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Marcelo Coelho

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"Fausto", de Sokurov

Por Marcelo Coelho
25/07/12 12:40

“Acabar!” Que ideia mais ridícula, resmunga o demônio, no final de “Fausto”, filme excelente e desafiador de Alexander Sokurov. Mefistófeles acaba de ser enterrado debaixo de um montão de pedras, por um Fausto triunfante –na plena confiança de suas capacidades para a descoberta científica.
Encerrando sua tetralogia de filmes sobre tiranos –Hitler, Stalin e Hiroíto foram os temas de “Moloch”, “Taurus” e “O Sol”–, Sokurov parece dizer que, por mais vitorioso que se sinta o espírito iluminista do Ocidente, o mal sempre está pronto a retornar.
O fato de ser carregado de alegorias não tira as qualidades do filme. Algumas cenas têm, é verdade, o clássico defeito estético do gênero alegórico: não existem por conta própria, nem se explicam por si mesmas; só fazem sentido se atinarmos com sua “tradução” conceitual.
Assim, a uma certa altura Fausto e Mefistófeles pegam carona numa carruagem, que transporta um nobre russo para Paris. O russo está dormindo, mas quando acorda expulsa, aos gritos, a dupla de lá de dentro. Não há motivo para esse episódio, exceto o de que, muito provavelmente, representa a velha Rússia, tradicional e mística, livrando-se das tentações do espírito ocidental. O sono do aristocrata corresponderia, assim, ao período soviético –quando as tentações de domínio racional sobre o mundo trouxeram consigo todas as consequências de um pacto com o diabo.
Mas o filme se sustenta admiravelmente sem esses episódios –e sem essas interpretações. A história de Goethe é adaptada com muita liberdade, e ganha mais plausibilidade psicológica aos olhos do espectador cinematográfico de hoje.
Fausto não assina tão depressa o seu pacto de sangue com Mefistófeles. O processo de sua sedução é bem mais longo, e tem uma característica maravilhosamente contemporânea. Ninguém, hoje em dia, se entrega ao diabo num único e consciente ato de vontade: as pessoas se corrompem aos poucos, e os males que vão fazendo se tornam objeto imediato de racionalizações.
O Fausto de Sokurov não mata voluntariamente o irmão de Margarida. Foram as circunstâncias, numa cena muito bem filmada na sua confusão; foi o próprio Mefistófeles; foi o tumulto na taverna… não sabemos direito, e nem mesmo está tão certo que o assassinado fosse mesmo irmão de Margarida. A moça, por sua vez, não é tão inocente assim: o pecado da sedução, modernamente, tem mais de um só responsável.
Outra diferença importante entre o filme e a peça de Goethe é que o Fausto de Sokurov não é só uma nobre alma sequiosa de vida e conhecimento. Está sofrendo da maior penúria material possível; para matar a fome, come até alguns órgãos do cadáver que disseca.
Cenas nojentas, mas não muitas, contrabalançam a grande beleza visual do filme: quadros de Brueghel e dos românticos alemães se reconstituem a todo momento, dentro do gosto de Sokurov pelos tons de verde, pela luz aquosa, que já aparecia em “Moloch”.
Tive preguiça de encarar o filme, com mais de duas horas de projeção. Mas não me arrependi nem me chateei. Ao contrário, dentro do seu espírito filosófico, alegórico, expressionista, o roteiro é muito movimentado, os diálogos entre Fausto e Mefistófeles (nos quais de vez em quando aparece uma citação de Goethe) são sempre vivos e interessantes. As legendas cochilam um bocado no começo –falas longas se reduzem a poucas palavras. Não é um filme que se recomende a todo mundo, mas saí entusiasmado do cinema.

Margarida, após o enterro do irmão, com Fausto (do site oficial)

About Marcelo Coelho

Marcelo Coelho nasceu em São Paulo, em 1959. Estudou Ciências Sociais na USP. Escreve semanalmente no caderno "Ilustrada", da Folha de S. Paulo, e publicou, entre outros, "Crítica Cultural: Teoria e Prática" (Publifolha) e "Patópolis" (Iluminuras)
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Comentários

  1. marcos nunes comentou em 01/08/12 at 9:59

    Gostei do filme, muito além das porcarias que normalmente passam pelo cinema (99% do cinema é, sem favor nenhum, lixo), mas vejo no cinema de Sokurov uma obrigação estética, um esgarçamento, um apego à fórmula como estilo, uma impossibilidade de superar obsessões técnicas e visuais que revelam algum cansaço produtivo. Gostaria de ver um filme dele menos sujeito à “marca Sokurov” que antes foi ousadia, agora é franquia para mentes intelectuais. Sokurov? Ah, tons verdes, distorções de imagens à El Greco, textos recitados com solenidade, imagens que se desfazem diante de nossos olhos, etc.

  2. Evandro L. Mezadri comentou em 25/07/12 at 22:52

    Olá Marcelo!
    Acompanho seu trabalho e gostaria de saber como faço para lhe enviar um livro de poesias de minha autoria para suas observações e críticas.
    Desde já, agradeço!
    Evandro L. Mezadri

    • Marcelo Coelho comentou em 02/08/12 at 10:50

      oi Evandro! Mande para o endereço da Folha, al. Barão de Limeira, 425, 9o. andar, cep 01202-900 SP. Abraços

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