Jobs
25/09/13 03:00Num tempo em que o Brasil ainda não era grande coisa, digamos no começo da década de 1980, um amigo especialista em relações internacionais tentava me curar do complexo de vira-lata.
Ele conhecia razoavelmente os bastidores da ONU. Garantiu-me que, por lá, as posições tomadas pelo Itamaraty eram levadas em consideração, e que nosso país não era visto como uma republiqueta.
“Você não sabe”, dizia o amigo, “o que o embaixador americano na ONU faz com os representantes dos países da América Central”. Chama-os para seu gabinete e, segundo se comenta, “as cenas ali são proibidas para menores de 18 anos”.
Chantagem? Corrupção? Ameaça física? Sexo forçado? Interlocutor discreto, o amigo nada mais me adiantou, e de todo modo minha curiosidade não ia tão longe.
Respirei aliviado, concluindo que, à falta de maiores ativos econômicos e políticos, o Brasil pelo menos contava com grande contingente populacional e com a sempre enaltecida extensão de seu território.
A ideia de que o poder pudesse exercer-se tão cruamente ficou na minha cabeça, mas não cheguei a ler livros de história capazes de dar bons exemplos gráficos desse tipo de coisa.
Mesmo no cinema, a violência das ruas supera em muito o que possa acontecer nos gabinetes.
O mais interessante de “Jobs”, filme de Joshua Stern sobre o criador da Apple, está no que consegue mostrar da pura brutalidade, verbal e moral, que parece prevalecer no mundo corporativo.
Não tenho nenhum fetiche por iPods, iPads, iPhones e outras coisas parecidas; para mim são todos bastante iguais, aliás, e qualquer admiração que eu possa ter pelo inventor desses badulaques já fica relativizada com a constatação de que, pelo menos em matéria de nomes de produtos, a criatividade de Steve Jobs não é das mais ofuscantes.
A julgar pelo filme, ele era antes de tudo um monstro. Desde sua entrada no mundo da informática, desenvolvendo aqueles joguinhos primitivos de Atari, Steve Jobs grita, humilha, apunhala e pisoteia quem passa pela sua frente.
Sua primeira negociação, com o proprietário de uma lojinha de acessórios eletrônicos, já se apresenta como duvidosa, para dizer o mínimo. Jobs mente, ou blefa, a respeito de suas possibilidades como fornecedor de um novo tipo de aparelho —no qual, mente de novo, inúmeras outras lojas estavam interessadas.
O aparelho, claro, é um modelo de computador que se pode usar dentro de casa, acoplado à tela de TV. A genialidade técnica da invenção não proveio de sua mente autocentrada, cujo caráter visionário e persistente se confunde com os defeitos do açodamento e da cegueira.
Ele percebeu que o mundo poderia ser outro, se surgisse alguém capaz de saber o que o consumidor deseja, antes mesmo que esse desejo fosse percebido.
O preço a pagar durante o caminho é de não ver mais nada, nem ninguém, entre o primeiro passo e o objetivo final. Jobs ignora tudo —até a namorada grávida e depois a própria filha— em favor desses aparelhos que, por sua vez, tanto nos ajudam a conhecer e a ignorar o mundo.
Isso seria o de menos, não fosse a presença de outros humanoides tão determinados e impiedosos quanto ele. São os que terminam por destituí-lo da própria empresa. Jobs só era suportável se desse lucros aos acionistas; mas sabemos de que modo as novas tecnologias têm o poder de emperrar e não dar certo.
Quando ele volta para a Apple, supostamente mais humano e sábio, o espectador já está farto de torcer por um sujeito tão detestável. O próprio Jobs se deixa amolecer, e os produtos da empresa começam a ganhar a aparência que têm hoje.
O jovem designer lhe mostra o protótipo de um computador arredondado e branco, de onde brotam, como num bufê infantil, balões transparentes de cor. Jobs aprova, recorrendo novamente à retórica de uma tecnologia humanizada e doce.
Mas o que havia de revolucionário no uso caseiro de computadores não se confunde com a cosmética de um novo produto, ou com sucessivas versões de um brinquedo básico.
Depois de nos convencer da antipatia fundamental do protagonista, o filme muda de foco. Jobs não importa mais; sequer sua mensagem merece atenção. Não é preciso elogiar o inventor; o filme só quer que gostemos da marca que ele criou. Jobs seria o primeiro a aprovar esse ponto de vista.
Ainda não vi o filme, mas a partir do texto veio a vontade em assisti-lo.
No entanto, fiquei impressionado! Você usa de um mero exemplo para entrar no clima da obra e as pessoas vão lá e entopem de críticas a funcionalismo público, corporativismo e mercado de trabalho.
Pera aí, gente, o texto é sobre Jobs, sobre a obra, a figura, o filme que está em cartaz!
Por esta e outras, vê-se o quanto falta gente com “foco” na internet e, claro, que muitos leitores não conseguem captar a essência de uma crônica, artigo, crítica, etc…
Quando a você, Marcelo, textos sempre ótimos, nem sempre concordo, o que é absolutamente normal, mas nem por isso usarei este espaço, que é seu, para desvalorizar seu ponto de vista.
4mQyma Say, you got a nice blog article.Really thank you! Keep writing.
Acho que como integrante do Conselho Editorial da Folha, vc. deveria ter mais influência nas pautas da mesma. Quanto ao seu blog, tem deixado muito a desejar.
Que tal pensar nisso?
Caro Clóvis, você como muitas outras pessoas têm a errônea ideia de que no funcionalismo as pessoas não são cobradas. Faça um concurso para o cargo de Escrivão da PF, seja aprovado e você vai mudar rapidinho o seu discurso. Quando você for acionado na madrugada de sábado pra domingo, fizer um flagrante de 12 horas, tiver que apreender um caminhão de muamba, cumprir prazos de inquéritos, ser responsável por tudo o que foi apreendido, dentre várias outras tarefas, você irá entender que está escrevendo besteira…
É, verdade, toda generalização comete injustiças. Nós temos ilhas de eficiência no funcionalismo público, isso é inegável: Banco Central, Forças Armadas, BNDES, Banco do Brasil, pessoal operacional da Petrobras, boa parte das universidades públicas, Embrapa, Itamaraty, etc. Mas, mesmo na PF, em que o desempenho e a produtividade são cobrados, o atendimento destinado ao público muitas vezes é ruim. E é preciso ter em mente que o patrão do policial federal não é o delegado, o superintendente da instituição ou o Ministro da Justiça: é o contribuinte. E atender adequadamente o público é uma das competências fundamentais para o servidor público, seja qual for a sua atuação. Quem já precisou tirar passaporte sabe do que estou falando.
Bom, Marcelo, a Folha também é uma corporação e, no segmento em que atua, das bem grandes. Como é que o Tavinho Frias faz quando manda chamar vocês em sua sala de CEO: “Chantagem? Corrupção? Ameaça física? Sexo forçado?”
Parabéns pelo texto, Marcelo. Tive a mesma impressão sobre o filme. E, Cloves, temo discordar de sua afirmação. Evidente que a produtividade é levada mais a sério na iniciativa privada do que no setor público por razões diversas, mas dizer que o mundo corporativo julga exclusivamente “competência e resultados” é irreal. Se fosse assim, os que ocupam as posições de chefia seriam sempre os mais preparados — o que não é verdade. Além de ser competente e entregar bons resultados, um profissional que trabalhe na iniciativa privada tem de ser, sobretudo, bem relacionado. A menos que você seja o dono do seu próprio negócio. Mas lembre-se: nem mesmo Steve Jobs conseguiu impedir o seu próprio afastamento da empresa que fundou.
Criar relações sociais estratégicas também é um sinal de competência, de eficiência, de mérito. A competência não se limita à competência técnica.
Jobs em suas atitudes , possuía o que todos os outros também tem, em maior ou menor escala , todos tem. Não que isso justifique seu comportamento. Mas toda e qualquer pessoa diante de situações que implicam em poder , dinheiro e fama , podem acreditar que , aquilo que realmente a pessoa é vai se manifestar . O homem só “conhece” a seu respeito , o que lhe agrada conhecer !!!
É errada a visão do colunista sobre o mundo empresarial. Lá você é julgado pela competência e pelos resultados, e não pelo nome ou pela família ou padrinho que tem. Quem não tem estômago para ser cobrado deve ir para o funcionalismo público ou então virar colunista na imprensa.