A mentalidade conservadora (3)
31/05/12 10:37No preâmbulo burkeano de seu livro (ver post anterior), Kirk identifica um breve elenco das principais teses conservadoras, que cabe reproduzir aqui, com alguns comentários.
Qualquer conservador bem-informado reluta em condensar ideias profundas e intrincadas em algumas frases escassas e pretensiosas; ele prefere deixar essa técnica para o entusiasmo dos radicais.
(Por esse critério, até o “Credo” católico estaria suspeito de radicalismo… mas vamos em frente).
Como premissa de trabalho, no entanto, pode-se observar aqui que a essência do conservadorismo social é a preservação das antigas tradições morais da humanidade. Os conservadores respeitam a sabedoria de seus ancestrais (essa frase foi de Strafford e de Hooker, antes que Burke a iluminasse); eles desconfiam de alterações indiscriminadas.
Dois pontos merecem crítica aqui. Começo pela última frase, típica de um procedimento que se repete bastante em Kirk. A saber, o da adjetivação que salva o argumento. “Eles desconfiam de alterações indiscriminadas”. Certo –quem iria discordar disso? Alterações desastrosas, alterações estúpidas, não há quem não seja contra. Alterações corretas, alterações judiciosas, não há quem não seja a favor. Simplesmente podemos dizer que o “progressista” considera judiciosas certas alterações –como a permissão para o casamento gay, por exemplo—que o conservador não considera bem-vindas.
E com isso entramos na primeira parte do parágrafo de Kirk: “os conservadores respeitam a sabedoria de seus ancestrais. Que sabedoria? A que durante milênios considerou normal a instituição da escravidão? Ou a sabedoria que, durante milênios, também considerou abominável o assassinato? O passado tem sabedorias para todos os gostos, mesmo para o gosto progressista…
Continuo mais tarde.
Mas o que dizer então dos “progressistas” que defendem valores conservadores (muitas vezes retrógrados) de outras sociedades só porque estes valores não são valores ocidentais?
A gente costuma ver essas coisas na Europa, onde os “progressistas-multiculturalistas” da esquerda defendem tribunais de sharia para imigrantes muçulmanos e seus descendentes à revelia das leis europeias…
E o que dizer também dos “progressistas” que baseando-se nos preceitos marxistas gostariam de banir a venda de jóias, maquiagens e revistas masculinas de mulher nua?
Olá,
Eu postei outro dia mais algumas considerações e links nos comentários da primeira parte dessa série.
Qto ao que você disse nesses dois últimos posts, concordo que o conservadorismo é realmente inconsistente, é muito mais uma “atitude” de desconfiança do que uma proposta, e acredito que seja por isso que sempre acaba perdendo terreno, pois, quando estão no poder, os conservadores fazem no máximo brecar o avanço das propostas dos seus oponentes, que continuam a implementá-las quando, no jogo democrático, acabam retornando ao poder.
Isso fica muito evidente nas questões morais: você dificilmente encontrará um conservador que defenda, por exemplo, o retorno às vestes dos anos 50, que as mulheres deixem de trabalhar fora ou a exibição pública de afeto heterossexual (e, na prática, somente parte dos evangélicos são contrário aos sexo antes do casamento). No entanto, eles se chocam e se mobilizam contra o casamento gay, pois, tendo absorvido a revolução dos costumes dos anos 60, só não assimilar – ainda – os novos costumes. Os conservadores de amanhã vão defender o casamento gay como um avanço e só lutarão contra o fim da monogamia hétero e gay…rs
Quem de fato lidera o mundo político, reinventando-se continuamente, é a esquerda em suas diferentes nuances, seja o PT e o PSDB no Brasil,seja o Partido Democrata americano. A estatização dos meios de produção não funciona? Tudo bem, eles privatizam e criam agências reguladoras, absorvem a idéia da renda mínima e outros programas de transferência de renda propostos pela Escola de Chicago, mas continuam implantando sua agenda igualitária dentro dos limites objetivos impostos pela realidade que encontram. No caso dos EUA, os conservadores chegam ao poder mas fazem a mesma coisa (vide Reagan).
concordo! Uma tradição conservadora terá sido, provavelmente, revolucionária séculos ou décadas atrás.
Sim. O que é conservadorismo americano? Republicanismo, democracia, divisão de poderes, liberalismo econômico, igualdade perante as leis, constitucionalismo, etc. Isso tudo é revolucionário em relação à ordem medieval.
O próprio Gary North, uma referência do movimento conservador americano (e que, curiosamente, foi quem levantou a questão do Y2K, o bug do milênio), mostra como a independência americana foi fruto de uma farsa perpetrada pelo tea party original:
http://lewrockwell.com/north/north1002.html
..What would libertarians – even conservatives – give today in order to return to an era in which the central government extracted 1% of the nation’s wealth? Where there was no income tax?
Would they describe such a society as tyrannical?
That the largest signature on the Declaration of Independence was signed by the richest smuggler in North America was no coincidence. He was hopping mad. Parliament in 1773 had cut the tax on tea imported by the British East India Company, so the cost of British tea went lower than the smugglers’ cost on non-British tea. This had cost Hancock a pretty penny. The Tea Party had stopped the unloading of the tea by throwing privately owned tea off a privately owned ship – a ship in competition with Hancock’s ships. The Boston Tea Party was in fact a well-organized protest against lower prices stemming from lower taxes.
So, once again, I shall not celebrate the fourth of July.
“Republicanismo, democracia, divisão de poderes, liberalismo econômico, igualdade perante as leis, constitucionalismo, etc. Isso tudo é revolucionário em relação à ordem medieval.”
Isso tudo já existia antes da ordem medieval.
Diego, parte disso existiu no passado, mais especificamente em Atenas e em Roma, mas como parte de uma ordem pagã, pré-cristã e não na forma que tomou com o Iluminismo e a Revolução Francesa e Americana.
E a relevância da minha observação advinha contextualmente do fato de que os conservadores americanos absorveram esses conceitos REVOLUCIONÁRIOS – pois diametralmente contrários à ordem cristã medieval – como se fossem a mais legítima expressão de uma ordem cristã (hoje em dia, judaico-cristã).
Brecar o avanço das propostas? Propostas de usar o produto do trabalho e do empreendimento alheio para seus “projetos sociais”? Não interessa o que conservadores americanos façam de incoerente, não são ídolos! O conservador coerente defende a meritocracia, ainda que outros conservadores não sejam coerentes.
É totalmente possível desenvolver um discurso pró-meritocracia para justificar o sistema de cotas, por exemplo, ao dizer que os negros não começaram na mesma situação que os brancos, e que, portanto, essa diferença tem de ser compensada para que haja realmente mérito individual nas aquisições de cada um.
A verdade é que meritocracia é uma palavra sem conceito: liberais acabaram com o sistema de privilégios aos nobres – o que aproximou a sociedade de um sistema de meritocracia individual -, mas defendem o direito à herança, o que nos distancia de um sistema meritocrático.
Enfim, apegue-se menos a palavras de ordem e mais à análise das idéias que estão por trás delas.
Quanto à crítica que eu fiz ao conservadorismo, ela tambémfoi feita por Hayek:
http://www.lewrockwell.com/orig6/hayek1.html
“Conservador” brasileiro precisa ler!
A esquerda e seu ímpeto de carimbar. “Palavra-de-ordem”. Você “pensa”. Os outros “seguem palavras de ordem”. “Compensação” também é uma palavra de ordem sem conceito. De onde você retirou a inequivocidade dos fatos históricos relatados, como se não estivessem imbuídos de ideologia? Meritocracia é deixar as coisas acontecerem sem a interferência do conselho de vestais regulador. Há uma dose de injustiça? Sim! O conservador aceita isso e pronto. Leia menos Hayek e abra um negócio para ser chamado de capitalista enquanto políticos aprovam benefícios que você terá que pagar. Aliás, eu gostaria de ler mais Hayek, Mises, Voegelin, mas não posso ler tanto pois trabalho bem mais que uma jornada assalariada para pagar impostos. O maior problema da esquerda é a alergia a individualizar. Como explicar que um negro seja mais talentoso que outro? Que um pobre o seja mais que outro pobre? Daí o “coletivismo” do argumento de esquerda, que foje da idéia de capacidade, seja esta natural (horror!) ou advinda de uma realidade familiar (anátema!).
Eu não sou de esquerda, e nem de direita, mas só que conheço o pensamento conservador e liberal bem demais para cair nas falácias deles também.
E, a propósito, “esquerdista” brasileiro precisa para de apelar para a autoridade!
Não é a toa que amam um estado forte. Ontem, Marx. Hoje, qualquer um que faça uma crítica menos pseudo-lógica (ainda que marx diga algumas fortes verdades) e mais sutil à algo que, obviamente, não é perfeito, como Keynes.
É exatamente no tocante às incertezas que se edifica o pensamento conservador, pois se desconhece o resultado das mudanças. Não se sabe se serão estúpidas ou corretas e, nesse sentido, o progressismo político é combatido, não pelos fins, mas pelos meios. A alteração nada mais é do que a dissolução do que já existe por uma aposta que, quando falamos de pessoas e suas vidas, é melhor que se seja conservador.
Você pode ser contra alterações estúpidas, Marcelo. Mas a esquerda por aí, em geral, não é assim: o mudancismo gratuito reina, principalmente entre os mais jovens. Já vi jovem esquerdista defender que se pare de apreciar Michelangelo e Beethoven porque o gênio desses oprime as novas gerações. A direita não convive bem com certas diferenças, admito, mas a esquerda é mais rápida em querer criminalizar o que não lhe agrada. Sei que a ditadura de 64 fez isso também, mas já acabou. E Cuba? E a China? E a Coréia do Norte? As ditaduras de esquerda não se assumem como provisórias, mas como permanentes.
algumas de direita também, como o Reich dos mil anos…
Reich de mil anos era de direita? O capitulo 2 do Manifesto Comunista e o Programa do Partido Nacional Socialista, de 1920, são fontes melhores que a sua resposta.
Vou esperar o “mais tarde”, prá ver se consigo opinar.
Conservadores gostam de conedenar detratores por “ideologia”. o que eles professam é simplesmente a “verdade”, não “mera ideologia”. A filosofia da práxis que quer transformar o mundo é um equívoco funesto, enquanto a filosofia ancestral que apenas descreve o mundo “como ele é” os tranquiliza. Quem sabe que tudo muda, por condição mesma da matéria, como pode insistir em tudo conservar? Essa gente é doida.
Há resistências em permitir que a ação humana isolada arbitre sobre o todo. O conservadorismo não desdiz as mudanças naturais, se opõe a que são deliberadamente instituídas por vontade isolada. O conservadorismo é o consenso das tradições construídas ao longo do tempo contra o perigo das decisões arbitrárias e isoladas.
Tradições essas que devem ser necessariamente ultrapassadas sob pena de necrosamento da dinâmica social, o que não favorece ninguém, nem aos conservadores; daí a eles admitirem isso a distância é grande.
Ultrapassadas pelo quê? É você quem vai dizer como os diferentes seres humanos devem se portar de agora em diante? Deduz peremptoriamente da matéria (estrutura atômica?) a necessidade de mudança na sociedade? E nós – conservdores – é que somos loucos?
Tadinho de você, Luiz.
Crenças religiosas = ultrapassadas pelo conhecimento científico.
Escravidão = ultrapassada pela liberdade do cidadão em um Estado regido sob constituição igualitária.
Submissão feminina = ultrapassada pelo reconhecimento da igualdade entre os sexos
Trabalho infantil = ultrapassado pela formação educacional das crianças até atingir a idade adulta.
Quer mais, carinha retrógrado?
conhecimento científico = conjunto disforme de premissas propagandeadas pela cultura pop, sendo até anticientíficas
liberdade do cidadão em um Estado regido sob constituição igualitária = liberdade nominal em uma sociedade cada vez mais acossada por meios de controle totalitário insidiosamente presentes nas ‘democracias’
igualdade entre os sexos = preconceitos construtivistas estendidos até em pontos em que haja diferenças biológicas entre os sexos, prejudicando até mesmo as supostas beneficiárias (feminização da sociedade, postergação do casamento em detrimento das expectativas inconfessadas femininas etc)
formação educacional das crianças = adestramento amplo dos infantes para a submissão às modas do dia (histeria ecológica, cabresto politicamente correto, gayzismo), falhando até em transmitir conhecimentos rudimentares (base gramatical normativa-mínima e domínio das operações aritméticas básicas)
Marcos Nunes, você é apenas um idiota útil, mero repetidor de chavões com os quais nutre uma relação de fetichismo (tal como 99.3% da esquerda).
A esquerda não consegue falar sem seus slogans. “Retrógrado”. Quem está defendendo a escravidão aqui, senhor? Defendo apenas o direito de não aceitar o que você considera o certo para todos.
Quer mais, esquerdista clichê?
E, a propósito, essa submissão acrítica ao conhecimento científico é característica de epistemologicamente despreparados como você, marcos. Você nada sabe de ciência, mas vê nela uma “espadinha” para brandir contra a sua odiada religião. Como não ligo para religiões, trato a ciência como algo importante por si só.