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Marcelo Coelho

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Alice Munro

Por Folha
16/10/13 03:00

Coisas horríveis podem acontecer na vida de qualquer pessoa, como sabemos. Sabemos também que, depois de um tempo, uma tragédia termina sendo “metabolizada” (para usar um termo da moda), ainda que nunca se supere de fato.

Parece ser esta a matéria-prima dos contos de Alice Munro, que acaba de receber o Prêmio Nobel de Literatura. Vou lendo seu livro mais recente, “Dear Life”, a ser lançado em português pela Companhia das Letras.

É preciso ter bons nervos. Uma jovem mãe cede ao impulso de fazer amor durante uma viagem de trem. Deixa a filhinha num vagão, dormindo, bem quietinha, claro, e vai ao encontro do rapaz em outro vagão. Quando ela volta para ver a filha… xiii… O leitor já sabia, é claro, que boa coisa não iria acontecer.

Em outro conto, a personagem principal é uma menina pequena. Ah, ela tem uma irmã mais velha. A mãe se separou há pouco do marido, e vive num trailer, a meio caminho entre a cidade e o mato. Estamos no Canadá. Há lobos no lugar. Também faz frio. O degelo cobre de água uma cratera, de onde se extraem pedregulhos de construção.

Uns 20 pés de profundidade, especifica Alice Munro. A cachorrinha da família parece que entrou na água; não sabe nadar direito. A menina mais velha acha que sabe. Vai tirar a cachorrinha do poço. Hum, a menina está com roupas de inverno. Xiii…

Não estrago as surpresas da história, se é que existem, porque de qualquer modo outras coisas acontecerão, e nem todas acabam acontecendo. Mas com isso já se tem ideia do tipo de visão que Alice Munro pretende transmitir.

A ideia é explorar o passado como trauma. Para evitar a violência extrema das situações narradas, a autora recorre a uma estratégia de velamento. Ou seja, as pessoas não se lembram direito do que aconteceu, as coisas são contadas muito aos poucos, a aparente “ininteligência” do narrador infantil é reproduzida na escrita.

Evita-se, corretamente, que o leitor receba o impacto direto de uma revelação trágica; vai deduzindo por si mesmo tudo o que aconteceu.

Com isso, embora a narrativa se estenda por poucas páginas, o tempo subjetivo da história se torna lentíssimo, angustiante.

É uma espécie de câmera lenta emocional. Enquanto a dona de casa vai de um vagão a outro, cenas de seu casamento anterior, problemas profissionais ou domésticos vão sendo rememorados –como se a autora estivesse pronta a escrever um romance inteiro.

Só que, debaixo da largueza, da ociosidade desse fluxo de associações e memórias, os fatos reais estão acontecendo, e a tragédia se tece para os personagens.

São em geral mulheres a caminho da meia-idade, vivendo a vida sem graça de alguma cidadezinha canadense depois da Segunda Guerra Mundial, vagamente a par das tensões entre Estados Unidos e Rússia.

A ameaça nuclear já sumiu do horizonte contemporâneo, sem dúvida, mas o trauma dos atentados de 11 de Setembro justifica mal ou bem o clima sinistro.

Para este leitor brasileiro, entretanto, saltam aos olhos os sinais de artificialidade na escrita. Parece aqueles filmes baseados em histórias de Stephen King: num agradável bairro suburbano, com suas calçadas limpíssimas e gramados perfeitos, uma criança passeia de bicicleta.

Sol, primavera, “tudo normal”. A trilha sonora, entretanto, já está produzindo seus zumbidos graves e inquietantes. Estamos avisados.

O sentido do trágico se perde, e é substituído por outra coisa: o aziago, o agourento, o ominoso. Os contos de Alice Munro são como piadas de humor negro, só que sem humor nenhum.

Assume-se, para efeito de profundidade e desencanto, que tudo ocorre num universo sem Deus. Várias denominações religiosas protestantes voejam, como moscas, em volta dos personagens mais mortos do que vivos.

A falta do Pai, do Filho e do Espírito Santo não ganha muito, todavia, quando a autora apela ao simples Espírito de Porco. “Naquela época nós morávamos perto de um buraco de pedregulhos…”

Depois de meia dúzia de mortes e acidentes, o leitor sabe que essa descrição não está ali por acaso, e a suposta inocência de quem narra a história se compromete duplamente.

Tem de ser criança para que o horror apareça de forma velada. Tem de ser bastante adulta para reorganizar a experiência. O resultado é que muitas vezes os personagens de Alice Munro parecem pouquíssimo inteligentes; propostas de casamento, ameaças de chantagem, negócios imobiliários se sucedem com o óbvio intuito de produzir sofrimento. E de dar ao leitor a imagem de uma escritora desencantada e profunda.

Alice Munro ganhou o Prêmio Nobel. Bem, não é caso para maiores alarmes. Coisas bem piores podem acontecer.

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