Uma escola na periferia
24/05/12 00:08 Visitar uma escola municipal, no extremo leste da cidade (para lá do Itaquerão, me disseram) não é convite que se aceite com muita alegria. Mas fui.
Não sabia nem se deveria pegar um trem ou metrô até algum lugar mais perto; foi um dia antes, por sorte, da greve nos transportes.
A professora que me convidara, com seu marido, também professor da rede pública, estavam entretanto de carro –um Fiat bem novo–, e lá fomos.
Os alunos da escola, com onze anos mais ou menos, tinham lido um livro meu para crianças, “Minhas Férias”. Lido é modo de dizer, porque como só havia um exemplar desse livro na biblioteca, a própria professora os leu em voz alta para as diversas classes da 6ª. Série para as quais leciona.
Tanto ela quanto seu marido são formados pela Unesp, têm livros de ficção publicados e no prelo (um dos quais numa editora alemã, em edição bilíngue). Escrevem frequentemente em sites literários e de crítica.
No banco de trás do carro, vi livros como “O Espaço Literário” de Blanchot, e a “Origem do Drama Barroco Alemão”, de Walter Benjamin.
Isso, só como primeira dose do forte remédio antipreconceito que tomei, com muito prazer, em minha ida ao Itaim Paulista.
Depois continuo.
Sou a Diretora da EMEF Henrique Felipe da Costa- Henricão.
Marcelo
Muitas Escolas do Itaim Paulista estão sem pichações, limpas e organizadas.
Percebo que se faz necessário mais destaque na mídia das ações positivas das escolas públicas da “periferia” que não têm apenas violência. Aqui, no “Henricão, há meninos e meninas com muito talento, educadoras e educadores compromissados com o desenvolvimento das competências e habilidades dos seus educandos e uma equipe gestora que valoriza a qualidade do serviço prestado aos munícipes.
Obrigada pela visita e volte novamente, para conhecer outras práticas pedagógicas e quem sabe com um olhar menos preconceituoso em relação à periferia e à Escola Pública.
Obs: Aceitamos doações de livros; porém a tonalidade verde não muda.
Lúcia
Obrigado, Lúcia, pena pelo verde. Mas foi isso mesmo: cheguei com preconceito e saí surpreendido. É o melhor que poderia acontecer para mim.
Parabéns ao casal de professores pela iniciativa.Gostei dos artigos referentes a este “olhar sobre as áreas periféricas”e aguardo continuidades.
Sou morador de itaquera; a quase dez tento ser reconhecido como cineasta e estou muito próximo, lutei contra a estatística onde um garoto da periferia não pode sonhar em ser um cineasta; sofri todas as dificuldades que você possa imaginar, mas contudo sou grato pelo meu destino serei reconhecido pelo mesmo caminho (as mesmas leis de incentivo que um cineasta criado nos bairros nobres são contemplados) e como você mesmo constatou na periferia existe muitas pessoas talentosas mas na maioria das vezes param no meio do caminho, por não acreditar nelas mesmas. agradeço a visita e volte sempre.
Marcelo Coelho
Sou a Diretora da EMEF Henrique Felipe da Costa _ Henricão.
Alguns comentários:
* “Henricão” ´faz parte do nome da Unidade Escolar.
* A nossa Escola, que fica no Itaim Paulista é como qualquer outra Escola Pública com dificuldades, porém sempre trabalhando com seriedade.
*Temos uma modesta Sala de Leitura que tem um bom acervo, tanto para os educandos e educandas quanto para educadores, educadoras e demais funcionários.
*Obrigada por observar o aspecto geral da Unidade Escolar. A limpeza é obrigação de qualquer espaço público.
* A pintura foi escolhida para harmonizar o ambiente. “Não dá para agradar a todos…
*Não há pixações porque há trabalho coletivo e respeito dos alunos e das alunas pela Escola que estudam.
*O corpo docente trabalha com profissionalismo para garantir o direito de “escola de qualidade”
* Aguardo outra visita para acompanhar o dia a dia da Escola e apreciar as habilidades dos nossos meninos e meninas. Há talento na periferia.
Acho estranho quando as pessoas recebem as constatações dos fatos como críticas negativas, isso demonstra que ainda aguardamos a criança do conto de Andersen nos dizer: O imperador está nu. E assim preferimos a hipocrisia do tear, do dia-a-dia à produzir um tecido que nos sufoca e nos faz carinho ao mesmo tempo.
Sou morador, professor da periferia, ou seria mais politicamente correto: do lado menos favorecido da cidade.
Concordo com Andre Terra. Se nos roubassem MENOS, sobraria muito para ter educacao, saude e transportes decentes para todos. (teclado desconfigurado)
Que bom saber de atitudes como essa. Ma gostaria de ressaltar que DEMOCRACIA não se faz com heroísmo! Se faz cm escola, professor, planejamento pedagógico, carreira e renda digna p o profissional da educação! Ou seja, TODOS PARTICIPANDO. Não será uma multidão de “abnegados” que mudará a siutação calamitosa da educação pública deste país, isso é desperdício de energia! E aprendi isso na escola !
Estou curioso para saber como esta história se desenrola. Por enquanto, fiquei com o seguinte pensamento diante do seu relato e de alguns comentários. Periferia pressupõe um centro. Se moro em Cangaíba, meus filhos estudam na escola do bairro e sonho com o ensino superior da USP Leste, minha mulher abastece a casa nos mercadinhos e feiras das cercanias e no sabadão encontro a moçada para o futebol no Parque Ecológico do Tietê, onde fica minha periferia? Os Jardins, Higienópolis e Vila Madalena podem ser minha periferia. Por que preciso que os bons professores dos meus filhos venham da minha periferia. Com certeza há bons professores nascidos e criados no meu centro. Onde eles estão agora?
Bem falado! O professor que me levou até lá morava lá mesmo e tinha estudado, quando na criança, na mesma escola.
Muito interessante essa troca de olhares. A periferia é muito eclética. É um lugar onde a alta cultura e a cultura popular efetivamente dialogam. A miscigenação também é muito maior. Existe rap, funk e samba, mas tb existe música clássica e rock. Existe literatura mais panfletária, mas tb tem muita gente fazendo literatura com alto rigor estético, que pesquisa, e procura fruir melhor o artístico, não se contentando apenas em escrever, mas procurando transcender.
Gostei muito , e aguardo a continuação, com entusiasmo; pois sou professora, mesmo que aposentada, e me interesso por tudo que diz respeito`a Educação….
Continua…
Bom que o óbvio deixe de existir.
Nem todos alunos dos Jardins são futuros gênios e, nem todos alunos da periferia são ignorantes. Talvez a velha história da falta de oportunidade e de estrutura das escola torne o futuro mais cheio de desafios a vencer, do que um aluno que tem melhor acesso e condições. O bonito disso é ver que apesar de todos os erros, da falta de incentivos, das condições de trabalho dos professores, da falta de verba, ainda assim muitos vencem, muitos chegam lá.
Claro que tudo isso depende, e muito, do professor, do cara que dá o sangue por seus alunos, é o caso do comentário da Mirian, que está de parabéns!
Oi Marcelo, agradeço novamente. Abrir sua página e ler o relato da nossa aventura pela periferia foi muito emocionante! Assim como foi uma grande emoção para os alunos terem contato com o escritor Marcelo Coelho, tenho certeza que mudará muitas histórias.
Professores bons fazem a diferença.Lembrei do Millôr que sempre dizia que o mais importante que aprendeu na escola foi ter prazer em aprender – e creditava isso a sua professora Isabel Mendes (veja , até eu lembro o nome).Sorte desses alunos do extremo leste da cidade que tem aulas com professores assim.Isto é muito mais importante do que tablets , computadores e outras tecnologias que os governantes gostam de mostrar no horário elritoral como prova da melhoria do ensino. O investimento em professores , e ainda mais em professores como estes é que trará resultados .Parabéns ao casal e a você pela postagem.
Legal, Marcelo. Já deixou saudade. Abração e obrigado mais uma vez pela visita.
Eu é que agradeço, Daniel!
O blog virou novela? Pô, tava lendo com vontade e aí… vem aí cenas do próximo capítulo. Ahhhhh isso é detestável!
Bem, no geral essas viagens do classe média urbano para o meio suburbano traz à tona o mais ou menos óbvio: existe inteligência e interesse em qualquer lugar. Quer dizer, menos no Projac.
Marcelo, já fui professora da “periferia”; No tempo em que o Magistério era valorizado. Difícil de exercer, mas muito valorizado. Aliás, confesso que fiz magistério por influência de minha mãe, que percebia que eu não seria uma boa estudante. Um pouco rebelde para a época. Então a exigência dela foi “no mínimo o magistério”. E vc. não pode imaginar o que esta profissão me revelou.
É simplesmente sublime você poder alfabetizar, ensinar, transmitir, amar seus alunos. E, naquele tempo, as classes eram compostas de alunos de todos os tipos, inclusive os com deficiência mental.
Fiz um lindo trabalho. Inacreditável até para os diretores, etc… Prá dar 3 horas de aula, eu viajava 6. As condições eram muito precárias. Mas foi uma das maiores lições para minha vida. Muito bacana vc. ter ido lá. Nossas crianças precisam disso.
Prá mim foi uma lição de vida. Me abriu novos caminhos. Me fez perceber do que eu era capáz. Mãe sempre sabe o que faz.
Parabéns, Mirian! Com todas as dificuldades e frustrações, dessas coisas a gente não se arrepende.
Continua pls.