E há a presença de uma mulher, Sabina S. (Keira Knightley), tão ou mais inteligente do que os dois grandes psicanalistas. Desde o começo vemos de que modo sua inteligência, ao ser incentivada por Jung (que a convida a trabalhar como sua assistente) supera a própria loucura. Ela adivinha, com impressionante faro analítico, os segredos e inquietações do seu terapeuta.
Mas o filme não é mera exposição de divergências e métodos psicanalíticos. Por mais que Freud, Jung e Sabina tenham desvendado a psique, os personagens do filme estão desarmados diante de situações éticas e pessoais mais antigas do que a psicanálise: traição, inveja, rivalidade, amor-próprio.
Jung não se sai muito bem, ou pelo menos não mostra um comportamento exemplar, nem com Freud (Viggo Mortensen), nem com Sabina, nem com sua santa esposa (Sara Gaddon).
Freud é sábio até dizer chega nas cartas que escreve, mas sua vaidade ferida aparece claramente no filme. Sem que o filme sofra, entretanto, da vontade desmistificadora, sequiosa de escândalo, a que esses figurões tantas vezes são expostos.
Gostei de tudo –menos, talvez, da música, que não está errada em retrabalhar alguns temas da música de Wagner, mas sem muita imaginação.
É o Scanners 🙂 A bem da verdade, ele não é convencional não.
Marcelo, você conhece o Inácio Araujo pessoalmente ? Se conhecer tente conversar com ele sobre o Cronenberg. Já faz mais de vinte anos que o sujeito é um diretor de filmes de arte, aliás, sempre foi. Mesmo nos filmes mais bizarros, por bem ou por mal, ele estava fazendo filmes de arte.
Já vi muitos filmes dele, mas sempre com loucuradas. Num desses filmes havia um campeonato de força mental em que a cabeça de um dos concorrentes explodia e dentro havia uma velinha acesa…
Bom comentario Marcelo. Pensei ,assistindo o filme que a expressao metodo perigoso também aplica-se, ao meu ver, ao nazismo que nao poupou Sabina e sua familia. Ela sobreviveu à “loucura”propria mas foi vitima da loucura do Outro.
correto! Mas “método assassino” mais que “perigoso”, não?
Marcelo, realmente um ótimo filme. Daqueles que dá vontade de ver e rever. Além da vontade de sair à procura dos livros de Freud e Jung. Na mais, a coluna está melhor?
Apenas como telespectadora, pois esta área da psicanálise não é a minha, o filme me mostrou 2 ícones da psique humana, como meros humanos, com suas fraquezas e medos.
“bizarrices patológicas com Jeremy Irons” = Gêmeos, mórbida semelhança.
Melhor do que 87,5% das coisas que estão por aí…
Cadê as crônicas do Voltaire?
Abraços,
Mudando um pouco a porcentagem, concordo! Falando em bizarrices, mando uns voltaires depois… abraços!
Gostei do filme também, mas achei que em alguns momentos ele padece, sim, de certo didatismo. Muitos diálogos me pareceram superficiais e certas cenas pareciam um monumento histórico (a cena do barco no diálogo sobre os EUA e o sonho apocalíptico de Jung sobre a Europa em guerra).
Do mais, um filme muito interessante e concordo com sua análise, Marcelo: há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã psicanálise… rs!
é, a cena do barco ficou meio “tinha de ter isso senão as pessoas iam perguntar por que não teve…”