Não me diga que é um Matisse
09/10/13 03:01O diretor Costa-Gavras está com 80 anos, e já passou para a história como autor de grandes filmes políticos. Recentemente assisti ao DVD de seu “A Confissão”, com Yves Montand.
Sem nenhuma crueza, aquele filme de 1970 tratava dos julgamentos espetaculares nas antigas ditaduras do Leste Europeu, em que altos dirigentes terminavam admitindo suas “traições” ao regime.
Confessavam tudo o que não tinham feito. Os métodos de tortura não seguiam o modelo brasileiro do pau de arara e do choque elétrico. Importava produzir, num tribunal farsesco, a impressão de que tudo era voluntário e verdadeiro.
Meses de privação de sono, além de outros métodos para produzir exaustão física e mental, levavam o preso a assinar declarações cada vez mais comprometedoras, graças a um estudado jogo de ambiguidades verbais.
Assim, o personagem de Yves Montand terminava admitindo ter feito seguidas reuniões com “trotskistas” e “agentes do imperialismo”. Eram apenas seus colegas de partido, entre os quais inúmeros heróis da resistência ao nazismo.
Ele podia dizer, e era verdade, que nunca soube que Fulano e Beltrano eram trotskistas. “Mas eram”, afirma o interrogador. “Você se reunia com Fulano e Beltrano?”
“Sim”, responde o preso. “Então, se você se reunia com Fulano e Beltrano, e se eles eram trotskistas, você se reunia com trotskistas.”
Estava feita a confissão; o crime era admitido pelo réu, “objetivamente”. Mesmo se, na época das reuniões, todos os participantes, americanófilos, trotskistas ou comunistas, estivessem unidos na resistência ao nazismo.
“A Confissão” é um filme que continua importante, ainda mais quando se sabe que o sistema de interrogatório preferido pelo governo Bush no combate ao terrorismo inspirou-se nas técnicas soviéticas.
Com a burrice suplementar, observe-se, que no Leste Europeu o objetivo da tortura era conseguir confissões falsas, e não informações de fato úteis sobre atentados em curso.
Aprendia-se algo com os filmes de Costa-Gavras de 40 anos atrás. Não é o caso de sua obra mais recente, “O Capital”, atualmente em cartaz em São Paulo.
Aqui, a ideia é mostrar a dureza e a ganância dos banqueiros. Recém-nomeado presidente de um conglomerado financeiro, Marc Tourneuil (Gad Elmaleh) terá de demitir milhares de funcionários para garantir o lucro dos acionistas.
Seu antigo chefe, afastado do banco por razões de saúde, fica chocado. Não é esta a tradição francesa de tratar com o problema social, argumenta. Nessa hora, o espectador deve tirar do bolsinho superior do paletó seu lenço de seda Hermès e enxugar uma lágrima comedida em homenagem ao tradicional sistema bancário europeu.
Quanta saudade. Hoje, os americanos estão por trás de tudo. Os controladores de um fundo de investimento com base na Flórida (?) querem dinheiro fácil.
Iates, supermodelos e ameaças irão cercar o cotidiano do novo executivo, sempre nervosinho e sensível a um rabo de saia. Clichês se sucedem. Tourneuil tem pouco tempo para a família. O filho adolescente nem tira os olhos do videogame quanto ele chega de suas aventuras.
Para conquistá-lo, o executivo traz um presente. “É seu primeiro cartão de crédito, filho.” O garoto nem agradece. Ah, conclui o espectador, “existem coisas que o dinheiro não pode comprar”.
Mas aí o mesmo espectador lembra que ouviu esse tipo de mensagem em algum anúncio, já não sabe se de banco ou de cartão de crédito. Pobres publicitários! As coisas que eles têm de fazer.
Que tal, então, mostrar os “bastidores reais” da alta cúpula? Os banqueiros se reúnem no salão de um palácio particular.
Um esplêndido quadro se destaca na parede. O executivo número 1 pergunta ao executivo número 2: “Matisse?”. Frrancameént. Clarro que se trrát de um Matisse. Da melhorr fááz. A esta altura do campeonato, até o mais humilde mendigo de Bobigny ou Bagnolet sabe reconhecer um Matisse.
Seguem-se declarações de princípios, do tipo “os sindicatos que se danem! O que importa é a alta da nossa cotação na Bolsa!”.
Tudo, mesmo as tramoias entre os rivais do conselho, fica nesse nível de abstração —como se, em vez de executivos reais, tivéssemos apenas um grupo de colegiais encenando a lição que aprenderam em alguma aula de atualidades.
Os realizadores de “O Capital” poderiam ter caprichado mais no roteiro. Mas, como sabemos, bons roteiristas também custam caro. Pode ser que a produção, coitada, não tivesse tanto para gastar. Ou, talvez, tenha economizado nisso para aumentar os próprios lucros.
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Marcelo, sua crítica é muito pertinente, mas você ainda foi ‘brando’. O Costa-Gravas do épico ‘Z’ agora é outro. Das duas uma: ou a crise tirou sua criatividade, sua sensibilidade, ou a sua ira profunda com a crise financeira da Europa lhe induziu a deixar um ‘recado duro’. O grande problema desse filme é que ele esquece que o cinema é uma arte. Os diálogos forçados, os estereótipos, o pobre roteiro, os clichés… o filme vai se afogando tal qual um banco endividado. Como ele pode fazer uma leitura tão maniqueísta do capitalismo financeiro e retratar os banqueiros franceses como “socialmente inseridos” e os americanos como “gananciosos vorazes”? Os escândalos financeiros na Europa estão à altura dos ocorridos nos EUA (vide LIBOR, Societé Generale, UBS e outros). A parte do enredo que tentava mostrar os iates caros e ‘prostitutas de luxo’ não se encaixava no resto da trama. Parece que o objetivo era confirmar o que Inside Job falou, mas este era um documentário. A única explicação plausível que encontrei para tamanho desprezo com as sutilezas desse assunto fascinante e para com a natureza humana realmente deve residir na frustração imensa dos europeus com sua interminável crise.