A volta de Sherlock Holmes
09/05/12 14:10A ordem de dois parágrafos saiu alterada no meu artigo hoje para a Ilustrada.
Aqui vai ele corrigido.
Quem se decepcionou com Robert Downey Jr. no papel de Sherlock Holmes pode, agora, vingar-se em grande estilo.
Uma série da BBC, com o detetive bem menos ligado em caratê e geringonças tecnológicas, está sendo lançada no Brasil.
Em matéria de Sherlock Holmes, sou um comentarista dos mais suspeitos. Menino sedentário e fracote, o que me encantava nos seus livros era o fato de que as proezas mais espantosas, “sobrenaturais” mesmo, pudessem realizar-se pelo puro intelecto.
Com vantagem de que Holmes não precisava ser um tipo tão ridículo e desprovido de charme quanto o Hercule Poirot de Agatha Christie. No caso do detetive belga, a natureza se vingava de sua inteligência, fazendo-o gordinho, bigodudo, guloso e com sotaque.
Já nas histórias de Sherlock Holmes, mesmo quem o visse pela primeira vez saberia estar diante de uma figura de exceção. Criando um tipo notável pela magreza, pelo nariz afilado e pela indiferença perante o curso usual do mundo, Conan Doyle imaginava características “a favor” do personagem. Agatha Christie não fazia mais que sabotar, pela aparência infeliz, o prestígio de Poirot.
Por isso, concordo com a opinião geral: Robert Downey Jr., em “Jogo de Sombras”, pode ser qualquer coisa, mas não “é” Sherlock Holmes. Lembra mais o personagem de um antigo seriado na TV, “James West”.
O personagem, situado aí por 1890, era um janota agilíssimo. Com seu auxiliar Artemus Gordon (este sim, uma perfeita cópia de Watson), cruzava as planícies do faroeste num trenzinho ultra-equipado. Usava e abusava de aparelhinhos portáteis e de lindas coristas de saloon, como desenvoltura digna de 007.
Esse seriado bem que poderia ressuscitar. Está na moda, com efeito, uma espécie de “ficção científica ao contrário”. É o caso de “Hugo Cabret” e dos dois filmes de Sherlock Holmes com Downey Jr.
Projetam-se, para um passado mais ou menos distante, os feitos da tecnologia contemporânea. Robôs, cápsulas e armas em miniatura funcionam maravilhosamente. Mas também exibem, ao contrário do que acontece hoje, suas entranhas, suas válvulas e roscas denteadas.
Celebra-se o mundo da mecânica, e não o da eletrônica, que é mais invisível e desinteressante.
O que há dentro do computador? Pouca coisa, em comparação com as cidades desabitadas e caprichosas que dormiam dentro de cada rádio de válvulas.
Também entramos “dentro” do cérebro de Sherlock Holmes em “Jogo de Sombras”. No filme, os seus movimentos de luta marcial se antecipam diante dos nossos olhos, como se fosse possível prever, como num jogo de xadrez, as reações do inimigo.
O efeito é apenas coreográfico. Claro, boas deduções existem também ali, mas são quase uma pílula amarga que o diretor tem de dourar com efeitos de câmera para que o público possa aceitá-las.
Vibrei mais com os três primeiros DVDs da série feita para a TV britânica. Para começar, o Sherlock tem cara de Sherlock –magro até a esquisitice, inteligente até o insultuoso.
A série da BBC não perde tempo com as piadinhas ultrapassadas sobre a possível atração homossexual entre o Sherlock de Downey Jr. e o Watson de Jude Law.
Dá o assunto meio por favas contadas, menos porque role um clima entre os dois, e mais porque Benedict Cumberbatch, no papel de Sherlock, tem o rosto anguloso e imberbe de um adolescente –e não se importa absolutamente com nada do que pensem a seu respeito.
Ele é de uma antipatia sem paralelo. “Fique quieto agora, Watson”, diz ele. “Mas eu não estou falando nada”, responde o companheiro. “Está pensando”, responde Holmes, “e isso me perturba”.
A série se passa na Londres atual –celulares e o google ajudam Holmes em suas pesquisas. Não temos o cenário vitoriano de “Jogo de Sombras”, nem as calçadas brilhando de chuva e os edifícios sujos dos clássicos sherlockianos da década de 1940, com Basil Rathbone.
Aliás, estão em DVD também, e ainda hoje são assistíveis, pelo enredo enrolado, e pela eletricidade incomparável do ator principal.
Não importa muito, em todo caso, o tempo em que se passam as histórias. Na cidade de cem anos atrás, ou no cenário hiperluminoso e transparente de hoje, Holmes sobrevive. Como Sócrates ou Descartes, [mal comparando] é um dos raros heróis da razão pura, exemplar bizarro de uma espécie mais violenta e sentimental que ele.
Dê uma olhada no que fala o Braulio Tavares sobre steampunk:
http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2010/02/1658-o-que-e-steampunk-572008.html
Marcelo, essa ficção científica ao contrário, é chamada de “steampunk”. Na verdade foi um termo sarcástico para contrastar com a literatura “cyberpunk”, aquela em que se celebra a tecnologia em futuros próximos e caóticos, com alta tecnologia mas com baixa qualidade de vida. Nos anos 80, alguns autores como Tim Powers, James Blaylock, K. J Jeter escreviam por gosto pessoal mesmo, estórias passadas na Inglaterra do século 19, utilizando-se de temas fantásticos a la Verne, Wells, Twain, Mary Shelley. Nesses mundos ficcionais, pode ou não haver uso da tecnologia mais avançada para o período ou não. Em geral, o gênero se confundo com ficção especulativ, história alternativa. Recomendo-lhe o livro “Nomad Of Time” do Michael Moorcock, o grande pioneiro do gênero. Recomendo-lhe “A Máquina Diferencial” que postula uma realidade onde Charles Babbage conseguiu implementar sua máquia diferencial a vapor o que faz com que a Inglaterra se torne uma potência ainda maior. O detalhe é que a primeira leva de steampunk, faz uso de figuras reais ( como Byron ) do século 19. Pessoalmente, admiro o período e sempre o vejo com uma época em que as ideias fervilhavam, veja Tesla, Maxwell, Darwin. Hoje em dia, 20 ou 30 anos depois, critica-se o gênero por seguir sempre as mesmas fórmulas. Pessoalmente, gosto dos filmes e desenhos, mas prefiro a literatura que inspirou o movimento e os precursores do gênero como Moorcock e Tim Powers.
Obrigado, Daniel! Já tinha ouvido falar em “steampunk” mas não tinha essas referências.
Marcelo, um dia por favor, considere escrever algo neste gênero. Tenho visto que intelectuais e literatos como você acabam escrevendo as melhores obras dentro do gênero fantástico e não os físicos e cientistas.
Gostei muito dos filmes, mas a bem da verdade, nunca li Conan Dolye. Estou aguardando para poder comprar as “Aventuras de Sherlock Holmes”. De fato, tenho esse livro em epub- do projeto Gutenberg- no meu Sony Ericsson antigo de tela pequena, mas não consigo ler.
Essa série da BBC é excelente! Consegue, ainda que atualizada, captar a essência dos personagens de Conan Doyle. E os atores são ótimos.
Marcelo, já viu o ator Jeremy Brett interpretando Sherlock Holmes? É o Sherlock definitivo na opinião de quase todo mundo que teve o privilégio de assistiir a essa série dos ano 80 e 90. Parece saído diretamente das páginas dos romances. Essa série adaptou quase todos os contos do detetive. Vale a pena conferir.
Não tinha visto, não, mas me recomendaram muito!
Will Smith participou de um filme em 1999 chamado “Wild Wild West”. Fez o papel do James West. Kevin Kline era Artemus Gordon. Participação de Kenneth Branagh e Salma Hayeck.
Olha só! Deve ter tido pouco sucesso… pena!
Marcelo, não fez sucesso, mas é um filme muito, muito divertido.
O Sherlock do cinema explora alguns aspectos que são secundários nos livros, tais como as habilidades marciais do detetive. Além do mais, é um filme de ação.
O da BBC lembra mais os livros. Atualiza o personagem, porém tem um humor sutil. Assisti somente o primeiro episódio. Nele, Sherlock é um phreaker. Discute a orientação sexual com Watson numa campana. Watson é veterano do Afeganistão. E utiliza certas substâncias de forma politicamente correta.
Dizem que a televisão é o novo cinema. Não é. Os objetivos são diferentes. No caso, os dois são bons.
amo essa série! acompanho pela internet e nunca me arrependi. excelente elenco e direção! ótima recomendação.