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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Pega, mata e come

Por Folha
13/03/13 03:00

O sr. Heinz tem uma boa quantia de dinheiro no banco. A mulher dele sofre de um câncer raro e pode morrer a qualquer momento. Vem a notícia: um novo remédio pode ser comprado na farmácia.

O farmacêutico da cidade, entretanto, cobra uns US$ 20 mil pela medicação. O sr. Heinz sabe que ele está tendo um lucro abusivo. Propõe pagar só US$ 5.000, um preço justo. O farmacêutico recusa.

O que você faria no lugar de Heinz? Assaltaria a farmácia para levar o remédio ou se resignaria à morte de sua esposa?

O dilema é interessante, e foi apresentado por Lawrence Kohlberg (1927-1987) num estudo sobre as fases do desenvolvimento moral nas crianças e nos adultos.

Uma criança, mostra Kohlberg, segue a cartilha: “É feio roubar”. Ou, então, é mais pragmática: “Ninguém vai descobrir, porque ele roubou uma coisa pequena”.

Conforme crescem, as pessoas elaboram raciocínios mais complexos. “Heinz roubou, mas foi para fazer o bem.” Outro contestará: “A regra deve valer para todos, se não seria o caos”.

Num estágio mais avançado de reflexão, alguém pode perguntar: “Mas essa regra é boa?”. Ou ainda: “Em que medida os direitos individuais podem falar mais alto do que uma lei democrática?”.

Os trabalhos de Kohlberg são, como se vê, fascinantes. Interessa notar que, para o autor, não importa muito se o entrevistado aprova ou não o roubo do remédio. Interessa o tipo de raciocínio, simplista ou sofisticado, com que se fundamenta a resposta dada.

Fiz correndo a minha lição de casa. Contardo Calligaris invocou as teorias de Kohlberg, no seu artigo da semana passada; eu não fazia ideia de quem era Kohlberg.

Para Contardo, o pensamento moral envolve dúvidas desse tipo, e não há como escapar de dilemas difíceis. Querer evitá-los é simplesmente seguir cegamente uma cartilha; é ser moralista e rígido, é coisa de gente totalitária.

Não discordo, embora possa ser estranho dizer a alguém: “Você é totalitário, segue a cartilha dos direitos humanos”. 

Sigo, sim, a cartilha dos direitos humanos e, por isso, abomino, por exemplo, a tortura. Claro que pode haver uma situação excepcional em que nenhuma cartilha valha.

Contardo propôs uma dessas situações excepcionais, no caso da tortura (“Ilustrada”, 21/2). Uma criança morrerá sufocada dentro de uma hora se o seu sequestrador não confessar o lugar do cativeiro. Você tortura ou deixa a criança morrer?

Não sou contra dilemas morais. Mesmo Kant, ao contrário do que sugere Contardo, pensa em termos de hipóteses.

O problema da pergunta de Contardo, a meu ver, é que não coloca nenhum dilema moral verdadeiro. Apresenta uma situação extrema e “hollywoodiana”. Não estamos no plano das hipóteses, mas de uma ficção, como as dos seriados de Jack Bauer.

Fugimos do mundo moral para entrar num ambiente de desespero e de força maior. “Que se dane, você tem só 60 minutos para agir.”

No caso de Heinz e do farmacêutico, há o conflito entre uma consideração pessoal e uma lei abstrata. Família ou sociedade? Marido ou cidadão? Roubo justo ou legalidade injusta? Resigno-me a algo que é da ordem normal das coisas (morre-se de câncer por falta de remédio) ou posso dar um passo adiante?

A questão da criança sufocada não tem sutilezas. Agarra-me pelo pescoço. Resume-se, na verdade, a uma pergunta bem mais simples. O que é pior, uma criança inocente ser sufocada ou um criminoso ser torturado?

É claro que quem faz a pergunta sabe perfeitamente a resposta. Não se trata de um dilema moral plausível para ninguém. Trata-se, na verdade, de uma pergunta de torturador. Eu me reservo o direito de não respondê-la. É como se me perguntassem: “Quem é mais burro, um negro ou um índio?”. Não quer responder? Nossa, como você é antidemocrático! Detesta debater, hein?

A questão da tortura não foi inventada no sentido de sofisticar o meu pensamento moral, mas de embrutecê-lo. Volto ao exemplo que dei em artigo anterior. Se você estiver morrendo de fome num naufrágio, você mataria o seu companheiro para sobreviver na base do canibalismo?

Sim? Não? Como saber? Depende da minha fome, do meu desespero, da minha coragem, do meu medo. Coisas muito concretas.

Mas numa situação dessas não posso dizer que estaria agindo livremente, como sujeito moral. Estou à mercê de uma força maior do que a minha consciência.

É esse o tipo de “dilema” que alimenta os regimes totalitários.

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Comentários

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  9. Augusto Brito comentou em 13/03/13 at 14:47

    “A Volta para Casa”, de Bernhard Schlink, toca muito nesse ponto, sobre a incomensurabilidade do homem, pelo menos até o dado momento, e sobre a forma unilateral como nos medimos no mundo de hoje.

  10. Gabrielle Émilie comentou em 13/03/13 at 9:14

    Muito bom! Como leitora fiel, sinto-me obrigada a responder singelamente: 1. Farmacêutico: me resignaria ou lutaria por uma 3a opção social; 2. Direitos individuais vão contra leis democrática? Leis democráticas vão contra os direitos individuais? Acho que leis totalitárias é que vão; 3. Sequestro da criança: como vc disse anteriormente, talvez o pagamento do resgate resultasse no mesmo. Sem essa opção, digamos que, no caso concreto, a tortura, como abuso, ocorresse. Mas a ocorrência nem por isso deveria legitimá-la como prática usual. 4. O direito de ficar calado: a democracia não exclui o direito de não querer debater. Ser totalitário é não permitir o debate, a expressão, a opinião contrária. Ser democrático é acolher a expressão, a opinião contrária, assim como a não expressão. 5. Naufrágio: não mataria nenhum dos companheiros para, comendo sua carne, me alimentar e sobreviver. E, no caso dos exploradores de caverna (que lembro vagamente), citado no seu texto anterior, também não gostaria de estar dentro de um grupo que, por estar preso numa caverna, convencionasse por maioria que alguém deveria morrer para virar alimento, isto é, um grupo que me obrigasse a estar dentro desta convenção/solução). Essa, para mim, seria a situação mais tenebrosa. Mas, (que horror!), dentro de uma situação de morte natural, não imposta, se só restasse a carne humana como alimento de sobrevivência, digamos que eu até comesse, sem achar isso bom. 6. Quem é mais burro entre 2 etnias: resposta que hoje em dia já se tem… nenhuma das duas… entre duas pessoas concretas, a melhor opção é se calar mesmo para evitar a criação de mágoas e traumas. Num caso ainda mais concreto, em discussões mais íntimas ou grosseiras até chamamos o oponente de burro (mas não com muita seriedade, depois passa). Eu mesma sou desse tipo muito burra.

    • Gabrielle Émilie comentou em 13/03/13 at 10:10

      Esclarecimento: Marcelo, para que não ocorra uma má interpretação, o meu comentário não foi escrito como oposição ao seu texto, ao contrário, vem como adesão à sua posição. Portanto, entre o seu texto e o meu comentário não há discussão entre oponentes. Além disso, gostaria de acrescentar: adoro questões teóricas, mas na vida concreta, na prática, em muitos campos tenho atitudes burras. Daí a frase final, a ser corrigida: “eu mesma sou desse tipo, sou muito burra”.

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