Papado à la carte
19/02/13 15:49Artigo publicado na “Folha” de hoje.
A Igreja Católica não muda nada. Tudo precisa mudar na Igreja Católica. As duas frases provavelmente resumem o pensamento geral sobre o que se espera do novo papa.
Começo a perceber que nenhuma das duas é tão verdadeira assim. Uma primeira surpresa veio ao ler o livro do jornalista John Allen Jr, “All the Pope’s Men” (ed. Doubleday), um relato para lá de respeitoso a respeito de como funciona a Santa Sé.
Para dar uma ideia de como as coisas mudam no Vaticano, Allen Jr cita um exemplo notável: a pena de morte.
Embora o discurso “pró-vida” pareça estabelecido desde sempre no mundo católico, os papas não simplesmente apoiavam a pena de morte como a aplicavam até uma data relativamente recente.
O ano de 1868 marca a última vez em que a guilhotina (sim, era uma guilhotina, introduzida em Roma por Napoleão) foi utilizada no Vaticano. Pode-se dizer, claro, que os papas demoraram quase dois milênios para se convencerem do desacerto da pena de morte.
Uma vez aceita a mudança, entretanto, tudo se passa como se a Igreja Católica sempre tivesse pensado assim.
Não digo com isso que o aborto venha a ser aceito com facilidade nos próximos anos. Mas divergências já foram registradas entre os cardeais ultimamente.
Um dos papáveis, Marc Ouellet, chocou a comunidade canadense quando disse, a respeito de uma gravidez causada por estupro, que a mãe não deveria cometer um segundo crime simplesmente por ter sido vítima do primeiro.
Já o cardeal O’Connor, antigo primaz da Inglaterra (que por estar com 81 anos não participa do conclave), defende posição oposta em caso de estupro. Para um não-católico, trata-se de atitude mais razoável.
Tudo precisa mudar na Igreja Católica –sou dos primeiros a concordar com isso. Mas é curioso como no fundo torcemos para que mude no rumo de nossas próprias convicções.
Fosse por uma questão de popularidade, os bispos brasileiros poderiam muito bem abandonar sua crítica à pena de morte e, em especial, sua defesa dos direitos humanos.
Achamos que a Igreja perde muitos fiéis ao condenar o uso da camisinha. Pode ser verdade. Mas não sabemos quantos fiéis a Igreja descontenta ao falar em direitos humanos –garantia absoluta de perda de votos para qualquer candidato a cargo eletivo na periferia das cidades brasileiras.
O celibato dos padres e a ordenação de mulheres também são temas sempre invocados quando se pensa numa agenda de renovação para o próximo pontífice.
Talvez não sejam coisas tão difíceis de adotar, afinal; sem dúvida, estamos de assuntos menos vitais (literalmente) que o aborto.
Argumenta-se com frequência, entretanto, que o celibato e outras chateações são responsáveis pela constante diminuição no número de padres católicos.
Ocorre que, mundialmente, o número de padres (e seminaristas) cresce desde 2000. Segundo o último Anuário Pontifício, publicado em março do ano passado, a Igreja conta com 1643 padres a mais, no intervalo entre 2009 e 2010.
De 2005 a 2010, o número de seminaristas aumentou 4%.
Verdade que a Ásia e a África são as principais responsáveis por esse crescimento. O decréscimo de padres é visível na Europa e nas Américas; de um ponto de vista global, contudo, faz sentido imaginar que esse não seja o maior problema nas cogitações do Vaticano.
Pois é, são muitos tópicos: pena de morte (grande progresso a sua extinção); permissão para aborto em casos de estupro (acho mais difícil de acontecer, o assunto é mais delicado); mudança de posicionamento em relação ao uso da camisinha (a não adesão a essa ideia é absolutamente sem sentido, inconcebível no mundo de hoje); celibato(a se pensar a sua obrigatoriedade), etc. Além disso, é uma pena que os direitos humanos não sejam bem compreendidos pela população em geral.