Deus, longe demais
20/06/12 18:43Todo mundo conhece o movimento final da Nona Sinfonia, de Beethoven, mas as palavras de Friedrich Schiller, na “Ode à Alegria”, nem sempre são valorizadas pelo ouvinte. Pego alguns trechos do poema, na sua tradução da Wikipedia.
Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
…
Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóbada estrelada
Deve morar o Pai Amado.
Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes o Criador?
Buscais além da abóbada estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.
Esses versos, de grande otimismo, receberam outro dia um comentário muito sóbrio e inteligente.
As palavras retomadas pela Ode à Alegria, de Schiller, ressoam vazias para nós, aliás, não parecem ser verdadeiras.
Não experimentamos de modo algum as centelhas divinas do Elísio.
Não estamos inebriados de fogo mas, ao contrário, paralisados pela dor diante de tanta e incompreensível destruição, que ceifou vidas humanas, que privou muitos da própria casa e lar.
Até a hipótese de que por cima do céu estrelado deve habitar um Pai bom nos parece discutível.
O Pai bom está sozinho acima do céu estrelado? A sua bondade não chega até nós aqui em baixo?
Um prêmio para quem adivinhar o autor do comentário.
Friedrich Schiller, 1759-1805 (wikimedia)
O autor do comentário foi o Papa Bento XVI, num discurso no Scala de Milão, no começo deste mês. O texto é curto, e pode ser lido aqui.
fenômeno estético ou moral?
As pessoas dizem que Deus existe ou não como se se tratasse de afirmar sempre a existência do criador do Gêneses, sempre um tanto humano demais. Se se pensar num Deus tal como foi concebido, por ex. por Spinoza ou por João Erígena, a questão muda inteiramente de sentido. Quer dizer, a existência de algo que em última instância só pode ser nomeada como Deus, e que as enciclopédias costumam definir como “A realidade última” (e aqui não discordam, certamente, de nenhum místico, seja da tradição oriental ou ocidental) não implica de modo algum, necessariamente, em noções como a de Divina Providência ou imortalidade do Espírito. Deus pode ser tão somente um caso de necessidade lógica, como pareceu para Aristóteles, digamos. Acho que seria mais oportuno perguntar: se Deus existe, e daí? Não sabemos o que Ele é, nem no que sua existência implica ou esclarece. Sua inexistência pode ser encarada da mesma forma desapaixonada, aliás.
Não perco um segundo da minha vida com essa questão, Pedro.
Todos os citados por você trataram de um assunto que considero um não-assunto.
Álvaro,
E eu qué-co com a sua subjetividade cabeça dura?
Leonardo, o quer dizer qué-co?
Bem legal, Pedro! Mas é uma posição praticamente irreligiosa, concorda?
Não consigo entender como Ciencia e Religião possam ter algo a ver, pois são como água e vinho, pois enquanto os cientistas acreditam na matéria e em suas cabeças, os demais acreditam em Deus.
Afinal, a constatação da existencia de Deus parece tão simples se respondermos à pergunta: Porque estamos aqui? = porque Deus quis. Portanto, a vida não é nossa, mas dele, de maneira que ele pode nos tirar daqui a hora que ele quiser pois nossa vida só a ele pertence. Isso independe se alguem acredita ou n ão em Deus.
Pior que o Papa nãoestácomessa”bola” toda”….
Em respeito a todos, digito meu sobrenome.
Nada disso me serve: Deus não existe.
Grande Marcelo! Curti e compartilhei!!
Marcelo, eu sempre desconfiei que esse papa é ateu rsrs. teologia negativa degenerada em amor a Cristo teórico
abração
textos lindos!
Em determinado momento ele cita o Criador de Tudo, noutro um anunnaki/nefilim.
Legal , Marcelo! Um convite à leitura do Papa de um modo não papista e sectário(que já estamos acostumados…)
Obrigado também pela dica do Madagascar 3.
Eu como internauta leigo agradeço!
O Papa continuou:
Procuramos um Deus que não domina à distância, mas que entre na nossa vida e no nosso sofrimento. Não temos necessidade de um discurso irreal de um Deus distante e de uma fraternidade não exigente. Estamos à procura do Deus próximo. Buscamos uma fraternidade que, no meio dos sofrimentos, ampara o outro e assim o ajude a ir em frente. Depois deste concerto muitos participarão na adoração eucarística — ao Deus que se inseriu nos nossos sofrimentos e continua a fazê-lo. Ao Deus que sofre conosco e por nós, e assim tornou os homens e as mulheres capazes de compartilhar o sofrimento do próximo e de o transformar em amor.
E Lao Tsé diz no Tao Té Ching, aforismo 5:
” O céu e a terra não são humanos.
Não têm qualquer piedade.
Para eles milhares de criaturas são como cães de palha
que serão destruídos no sacrifício”
Acho que tem muito a ver com as palavras do Papa, também concordo com ele no que se refere à família. Abraço.
O POSITIVO EM SCHOPENHAUER
“Ama ao próximo como a ti mesmo”. A sentença é do Cristo, mas bem poderia servir de epígrafe para o livro quarto dO mundo como vontade e representação, de Arthur Schopenhauer. Como escreveu Heidegger, os filósofos dizem o mesmo , mas não dizem o igual. É convenção associar Schopenhauer ao negativo, mas o buraco aqui é muito mais embaixo. Para Schopenhauer, não há, não pode haver, esperança na imanência, aqui tudo é Dor e Sofrimento, mas há um meio de existir que caminha para uma piedade cósmica e em suas últimas páginas o filósofo de Dantzig despenca para o positivo. Não é possível salvar-se na imanência, mas é possível, para poucos, ir além do princípio de individuação, rasgar o véu de Maya, e ver que todos somos pequenos pedaços da mesma vontade. A virtude autêntica “pode nascer apenas da intuição que reconhece num estranho o mesmo ser que reside em nós.” É o “ama ao próximo como a ti mesmo”. No fundo tanto o carrasco como a vítima são o mesmo. Daí todos os carrascos serem feios. Eles levam estampado na face o sofrimento de todas as suas vítimas. Para além das nossas dores, todas originadas da nossa vontade de viver, tudo está em paz na balança da justiça universal. Quando percebe que o eu é só o nó no feixe de lenha, o homem pode abrir-se para o outro e praticar a bem, ou no pólo oposto ao qual se encontram, Iago, Edmundo, Reagan e Goneril, vencer o nó e encontrar a santidade. Contudo, tanto o mal quanto o bem são manifestações da mesma vontade e como tal representam apenas a dualidade na unidade. O mundo é o parque de diversões da vontade. Seria cômico, não fôssemos nós o brinquedo dessa criança mimada.
Palavras de extrema lucidez. O Amor é Deus. O bicho homem é o único capaz de sentir prazer na crueldade, na perversidade, no sadismo, mas é também o único capaz da graça, de dar a vida pela vida do próximo, de sentir prazer em doar, em ajudar os outros. Acho que isto é Deus. É o Ama ao próximo com a ti mesmo de Cristo e de Schopenhauer.