"Rain Man" no teatro
03/05/13 19:28Talvez por sorte, nunca tinha assistido a “Rain Man”, o filme com Dustin Hoffman e Tom Cruise. Fui ver sua adaptação teatral praticamente sem saber do que se tratava –só que havia um autista e seu irmão na história.
A peça, traduzida e adaptada por Miguel Paiva, funciona otimamente. Rafael Infante, no papel de um sujeito egoísta e enrolador, convence com um sotaque carioca carregado, mas que não projeta necessariamente nenhum estereótipo nacional ou regional. Sabe despertar ao mesmo tempo a simpatia e a antipatia do público, sem deixar de conceder a Marcelo Serrado, que faz o seu irmão autista (e herdeiro da fortuna do pai), a primazia do espetáculo.
Aproveita-se qualquer oportunidade para fazer o público rir –até o advogado e testamenteiro do pai, que traz a Rafael Infante a má notícia de que foi deserdado, rende a Jaime Lebovich bons momentos cômicos.
Não se descaracteriza a história com isso: quando a peça chegar ao final, há o bastante para comover o espectador. Ninguém se cura do autismo, imagino, nem da falta de caráter –mas, na medida do possível, o coração humano é também um músculo que melhora depois de um pouco de exercício. Relaxa, em vez de endurecer, e essa transformação, encenada de forma sóbria, aparece de modo muito bonito na peça.
A cenografia deixa um bocado a desejar. Não haveria outra solução para evitar que os atores tenham de ficar empurrando o tempo todo uns caixotes com rodinhas? Esses caixotes foram imaginados para significar mudanças de lugar na história: um escritório (o caixote é escrivaninha) vira quarto de hotel (o caixote é a cama), e lá vão Rafael Infante e Marcelo Serrado de um lugar para outro. Como a peça é bastante realista, não há motivo para essa “quebra de ilusão”, feita ao que tudo indica apenas por razões de economia.
Do mesmo modo, para indicar a passagem de tempo entre uma cena e outra, obrigam Fernanda Paes Leme a trocar de roupa de quinze em quinze minutos, numa espécie de desfile de modas que mais distrai do que chama a atenção.
Repensando a minha ironia anterior, conserto para que a verdade tenha mais lugar nos discursos: sobre o que você quer de fato se reportar, não confundir mau gênio com mau caráter e, quanto ao “egoísta e enrolador”, ou se trata de uma distorção ou de um desconhecimento de causa, um “erro de pessoa”.
Concordo com você, Marcelo. Quem é mau caráter não muda, assim como não muda quem é bom caráter. Mas o mundo está cheio dessas figuras mesmo: psicopatas, oportunistas, malandros, aplicadores de golpes, além dos mal-educados, grosseiros, sem noção de toda espécie. Um horror! E, descontextualizando o que acontece na peça, no que diz respeito à primeira categoria, acho que esse pessoal não tem o menor coração. Quando parece que tem, é apenas fingimento, pura enrolação, visando o econômico. O que eles querem é se aproveitar dos outros. Psicopatas há em todas as esferas sociais, o vizinho ao seu lado pode ser um. A realidade está cheia de casos verídicos. É bastante necessário se precaver contra esses maus elementos, que muitas vezes têm uma grande retórica. São uns enrolões mesmo.
E o sotaque carioca de fato ajuda a compor o tipo.
Ah, e eles também têm um grande poder de manipulação. Não sei se só visam o econômico, pode ser que visem o reconhecimento, o status etc. São uns tipos bastante vampirescos. Uma lástima! Mas agora preciso ir, ao som do piano do meu vizinho.