Amarelo piscante
16/01/13 03:00Basta uma chuva qualquer, ou às vezes nem isso, e o paulistano já sabe o que acontece. Os sinais de trânsito entram em pane e se harmonizam com os ridículos relógios digitais espalhados pela cidade, sempre errados na hora e na temperatura.
A má avaliação do ex-prefeito Gilberto Kassab, que a meu ver tem certa dose de injustiça, foi atribuída a várias causas. O fato de ele não ter construído dois hospitais prometidos certamente afetou os serviços de saúde.
Ainda assim, uma coisa é reclamar da falta de algo que nunca existiu, e outra é ver o que já existe deixando de funcionar. Uma promessa que não se cumpre dói menos do que uma realidade que se retira de cena.
Melhor perder R$ 10 numa aposta de loteria do que ter R$ 5 roubados no ponto de ônibus. A sensação de abandono e disfuncionalidade provocada pelos semáforos quebrados devia, assim, ser levada a sério.
Bom, talvez nem sempre. James Scott, professor de ciência política na Universidade de Yale, leva suas convicções libertárias ao arriscado extremo de criticar os faróis de trânsito. No livro “Two Cheers for Anarchism”, publicado agora nos Estados Unidos, ele conta uma desagradável experiência pessoal, ocorrida no verão de 1990. Scott inventou de aprender alemão trabalhando numa fazenda comunitária, remanescente do regime socialista.
Aos sábados, dava um passeio até uma cidadezinha ali perto. Tinha de atravessar a pé uma estrada, que se estendia por quilômetros de planície. O sinal demorava um tempão até ficar verde, mesmo nas horas mortas da noite. As pessoas iam se juntando na calçada, esperando disciplinadamente (eram alemães, afinal de contas) a permissão para atravessar.
Scott olhou de um lado, olhou de outro, e depois de alguma hesitação acabou atravessando no sinal vermelho. Foi uma imprudência. A pequena multidão se revoltou; vaias e xingamentos puniram o seu individualismo tipicamente americano.
Ele ainda tentou reproduzir a aventura, ao lado de um amigo holandês, professor universitário e adepto da insurgência de massas. O holandês também se chocou.
“Mas não tem carro nenhum na estrada”, argumentou Scott. “Sim, mas fazendo isso você dá um mau exemplo para as crianças do lugar”, respondeu o holandês.
A história foi reproduzida na revista “Harper’s” de dezembro passado, e serve para mostrar até que ponto está entranhado no espírito dos europeus o princípio da obediência a qualquer custo. Sabe-se, aliás, que custo isso teve durante o século 20.
Mas a Europa continua evoluindo, e Scott fala de uma iniciativa curiosa, surgida há pouco tempo na Holanda. O engenheiro de tráfego Hans Moderman teve a ideia em 2003.
Tirem os semáforos, disse ele. Melhor substituí-los por rotatórias e confiar nos motoristas.
No cruzamento mais movimentado da cidade-piloto de sua experiência, o índice de acidentes caiu para quase um décimo do que era quando o farol estava em funcionamento.
A experiência se espalhou, e o movimento do “red-light removal” ganha adeptos na Europa e nos Estados Unidos. Teria medo de ver isso adotado, por exemplo, no cruzamento da Rebouças com a Henrique Schaumann. Com os semáforos toda hora no amarelo piscante, entretanto, quem sabe não estejamos longe de tentar a experiência.
Sem dúvida, foi preciso que antes a população europeia tenha tido reverência mística ao princípio do sinal vermelho para que, mais tarde, sua prudência adquirida possibilitasse a remoção “anarquista” dos semáforos.
Por aqui, eu gostaria de ser mais radical, e propor a remoção dos próprios automóveis. Quem sabe se os proibissem na Paulista o recurso aos ônibus se tornaria mais rápido e atraente… Falta, como sempre se diz, investir mais em metrô.
Sem carros, entretanto, não seria nem mesmo necessário construir linhas subterrâneas. Andando mais a pé, a população precisaria também de menos hospitais —que teriam menos atropelados, aliás, para cuidar.
Um passo a mais no amarelo piscante, e a própria prefeitura seria removida de cena. Justiça seja feita a Kassab, ele começou o processo —não só com os faróis quebrados, mas com a lei da cidade limpa também, removendo os outdoors de nossa vista.
O horizonte se desanuvia aos poucos; mas o novo prefeito, é verdade, ainda tem um longo caminho à sua frente.
Quando é que nós vamos nos livrar de pundits que não sabem a diferença entre um país germânico com um PIBAO per capita, um território que cabe no meu bairro, onde todos tem o mesmo nariz a séculos… e o nosso Brasilzão
Goiânia é uma cidade planejada e que tinha inúmeras rotatórias (que os goianienses mais antigos chamavam de queijim). Porém, com o aumento de veículos, o trânsito tornou insustentável a existência das rotatórias e muitas foram substituídas por semáforos. O brasileiro infelizmente não tem a educação e a cultura dos alemães.
Já escrevi algo sobre transito e tudo o que foi dito aqui é merecedor de aplausos.
O homem de ferro como digo das feras que há “nas conduções”dos veículos em nosso país parecem necessitados de rédias de animais para serem obedientes aos transito.
Quando entram em um veiculo…, parece haver uma transformação; uns, vitimas do caos causado pela má administração…, se entregam ao nervo – flor da pele; outros, vitima do mal do carro como posso dizer creio; por estar como viciado no consumo automobilista e vendo suas( maquinas)de aço de muito luxo expostas ao duro transito caótico se transformam no homem de ferro que mata até em defesa de sua maquina – sensação brasileira!
Olha, só que não é obediência cega. Como lhe disse o holandês, que exemplo se estaria dando às crianças! Se a lei/regra está errrada, que se mude a regra/lei. O princípio não é o da obediência cega, mas o da democracia. Aqui, não. Acho que aquilo é bobagem e faço como quero, com os resultados que conhecemos.
Discordo. “Que exemplo se estaria dando às crianças?” O da obediência cega, é claro. Somente isso.
Quis dizer: que exemplo se estaria dando às crianças caso agíssemos como o holândes e o walter consideram correto? (o da obediência cega) Do jeito que escrevi antes talvez parecesse que estava me referindo a quem não considera o semáforo sagrado.
Te convido a visitar Alphaville em Barueri, SP. Primeiro de carro: nas rotatórias onde havia longas filas foram colocados semáforos e isso agilizou o trânsito. Depois a pé, para ver que sem semáforos de travessia, ninguém dá passagem aos pedestres. Como você disse, os Europeus de tão educados/ condicionados, conseguem bons resultados. Por aqui estamos longe disto.
Não da certo por aqui, falta de cidadania e/ou educação nas normas de como usar. E posso demonstrar, pode ir lá ver. Em Maringá no noroeste do Paraná o uso das rotatórias no lugar de sinais foi um dos pontos chave do projeto da cidade. Mas a falta de EDUCAÇÃO das pessoas no uso correto das várias pistas de uma rotatória gerou a necessidade absurda de se colocar QUATRO CONJUNTOS de semáforos em torno das de maior movimento. Visite a cidade que é ótima e bonita aproveite e veja isso ao vivo. Abraços.
Excelente texto, crítico, bem-humorado.
Sei não se desanuvia. O novo prefeito já queimou a lingua e as mãos quando disse
que põe as mãos no fogo pelo ex-presidente.
Tomara eu esteja errada.
Espero que o seu “red-light removal” não tenha um sentido duplo, o que seria uma injustiça e não corresponderia com a verdade.