Os dois Barbosas
28/11/12 03:00Ainda prossegue o julgamento do mensalão, e há muitos ajustes de penas, revisões, recursos e intercorrências institucionais pela frente.
De todo modo, um clima de trabalho encerrado, coincidindo talvez com as festas de fim de ano, tomou conta do STF na última semana.
O espírito comemorativo pairou sobre a despedida do presidente Ayres Britto; alargou-se, em dia de casa cheia, com a posse de Joaquim Barbosa no cargo; irradiou-se, finalmente, numa explosão estroboscópica, com as cenas do ministro Luiz Fux tocando guitarra elétrica na festa em homenagem ao colega.
Tenho comentado bastante o julgamento do mensalão no caderno “Poder”, de modo que não entro aqui no conteúdo das decisões do tribunal. Mas o STF também é cultura, e há algo a dizer, sem dúvida, sobre algumas imagens que vão ficando do julgamento em curso.
Numa foto que faz sucesso, Joaquim Barbosa aparece de costas, com a capa drapejante, no estilo homem-morcego. É a figura do vingador, um tanto curvado e cabisbaixo pelo peso da própria obstinação, mas ao mesmo tempo rápido e decidido no passo. As dobras da capa sinalizam velocidade, altitude, independência e solidão.
O reverso da medalha são as máscaras que se fabricam para o Carnaval. Onde tínhamos a toga de Barbosa, temos agora o rosto de Joaquim. As rugas na testa e a expressão severa não tiram, claro, o sentido debochado da ideia, ou melhor, a falta de qualquer sentido na ideia.
Em outros anos, apareceram máscaras de Saddam Hussein, de Obama, de Lula e de Bin Laden. Tanto faz o personagem; o que importa é deslocá-lo do contexto, sublinhando que o Carnaval pode engolir tudo na mesma falta de lógica.
Seja como for, o Joaquim Barbosa trágico, espécie de Batman perseguido, convive com o Joaquim Barbosa cômico, camarada, ao alcance de todos. Não há maior sinal dessa ambiguidade do que o modo com que várias pessoas se referem a ele.
Imagino que não revelo segredo nenhum ao publicar isto: chamam Joaquim Barbosa de “Juiz Negão”.
O curioso é que a denominação, de óbvio histórico racista, vem em contexto positivo. Do gênero: “Tomara que o Negão ponha todo mundo na cadeia mesmo”. Ou: “Se fosse por mim, dava plenos poderes para o Juiz Negão resolver logo essa parada”. Numa sociedade como a nossa, o racismo por vezes está onde menos aparece, e vice-versa.
Os que chamam Barbosa de “Negão” parecem inconscientemente atribuir-lhe uma força vingadora e revolucionária, que admiram, mas da qual também gostariam de se afastar.
É o simétrico, digamos assim, da frase “vocês são brancos, que se entendam”. Algo que sempre pareceu aplicar-se, por sinal, ao mundo altamente codificado e técnico de uma corte superior de Justiça.
Nesse aspecto, os dois Barbosas se combinam. O Barbosa vingador, sozinho num mundo de “brancos”, se identifica com o Barbosa carnavalesco, da máscara que está “na boca do povo”. O branco de classe média, com raiva de Lula e José Dirceu, torna-se “negro” como Barbosa em sua luta contra “os poderosos” que fazem e desfazem em Brasília.
O termo “Negão”, certamente “incorreto”, torna-se estranhamente “correto” nesse contexto. E o contrário acontece com alguns termos “politicamente corretos”.
Foi o caso do discurso feito pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante, homenageando Barbosa na semana passada.
A situação, naturalmente, sugeria celebrar o fato de pela primeira vez se ter um negro na presidência do tribunal.
Ao mesmo tempo, como fez o próprio Barbosa, cabia passar por cima desse fato: ver os méritos da pessoa, não a cor de sua pele.
Cavalcante saiu-se com uma referência ao “multiculturalismo da brava gente brasileira”, que “se faz presente com o ministro Joaquim Barbosa”.
Como assim, “multiculturalismo”? Tendo estudado em Paris e dado aulas nos Estados Unidos, por que seria Barbosa mais “multicultural”, ou menos, do que Gilmar Mendes ou Celso de Mello?
De modo parecido, a severidade de Barbosa é frequentemente relacionada a alguma dose de revolta ou rancor que traga do próprio passado. Talvez; mas por que não culpar a sua dor nas costas, por exemplo, pelo mau humor que o acompanha?
Num país em que se esconde o racismo, o racismo surge mesmo onde ele não está. O fato é que ninguém fecha os olhos para o fato de ele ser negro; e fingir que se ignora o fato tende a ser muito revelador também.
Nada mais incorreto que o “politicamente correto”, como este texto busca ser. O racismo não está no termo, mas no tom que se usa ao empregá-lo.
Os “politicamente corretos” escondem sua culpa e seu preconceito atrás de termos tão pejorativos como aqueles que buscam desmascarar. É como tentar ocultar a sujeira debaixo de um tapete colorido, mas imundo.
O texto acima é tão racista quanto aqueles que querem cesurar Monteiro Lobato sem levar em consideração o contexto.
Não vejo nada pejorativo em chamar de “juíz negão”.
Entendo que se está dando ênfase, amplitude à sua competência e, sendo de pele negra, é como uma vingança (como a de um herói excluído) pelo racismo velado que há nesse país. Estamos vendo um presidente do STF de pele negra.Isso é bom.
Mas é uma questão um tanto subjetiva…quem deve aprovar – ou não é tão somente o ministro Barbosa.
Quem ainda chama os Negros de “negão”
no sentido pejorativo, estão a milhares de
distancia de ser um “ser humano”. Eu me orgulho muito de muitos “negões” espalhados na nossa sociedade, e ao mesmo tempo, me constrange sobremaneira
a existencia de tantos “brancos” tendenciosos, corruptos, que “se acham” acima do bem e do mal. Me orgula uma declaração de uma atleta do volei, BRANCA, que quando perguntada numa entrevista, onde ela achava tanta fôrça nos seus ataques no volei, ela olhou prás câmaras, muito feliz, mostrou os braços e disse feliz:
corre sangue de negão aqui! Parabéns Ntália.
Mirian,
Concordo com você, Sou de SC, onde a população é 90% branca, e moro atualmente em SP capital, onde metade da população é negra ou mestiça – no entanto, ouço termos pejorativos como este, com muito mais frequencia aqui do que ouvia lá em SC. Lá as pessoas ficavam constrangidas de expressar em público (apesar de sabermos que o preconceito existe em todos os lugares), estes tipos de comentários. Aqui parece “normal” – e meus amigos daqui não entendem quando fico constragido por ouvir alguém chamar o outro – do mesmo grupo de amigo de negão” ou fazer piadinhas infames sobre a pessoa ser negra.
Somos poucos, mas vamos plantamdo a sementinha né Renato. Que bom que vc.
pensa assim. Bjs.
O ministro Barbosa é HUMANO e tem defeitos também como todos nós e..nem tô aí para isso.Prefiro “gastar” meus “dois neurônios” com coisas mais significativas como as contribuições positivas de sua atuação para a história do meu Brasil Varonil!!
Quem nesse mundo é PEEERFEITO?!!
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Deixe de ser ignorante,você não tem idéia da dor de ciático!
Apesar do nível geral da folha estar baixo, vide Eliane Cantanhede, o colunista é ainda um dos poucos que se salva com seu estilo e cultura acima da média.
Para mim ele é apenas péssimo. E isso nada tem a ver com a sua cor de pele. É péssimo por que despreza a principal característica que se busca em um juiz: o desinteresse pelo resultado da lide. Esta é, aliás, a única razão para que as pessoas aceitem que as contendas não sejam resolvidas entre os protagonistas. E este juiz ignora isso com uma falta de serenidade que beira ao despotismo. Por isso é péssimo, na minha avaliação.
Qual a sensação de escrever para uma duzia de pessoas, numero aproximativo dos leitores que realmente compreendem seus textos? Deve ser bastante desanimador.
Coragem!
Fernanda, se não compreende os textos do jornalista talvez o problema não seja dele…
Vai tomar no cú
Nossa, que profundo e educado!
Eu quero ver esse comentario quando começar o mensalão do Psdb mineiro.
Ah! O motivo da falta da educação é por questões partidárias?
Quanta baboseira, ou, barboseira?
Tem cada uma!
Risível!
Não sei porque fui ler esta “merda” que você escreveu!!! …e ainda é membro do Conselho Editorial da Folha. Ainda bem que cancelei a assinatura do jornal.
Merda é a inveja que você tem do editor….leve seu curriculum na folha..de repente você consegue uma vaga de estagiário.
A “coelhinha” ficou nervosa?
Cris, eu trabalhei na Folha em 1990 e 1991, e o Marcelo Coelho já estava lá. Ele, Matinas Suzuki, e vários outros já faziam esse jogo dúbio dos donos da Folha, de dar uma de “jornal de esquerda”, combativo, mas bastante conservador na verdade. Eu não fui estagiário não, fui repórter mesmo. Achava isso na época e acho até hoje, cada vez mais. A Folha adorou incentivar essa postura nada imparcial do STF e do ministro Barbosa, e vai fazer o possível pra evitar um julgamento do mensalão do PSDB em Minas (morei e trabalhei lá também) porque senão vai atingir o Aécio Neves, que é o queridinho da elite conservadora, da qual faz parte a família Frias. Aliás, ficarei surpreso se meu comentário não for censurado.
Todos os povos na história da humanidade foram escravizados, até mesmo os romanos. As próprias relações tribais no continente africano, atestam isso. O instituto do escravo-mercadoria reaparece no modo de produção capitalista como um recurso da acumulação originária de capital quando a burguesia inglesa precisou recorrer á alteridade mais visível e vulgar para marcar o seu gado nas colônias: a cor da pele. Tendo a biologia avançado para além das aparências eu repito a antropofagia de Oswald de Andrade:
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
SR. MARCELO, SE O SR. SE ESFORÇAR, VAI PUBLICAR O DITO AO SR. MINISTRO, NO COMÍCIO DO PT EM OSASCO.
QUANDO A IDEOLOGIA FALA MAIS ALTO QUE A RAZÃO
Se o momento é de falar da cor de pele, seria bom lembrar que, da corja condenada pelo STF, não consta um “negro” sequer; sao todos “brancos” de origem européia. Viva o negro Joaquim Barbosa !!!
Marcelo, apesar da sua erudição, inteligência,argucia, o valor de obras que publicou, sinto muito em declarra que com todos esses predicados que lhe são mereci -dos. é extremamente contraditório e irônico.
Marcelo, li vários dos seus artigos e gostei bastante da sua moderação ao tratar do assunto mensalão! Embora esse assunto em particular não me atraia muito, reconheço a sua importância e significação para a sociedade brasileira. Compartilho com você a ideia de que o STF também é cultura, e também compartilho a apreciação da dinâmica existente entre as diferentes personalidades dos ministros que integram o tribunal. Isso tudo é muito interessante!