Uma história dos "neocons"
21/11/12 02:23“They knew they were right” (eles sabiam que estavam certos/ eram de direita) é um livro publicado em 2009, que busca fazer uma rápida história da ascensão do pensamento neoconservador nos Estados Unidos.
Seu autor, Jacob Heilbrunn, é um neoconservador ele próprio, trabalhando como editor na revista The National Interest. O livro não esconde os erros de avaliação cometidos por seus correligionários, especialmente com relação à guerra do Iraque. Critica, ademais, o hábito de vários neoconservadores de dizer, quando tudo vai mal, que suas ideias não foram seguidas corretamente, e que Fulano ou Beltrano traíram, na prática, algo que na teoria era para funcionar melhor.
Para o leitor brasileiro, o livro exagera um bocado na listagem de nomes e mais nomes de personalidades conhecidíssimas provavelmente para o público americano, mas aqui elencadas sem maiores apresentações.
Ao mesmo tempo, o leitor brasileiro (ao menos, este leitor) acaba tendo surpresas. Os neoconservadores cresceram no horror a Kissinger e a Nixon (afinal, eles promoveram a retomada de relações com a China). Criticavam, naqueles tempos, a corrente “realista” da política exterior norte-americana. Eram, em sua maioria, do Partido Democrata.
Dos anos 50 até os 80, pelo menos, os republicanos tendiam a ser mais isolacionistas, cabendo a maior agressividade americana aos “falcões” democratas, como Jeanne Kirkpatrick.
Outra surpresa: tipos como Condoleeza Rice e Donald Rumsfeld, tristemente célebres durante o governo de George W. Bush, não faziam parte do grupo neoconservador. O único neoconservador de carteirinha, segundo o livro, era Paul Wolfowitz.
A primeira geração dos neoconservadores (em oposição aos conservadores clássicos, como William Buckley Jr.) era principalmente de intelectuais judeus da esquerda anti-stalinista. Como parece ser comum entre trotskistas, o anti-stalinismo logo se tornou anti-comunismo. A experiência das hesitações entre os países democráticos para combater Hitler, na década de 1930, levou esses intelectuais a recusar qualquer atitude de conciliação posterior com países totalitários.
E, naturalmente, a apoiar qualquer ditadura de direita na América Latina ou em qualquer parte do mundo. O anticomunismo era o biombo de tudo, até a defesa do apartheid na África do Sul.
Nesse clima surgem as figuras de Irving Kristol, Max Schachtman, Elliot Cohen, Irving Howe e Gertrude Himmelfarb, sua mulher. A antipatia que tinham pelo “establishment” branco e protestante, um bocado anti-semita naqueles tempos, iria orientá-los num sentido hostil aos republicanos e aos conservadores tradicionais.
O livro de Jacob Heilbrunn organiza toda a narrativa com base na atitude desses intelectuais –e das gerações que vieram em seguida—face ao conflito árabe-israelense.
Vai ver que foi assim mesmo, mas fica estranho ver tão raras menções à guerra do Vietnã, a Martin Luther King, à contracultura e a outros divisores de águas na política americana do século 20.
Foi a segunda geração neoconservadora que abandonaria o Partido Democrata para aderir aos republicanos. Norman Podhoretz começou simpatizando com militantes dos direitos civis para os negros, como James Baldwin, mas se afastou quando a simpatia destes pelos muçulmanos foi crescendo no final dos anos 60.
As ocupações das universidades pelo movimento estudantil pareceram, pela violência de algumas manifestações, algo equivalente ao fascismo –e as saudações dos Panteras Negras nada faziam para dissipar esse tipo de comparação. Allan Bloom, discípulo do célebre Leo Strauss, seria dos nomes mais conhecidos a definir-se politicamente depois desses eventos. Alunos de Bloom seriam Francis Fukuyama (que depois renegaria seu passado neoconservador e apoiaria Barack Obama), Paul Wolfowitz, Abram Shulsky e Kenneth Weinstein.
Este é um dos momentos em que o livro de Heilbrunn poderia ser mais detalhado em termos de história das ideias. Mas é a política externa americana, em especial o caso de Israel, o foco de suas atenções.
Em termos de política externa, chamam a atenção as opiniões do neoconservador Albert Wohlstetter: contra a atitude republicana de manter um “equilíbrio” nas armas nucleares, esse teórico achava que os russos, afinal saídos de uma guerra que lhes causara 20 milhões de mortos, não se importariam muito em perder um milhão ou mais de pessoas iniciando uma guerra nuclear. Não seria “sensato”, dizia ele, achar que os interesses soviéticos no desarmamento ou na contenção do arsenal atômico eram tão sinceros assim.
Daí para a vontade de pressionar pela guerra a qualquer custo o passo era pequeno. Irving Kristol, recentemente homenageado pela sua sabedoria em necrológios até no Brasil, combateu, por exemplo, toda manifestação de boa vontade que Ronald Reagan pudesse ter com relação a Gorbatchev.
O curioso, como nota Heilbrunner, é que a inovação história proposta por Jimmy Carter na política externa americana –a defesa dos direitos humanos— foi decisiva para levar os neoconservadores para o lado republicano. Não havia como defender direitos humanos no Brasil, por exemplo, se isso significava fortalecer o maior inimigo mundial dos direitos humanos, a União Soviética. Todavia, a promoção “internacionalista” da democracia, através da intervenção militar direta, seria a grande justificativa, anos depois, para as ações de Bush no Iraque. O problema é que, pensando unicamente em bombardeios, ninguém na administração americana cuidou muito de como promover a economia e a ordem política nesses países devastados e cindidos.
A mesma obsessão belicista fez com que os neoconservadores combatessem qualquer concessão no Oriente Médio, em especial os acordos promovidos por Jimmy Carter em Camp David.
Na aproximação com os republicanos, os neoconservadores logo perceberam a importância de manifestar simpatia pela direita cristã. É assim que o sempre elogiado Irving Kristol passou a dizer, nos anos Reagan, que o darwinismo era apenas uma “hipótese”, que estava “longe de ser um fato científico estabelecido”.
Mas o otimismo reaganiano com relação às reformas de Gorbatchev, que afinal se provou correto, foi um motivo para que os neoconservadores se afastassem dele. Kristol e Norman Podhoretz não conseguiam acreditar que o comunismo estava a caminho da derrota: contra quem iriam lutar então?
O otimismo ganhou sua formulação teórica com a tese do “fim da história” de Francis Fukuyama; o neoconservadorismo ia se tornando, assim, apaziguado e democratizador, enquanto seus instintos guerreiros sofriam –sem contar o fato de que foi um democrata, Bill Clinton, quem deu o tom da intervenção armada anti-tirania na ex-Iugoslávia. Tempos difíceis.
A geração seguinte ganhou de Osama Bin Laden um presente e tanto. Mesmo assim, segundo o livro, os neoconservadores obtiveram poucos postos na administração Bush –ainda que o próprio presidente e seu vice fossem cada vez mais próximo deles. Já era uma outra geração, a do filho de Irving Kristol, William, a do filho de Norman Podhoretz, John, e de David Brooks e Lawrence Kaplan. Esses não tinham nenhum passado antifascista; já tinham nascido num ambiente de anticomunismo ferrenho.
Só que os problemas americanos no Iraque cresciam, e os neoconservadores não sabiam como defender-se dos ataques à política de Bush. David Brooks saiu-se com esta: não existia essa história de neoconservadorismo. Quem usa o termo está aplicando apenas um rótulo mal intencionado. “Neocon” é uma abreviação, diz ele, em que “con” quer dizer “conservador” e “neo” quer dizer judeu. Ou seja, quem aplica o termo é na verdade um anti-semita disfarçado.
Como a luta contra o radicalismo muçulmano continua, o radicalismo neoconservador tem bastante espaço pela frente, parece concluir Heilbrunner. O problema é que seu livro adota essa perspectiva mais recente para explicar, não tanto o fenômeno ideológico mais amplo do neoconservadorismo, mas apenas a história das relações entre os neocons e a política externa americana, cujas complexidades e uniformidades, ao longo do tempo, resultam num guia bastante confuso para esse tipo de narrativa. Aos olhos de um brasileiro, as diferenças entre todos não são tão grandes assim.
Questão de ordem: o que aconteceu com todos aqueles comentários esquisitos que estavam aqui antes? Concordo com a retirada… eles não diziam nada… não eram suficientemente sinceros…