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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Pureza armada

Por Folha
30/01/13 03:00

A notícia, que saiu no UOL há algum tempo, tinha me deixado curioso. Alguém em Brasília encaminhou pedido ao Ministério Público para que “O Livro Maldito” (editora BestSeller) tivesse sua venda proibida no país.

Os motivos para essa interdição estariam até mesmo na contracapa do volume. O autor, Christopher Lee Barish, promete ensinar uma série de coisas proibidas.

“Assalte um banco.” “Arrombe fechaduras.” “Forje a própria morte.” “Minta para um polígrafo.”

E outras coisas, “muito, mas muito piores”, promete a contracapa. Fui ver.

A maior parte das transgressões de “O Livro Maldito” tende para o café pequeno. “Como não limpar o cocô de seu cachorro”, “como burlar máquinas de refrigerante” ou “como escapar de ser jurado num tribunal” não constituem objetivos tão diabólicos assim.

Uma seção especial, destinada “a criminosos”, promete ensinar os incautos a falsificar dinheiro, a entrar para a máfia e a contrabandear drogas.

Mas basta ler um pouquinho para perceber que o propósito de “O Livro Maldito” é humorístico e que nenhuma das suas informações seria capaz de garantir por mais de meia hora a sobrevivência do leitor no mundo do crime.

O interessante, na verdade, está em ver que tipo de humorismo é esse.

Veja-se como começa o capítulo sobre como enganar uma máquina de refrigerantes.

“Quantas vezes, ao longo da vida, você já foi roubado por uma dessas máquinas?” Elas “passaram a perna em você —e agora está na hora de dar o troco”, diz o autor.

Segue-se uma impraticável explicação de como colar uma fita adesiva dos dois lados de uma cédula de dinheiro, deixando um rabicho para puxá-la de volta.

O essencial —e tão tipicamente americano, aliás, quanto o uso cotidiano dessas máquinas— está no gênero de argumentos utilizado pelo autor.

Em resumo, qualquer transgressão é apresentada como um direito legítimo. Se roubaram você, responda roubando também.

Outro exemplo. Se um guarda de trânsito pretende multá-lo por excesso de velocidade, “pergunte sobre o radar dele”, recomenda o livro. Isso porque em muitos lugares dos Estados Unidos é lícito exigir do guarda o certificado de aferição do aparelho.

O autor também oferece muitas razões “legítimas” para nos instruir a roubar no jogo de dados. O cassino vive de arrancar nosso dinheiro; “a única maneira boa de se vingar é tomando o dinheiro dele”.

As dicas do livro a esse respeito são obviamente delirantes: “pratique jogar dados colocando para cima os números que você quer”, e “lance-os de tal maneira que não haja muita rotação”.

Ah, bom. Muito obrigado. Agora estou pronto para a desforra.

Tantas reparações imaginárias contra “os verdadeiros ladrões” têm, na verdade, um pressuposto até ingênuo.

A ideia, especialmente estranha para nós brasileiros, é a de que o cidadão é em sua essência honesto e, sobretudo, detentor de direitos. É em defesa desses direitos que ele encontra justificativa para quebrar a lei; a boa notícia está no fato de que, em última análise —como no caso das multas de trânsito—, o próprio sistema judiciário facilita esse tipo de comportamento.

No Brasil, tudo teria de ser escrito ao inverso. Estamos culturalmente preparados para um estado de culpa, e não de inocência. Se apanhados em alguma transgressão, nossa tendência será dizer que todo mundo faz o mesmo.

Nos Estados Unidos, pelo menos através das lentes satíricas de “O Livro Maldito”, a atitude é outra: que autoridade tem o guarda para me acusar de alguma coisa?

Sem ser especialmente engraçado, muito menos útil, e menos ainda pernicioso, o livro de Christopher Barish ajuda a entender um pouco dos aspectos mais misteriosos da psique americana.

A partir desse pressuposto da inocência e do recurso à ilegalidade como um direito dos cidadãos, fica mais clara, por exemplo, a estranha atitude de tantos americanos com relação à posse de armas de fogo.

Eles se batem por um direito que, em qualquer outro país, passa por um evidente e patológico desejo homicida. Liberar a compra de metralhadoras? No Brasil ou no Canadá, um “princípio” desses constitui o mais rematado absurdo.

É preciso acreditar muito na própria inocência, sem dúvida, para fazer tanta questão de possuir um arsenal dentro de casa. Dizer-se roubado, fazer-se de vítima, ver o crime nas intenções dos outros —eis, na verdade, um bom caminho para se tornar criminoso também.

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Comentários

  1. john comentou em 11/02/13 at 18:15

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  3. G. Émilie comentou em 31/01/13 at 19:38

    Gostei. Pois é, a cultura é outra. Sem fechar os olhos para os prós e os contras de cada cultura, ou para as falhas dos prós na prática… sou super a favor de se praticar o estado de presunção de inocência… de viver acolhido por esse estado de presunção de inocência… não estou sabendo explicar… abs!

    • G. Émilie comentou em 31/01/13 at 20:25

      correção: acolhido/a. No meu caso, acolhida.

  4. Amedar Consulting comentou em 31/01/13 at 15:23

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  5. Tetsuo Shimura comentou em 31/01/13 at 6:35

    Bate-se muito no porte de armas pelos americanos, mas se considerarmos o número de armas em posse de cidadãos comuns, o holocausto teria forte concorrente. Já no Brasil onde as autoridades não têm sequer dados dos números de armas, temos 150 mil mortos por ano e tendem a crescer.

  6. Raquel comentou em 31/01/13 at 2:29

    É quase impossível para quem nunca morou (e não digo “passou 15 dias na Disney”) nos EUA entender como eles são. Burlar a lei mal lhes passa pela cabeça. É diferente demais para brasileiro entender.

  7. Gil comentou em 30/01/13 at 22:55

    Sr Marcelo
    O SR deveria entrar em contato com o autor deste livro e traze-lo para apresentar ao Sr Dep Jenoino, ele precisa tomar algumas aulas com pessoal de Brasilia e do PT. Coitado ele ainda esta no jardim de infância deste povo.

  8. cassio comentou em 30/01/13 at 22:39

    Eu gostaria muito de poder burlar o Estado, empresas privadas e bancos,pois todos funcionam perfeitamente quando se trata de cobrar impostos, taxas, (de)serviços prestados,… Mas quando se trata de buscarmos nossos direitos como cidadãos, contribuintes ou consumidores, espere sentado, daí a minha revolta. Se todos cumprissem com seus deveres, eu também o faria com o maior prazer.

  9. Junior comentou em 30/01/13 at 19:15

    Ora, se roubaram antes, por que nao um mensalao? Ora bolas se roubaram nas privatizações, por que nao burlar pareceres da advocacia geral.

  10. Roberto Brito comentou em 30/01/13 at 16:51

    Pura jogada de marketing reproduzida também pela livraria da folha. Comprei esse livro e é pura piada.

  11. Silvio comentou em 30/01/13 at 16:45

    Este livro no congresso nacional é cartilha de alfabetização. O nivel em Brasilia já é de doutorado nesse assunto

  12. solano meireles comentou em 30/01/13 at 15:50

    Sr Marcelo,
    Não é necessário acreditar na própria inocência para ter um”arsenal” em casa,e sim na segurança Pública que o Estado oferece ao cidadão com a eficiência que o SR bem conhece.
    Att,solano.

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