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Marcelo Coelho

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Ousadias de um papa

Por Folha
13/02/13 03:00

A renúncia do papa é um convite para toda sorte de teorias conspiratórias; no mínimo, pode-se prever que, de forma talvez nunca registrada na história, Bento 16 terá condições para dirigir, ainda vivo, a própria sucessão.

A decisão foi também repentina demais para se acreditar plenamente na tese de cansaço; teria surgido alguma pressão súbita capaz de tirar Bento 16 do trono de São Pedro? Algum escândalo, quem sabe?

Há argumentos contra esse tipo de especulação. Imagine a hipótese inversa. Se tudo se deve mesmo à fragilidade, à saúde e à velhice, o papa tomou a melhor atitude ao fazer o anúncio de chofre. Não há como preparar a opinião pública para uma coisa dessas sem dar margens a rumores ainda piores.

Vindo de um papa tão cioso das tradições, o fato não deixa de ser irônico. Bento 16 “inova”, por assim dizer, evitando o triste espetáculo que se viu no caso de seu antecessor. Com os progressos da medicina, cargos vitalícios acabam —como a vida— conhecendo um prolongamento cruel e antinatural.

Bento 16 ficará com a imagem de “conservador”, o que é verdade.
Mas prefiro pensar nele de outro modo. Para quem não tem crença religiosa, as palavras de Bento 16 eram muito mais interessantes do que seria de esperar.

Como intelectual, este papa sempre soube melhor se dirigir ao cérebro do que ao coração das pessoas. Várias vezes topei com frases de Bento 16 que eu mesmo, ateu de carteirinha, poderia subscrever.
A primeira surpresa foi quando ele visitou o local de um antigo campo de concentração nazista. Em seu discurso, deixou no ar a pergunta memorável.

Ficamos pensando, disse o papa, onde estava Deus quando tudo isso aconteceu. Era uma pergunta que nada tinha a ver com as habituais consolações, tão vazias, que a rotina religiosa costuma invocar nesse tipo de situação.

No ano passado, Bento 16 tocou no mesmo tema. Foi num concerto em Milão, no qual iam tocar a Nona Sinfonia de Beethoven. Como se sabe, no último movimento são cantados trechos da “Ode à Alegria” de Schiller. Não há catolicismo nesses versos, mas tudo transmite confiança religiosa.

“Ébrios de fogo entramos em tua morada celeste!”, exulta o coro. “Sobre a abóbada estrelada deve morar o Pai amado!”

O papa confessou suas dúvidas a respeito. Essas palavras “ressoam vazias para nós, aliás, não parecem ser verdadeiras”. “Não experimentamos de modo algum as centelhas divinas do Elísio. Não estamos inebriados de fogo, mas, ao contrário, paralisados pela dor diante de tanta e incompreensível destruição, que ceifou vidas humanas, que privou muitos da própria casa e lar.”

Ele se referia a um terremoto ocorrido na Itália em maio daquele ano. E continuou.

“Até a hipótese de que por cima do céu estrelado deve habitar um Pai bom nos parece discutível. O Pai bom está sozinho acima do céu estrelado? A sua bondade não chega até nós aqui embaixo? Procuramos um Deus que não domina à distância, mas que entre na nossa vida e no nosso sofrimento.”

Frases como essas me pareceram extremamente justas, e —vindo de quem vieram— ousadas a mais não poder. “Não temos necessidade de um discurso irreal de um Deus distante e de uma fraternidade não exigente”, continuou o papa.

“Buscamos uma fraternidade que, no meio dos sofrimentos, ampara o outro e assim o ajude a ir em frente. Depois deste concerto muitos participarão na adoração eucarística —ao Deus que se inseriu nos nossos sofrimentos e continua a fazê-lo. Ao Deus que sofre conosco e por nós, e assim tornou os homens e as mulheres capazes de compartilhar o sofrimento do próximo e de o transformar em amor.”

Ouvi com frequência um comentário meio leviano sobre o conservadorismo de Bento 16 em temas como família, homossexualidade, contracepção. “O que vocês querem? Afinal, ele é o papa!”

Nunca concordei com essa desculpa. Mesmo sendo “o papa, afinal”, Bento 16 não saiu por aí fazendo campanha em favor da tese de que o mundo foi criado em seis dias.

Foi escolha sua insistir em temas relativos à vida sexual, quando há dezenas de campanhas (comércio de armas, aquecimento global) que poderiam garantir à Igreja mais apoio junto às pessoas de bom senso. Mas não faltou a Bento 16 o ânimo de dizer mais do que se esperava dele.

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Comentários

  1. Lílian Cirne Gentil comentou em 17/02/13 at 19:46

    Marcelo Coelho:

    Gostaria de parabenizá-lo pelo artigo “Ousadias de um Papa”. Uma análise isenta de preconceitos e extremamente lúcida. Valeu!

  2. mauricio pereira comentou em 16/02/13 at 23:46

    Alguém pode por favor comentar no que a Igreja colaborou para o holocausto não viesse a acontecer?

    • Estanislau Tallon Bozi comentou em 19/02/13 at 21:19

      Concedendo milhares de vistos para emigração de judeus.

      Condenando o Nazismo, que perseguiu também os católicos e sua religião.

      Instigando, pelo exemplo e pela ação, os jovens da Rosa Branca.

      Etc.

  3. charles comentou em 14/02/13 at 13:36

    Apenas a profecia de Malaquias tomando forma.
    \o/

  4. Regina Igel comentou em 13/02/13 at 17:24

    O artigo de Marcelo Coelho ilustra uma coisa: o Papa deve ter desagradado o grupo de eminências pardas que se escondem atrás do seu trono. Devem ter dado broncas espantosas nele, até o ponto de o homem não tolerar mais que lhe pisassem nos pés. Aqueles ~casse-pieds~ não o deixaram em paz. O homem quer sossego e só vai conseguir isto se abandonar o que estava fazendo. Uma pena.

  5. G. Émilie comentou em 13/02/13 at 13:57

    Dentro de uma linguagem simples, me ocorreu, talvez, um bom ponto…

    Entre destino e livre-arbítrio:

    Acredito que não temos controle sobre certos acontecimentos, e a esses acontecimentos atribuimos a Deus (quem crê Nele, como eu).

    Livre-arbítrio e o holocausto:

    Mas quem disse que não podíamos ter o controle sobre o que aconteceu na Alemanha nazista? Tudo ocorreu por causa de ações humanas, do livre-arbítrio humano, das ações de um grupo humano. Hitler foi líder de uma massa. Sozinho ele não teria feito o que fez, talvez outras coisas, no âmbito da criminalidade comum.

  6. Gabrielle Émilie comentou em 13/02/13 at 13:24

    Tema difícil. Não acordei com o raciocínio muito apurado. No bom sentido, vou chutar, opinar… É preciso “definir” o Deus em que se acredita e, então, pensar sobre o que estaria relacionado a esse Deus – sobre as relações de causas e efeitos que atribuimos a partir do pressuposto de Sua existência. Há o Deus que interiorizamos da religião católica, cristã, por exemplo. Deus de Bento 16. Não posso responder a essa questão porque não tenho conhecimento dessas definições, pressupostos, relações teológicas do catolicismo. Estaria Bento 16 revendo alguns desses pressupostos, dessas relações? Estaria ele revendo alguns pressupostos morais da religião católica? De qualquer modo, há a mensagem cristã, que é bela, e pode ser praticada por ateus. Particularmente, gosto de crer em Deus, mas não são todos os acontecimentos que atribuo a ele. Do nada que sei, tenho a impressão que se David Hume fosse meu professor, certamente ele me reprovaria com essa resposta. Do nada que sei, talvez nem a teologia pudesse existir para David Hume. Ah, vai, ele viu o filme “Habemus Papam” e preferiu tirar um tempo para ir ao teatro e assistir à “Gaivota” de Tchekhov, coisa que também nunca fiz.

  7. Oscar Cox comentou em 13/02/13 at 11:12

    Súbito? Ele já falava nisso desde 2010.

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