voltaire de souza
12/06/12 10:21Algumas intervenções do cronista no debate contemporâneo, publicadas no jornal “Agora”.
É PRECISO DECIDIR
Votos. Tendências. Pesquisas.
Os candidatos se movem.
Objetivo: a prefeitura de São Paulo.
Roberto estava em reunião com os assessores.
–Será que eu tenho chance?
–Bom. Você precisa ser mais conhecido.
A dúvida surgiu na alma do jovem político.
–Será que eu vou na Parada Gay?
Um assessor dizia que sim.
O outro lembrou o voto evangélico.
–E então? O que é que eu faço?
A tarde caía com suas cores pelos lados da Paulista.
Roberto ficou pensativo.
–Minha primeira comunhão… as aulas do padre Pelozzi…
A vida interiorana. Pescarias. Insetos. Bananais.
A secretária Lúcia Ignês só mais tarde notou pela falta do batom.
O candidato nega ter desfilado no evento.
O coração de todo homem é uma urna.
Esconde, por vezes, os votos mais secretos.
UM SINAL NA ESCURIDÃO
Frio. Vento. Garoa.
É o inverno paulistano.
Gianni estava preocupado.
–E a parada gay? Como é que fica?
Ele consultava as previsões do tempo.
Na gaveta, a fantasia para a ocasião.
–Vou de Robin.
Camiseta de manga curta.
–E a sunga cavadinha.
O melhor, nessas ocasiões, é cuidar da saúde.
–Mel com limão. E a vodca para esquentar.
Ligou a música bem alto.
–Também ajuda.
O vento soprava com força nos altos do Sumaré.
Já eram onze da noite quando ele apareceu na sacada do apartamento.
–E esswa chwuva gwe não pwara…
Entre as nuvens e a escuridão, ele viu um sinal.
–Batman? É você?
Quis descer até a Batcaverna.
O síndico se chamava dr. Ohara e reprovou a nudez dentro do elevador.
Conforme a hora, o melhor é ficar com a identidade secreta.
SAFIRAS E RUBIS
Pompa. Festa. Celebração.
A rainha da Inglaterra comemora 60 anos no trono.
No Brasil, as reações variam.
Dona Delmira dava um suspiro.
–Sessenta anos? Uma hora no trono já é demais.
A prisão de ventre castiga a terceira idade.
O netinho sorriu.
–Para mim você é uma princesa, vovó.
O tio do menino se preocupava.
–Como é que eu me visto na Parada Gay?
De repente, a inspiração.
–Taí. Vou de Rainha Elizabeth.
Peruca branca. Vestido clarinho.
A tiara era mais difícil.
–Dá isso aí.
Uma grande imagem de Santa Bárbara enfeitava a entrada do sobrado.
Raios caíam nos lados de Perus.
O irmão deu palpite.
–Coisa de metal… não sei não. Atrai.
A discussão foi feia.
Cada família é como uma coroa real.
Pedras diferentes se engastam no conjunto.
EM FOGO LENTO
Perigo. Medo. Insegurança.
Crescem os arrastões nos restaurantes da cidade.
Nildo e Susana mantinham o romantismo.
Jantares à luz de velas faziam parte da rotina do casal.
–Olha… abriram um bistrozinho bacana aqui perto.
–Hum, Nildo… será que vale a pena?
O bairro deles era dos mais visados pelos assaltantes.
Uma sirene ao longe.
–Bom… quem sabe a gente pede uma paella delivery.
O elaborado prato espanhol estava entre os preferidos de Nildo.
Em quarenta minutos o interfone tocou.
Nildo foi buscar na portaria.
Voltou com mais três pessoas.
E a ameaça de uma azeitona na cabeça.
O arrastão no prédio durou duas horas.
Fogo lento. Ritmo de alta culinária criminal.
Quando o serviço é em domicílio, ao menos não se paga o manobrista.
TOQUE DE RECOLHER
Silêncio. Quietude. Escuridão.
Para muitos, a noite vem trazer a paz.
Selma olhava pela janela do conjunto habitacional
–Está tudo tão parado…
O marido dela se chamava Augusto.
–Não sabe? É o toque de recolher.
Organizações criminosas impõem o medo na região.
–Como assim? E a minha bronquite?
Selma precisava com urgência de um remédio para a tosse.
Augusto não se moveu.
–Ninguém sai mais de casa.
O rapaz era prudente.
–Ah, faz então um chazinho para mim, meu bem…
Mel. Carinho. Dedicação.
O casal se beijou assim que passou a crise de tosse.
No quarto, o clima esfriou de repente.
Disfunção erétil. Tem remédio para isso.
–Mas nem dá para passar na farmácia…
Quando começa o toque de recolher, nem sempre é possível entrar na toca.