Pemedebismo e lulismo
10/11/13 21:00Na “Ilustríssima” de hoje, comento “Imobilismo em Movimento“, de Marcos Nobre, e “Os Sentidos do Lulismo“, de André Singer.
Este livro, diz Marcos Nobre na abertura de seu “Imobilismo em Movimento—Da Abertura Democrática ao Governo Dilma” (ed. Companhia das Letras, 204 págs.) é dedicado “às Revoltas [de Junho de 2013]”.
Assim mesmo, com maiúsculas: as Revoltas de Junho. Há outras maiúsculas subentendidas no ensaio analítico deste professor de Filosofia da USP e ex-articulista da Folha.
Mereceria maiúsculas, por exemplo, o conceito que fundamenta toda a avaliação de Nobre a respeito do funcionamento político brasileiro.
Trata-se do que ele chama de “pemedebismo”, algo mais amplo e insidioso do que o mero “peemedebismo”, com dois “es”. Marcos Nobre não faz referência apenas ao conjunto de práticas e discursos do velho PMDB; praticamente todos os partidos se incluem nessa entidade, cujos intuitos e estratagemas justificariam, a rigor, que Nobre empregasse a caixa alta: o Pemedebismo.
Estamos diante de “uma cultura política que se estabeleceu nos anos 1980 e que, mesmo se modificando ao longo do tempo, estruturou e blindou o sistema político contra as forças sociais de transformação”.
Embora “Imobilismo em Movimento” seja, no geral, um livro muito legível e interessante, vale prestar atenção nessa frase, algo enrolada.
Uma “cultura política” blinda o “sistema político”? Uma coisa estaria agindo sobre a outra? Qual das duas? Ou seria o “sistema” que cria uma “cultura”?
Poderíamos entender o “pemedebismo” como um conjunto de fenômenos conhecidos: fisiologia, fraqueza partidária, resistência aos movimentos sociais.
Mas quais as causas, as origens, os porquês desse fenômeno? Ou esse fenômeno é causa e origem de tudo?
Por mais antiquado que possa parecer, não conheço modo melhor para explicar essa “blindagem” do que o recurso a conceitos de inspiração marxista, algo que o livro tende a evitar.
Se não quisermos dar às classes sociais o papel de agentes, de responsáveis pelo surgimento do “pemedebismo”, seria preciso provar que o “pemedebismo” sufocou não apenas as reivindicações da esquerda, mas também às do empresariado industrial, do agronegócio, dos banqueiros. Será?
Mas quando se afirma que uma “cultura política” fechou o caminho para reivindicações sociais, pressupõe-se que os setores financeiro, agroexportador e industrial, provavelmente nessa ordem, andaram levando a melhor.
Em vez de apontar para esses setores, o que talvez lhe valesse a crítica de maniqueísmo, Marcos Nobre prefere atribuir ao “Pemedebismo” o papel de personagem principal de seu drama. Do lado oposto, sufocada durante 20 anos, mas renascida com as Revoltas de Junho, estaria a “Voz das Ruas”.
Só que acabamos em outro maniqueísmo, afinal, e um bocado mais vago; ironicamente, o esquema de “Imobilismo em Movimento” lembra a retórica do velho PMDB (o bom, o peemedebista com dois “es”) no tempo das lutas “do povo” contra o “regime”.
Tudo corre o risco de parecer reclamação de torcedor: se nosso time perdeu, o resultado não é legítimo. Como, no jogo da democratização, os movimentos sociais foram derrotados, eis um sinal de que o sistema político não é democrático o suficiente.
Não deixa de ser verdade. Há pouca participação popular, muitos parlamentares se voltam apenas para o enriquecimento pessoal, campanhas custam caríssimo, a manipulação dos marqueteiros substitui qualquer debate.
Lembro que as próprias classes dominantes estão longe de se sentir satisfeitas com seus políticos; no mínimo, desejariam que estes cobrassem menos pelo serviço. Pode ser que seus interesses não estejam sendo atendidos plenamente; mas isso não quer dizer que não estejam sendo atendidos.
Estas críticas pontuais ao o livro de Marcos Nobre não fazem justiça ao conjunto, que é principalmente uma reconstrução histórica tão aguda quanto apaixonada das principais decisões de governo nos últimos vinte anos no Brasil.
As teses básicas, e alguns trechos literais, de “Imobilismo em Movimento” são retomadas em “Choque de Democracia”, livro eletrônico mais curto, que Marcos Nobre escreveu em pleno entusiasmo com as manifestações de junho.
Entusiasmo e apaixonamento são coisas admiravelmente expurgadas de “Os Sentidos do Lulismo –Reforma Gradual e Pacto Conservador”, do cientista político e articulista da Folha André Singer. Ex-porta-voz da Presidência no primeiro mandato de Lula, Singer é capaz de analisar “a frio” a atuação dos petistas no poder.
A principal tese do livro, demonstrada com estatísticas eleitorais na dose certa, já é bastante conhecida a esta altura.
Desde a democratização, a política brasileira teve uma característica curiosa: quanto menor a sua renda, mais o eleitor votava nos candidatos de direita. A simpatia pela esquerda, e pelo PT em geral, sempre foi maior nos setores mais instruídos, mais urbanizados e mais ricos da sociedade.
Uma recomposição, entretanto, ocorreu a partir da vitória de Lula em 2002. As políticas de aumento do salário mínimo, de bolsa-família e crédito consignado tiveram o condão de “popularizar”, pela primeira vez, a base eleitoral do metalúrgico de São Bernardo.
Ironicamente, isso se deu ao mesmo tempo em que o PT abandonava sua prática mais radical, aceitando compor-se com forças políticas atrasadas e oligárquicas. Não que André Singer use vocabulário tão carregado, mas foi esta a “pemedebização” de Lula e do PT, se quisermos falar como Marcos Nobre.
Com isso, e mais o mensalão, o PT perdeu a classe média, mas ganhou forte apoio no que André Singer –seguindo seu pai, o economista Paul Singer– chama de “subproletariado”. Na frase ufanista de Juarez Guimarães, que o autor cita aprovativamente, o partido de Lula se tornou “mais samba, mais negro, mais nordestino”.
Seria o caso de dizer que saiu daí um maracatu do crioulo doido. O importante, e Singer faz bem em repetir números eloquentes a esse respeito, é que a coisa funcionou, em termos de redistribuição de renda e geração de empregos.
Foi, entretanto, um “reformismo fraco”, como o autor está pronto a admitir, em que as concessões iniciais à ortodoxia financeira foram sucedidas por uma espécie de “pacto produtivista” com as classes empresariais, numa conjuntura também favorecida pela disparada dos preços nos produtos de exportação.
Todo esse percurso é exposto num tom de firme serenidade, ainda que as concessões à direita feitas pelo lulismo sejam mencionadas com pouco destaque.
A argumentação de Singer dá mais sinais de fraqueza a partir da metade do livro. Em primeiro lugar, o autor apresenta uma versão um tanto “sacrificial” das atitudes do PT. Foi preciso abandonar convicções face à pressão conservadora, e se isso não fosse feito haveria o risco de ruptura institucional.
Uma linha de raciocínio alternativa seria a de perguntar se a partir de experiências concretas em municípios como Diadema, Ribeirão Preto e São José dos Campos, o ideário do PT já não estava pronto para transformar-se em simples carapaça, escondendo acordos corruptos com interesses dominantes locais.
Como o foco de Singer é o desempenho do partido nas urnas, há o perigo de sua análise mascarar a questão da “representação de classe”. Um eleitorado pobre pode ser conquistado graças a campanhas caríssimas. Como assinala o autor, essas campanhas deixam de depender da militância. Passam (e isso o autor assinala menos) a ser financiadas por grupos de outro tipo: bancos, empreiteiras, grandes conglomerados.
Embora recorra ao modelo da luta de classes, neste sentido o livro faz o trabalho pela metade. Quem um político representa? Seus eleitores ou seus financiadores? O tom mais indignado de Marcos Nobre, e dos manifestantes de junho, faz falta aqui.
Um acordo entre a Fiesp e centrais sindicais, uma aliança entre Lula e um empresário têxtil como José de Alencar, seriam de fato evidências significativas de um pacto entre classes? Qual a representatividade desses personagens? Seria mais notável do que as relações, digamos, entre José Dirceu e o dono da Embratel, Carlos Slim, de quem é consultor?
Que seja. Ironicamente, a velha crítica petista ao populismo de Vargas, acusado de mediar os interesses de operários e patrões, é reinterpretada de uma ótica favorável ao petismo… ou de seja lá o que restou dele.
Para André Singer, algo resta. O “espírito do Sion”, como ele denomina o esquerdismo presente na reunião em que o partido foi fundado, sobrevive por exemplo na Fundação Perseu Abramo, instituto teórico do partido. Feita a homenagem, imagino figuras como Antonio Palocci assentindo gravemente com essa avaliação.
“Whether we write or speak or do but look
We are ever unappararent”. Pessoa ,ele mesmo.
You made some decent factors there. I regarded on the internet for the issue and found most people will go along with together with your website.
Pode até ser Rodrigo , mas que me desculpe a Suzana , ela não tem a noção do peso , hierarquia das palavras que o Marcelo Coelho tem. Não teria importância se não fosse jornalista profissional. Ela é culta ,informada, inteligente , mas escreve na Folha ,onde estão Cony, Jânio de Freitas e Marcelo Coelho.O que quis dizer é que além de “enquanto” ombudsman” sua crítica a um novo colunista ser um despropósito , ela não tem bagagem e munição para escrever com aquela veemência e agressividade.Tive pena quando li a réplica de Reinaldo Azevedo.Paulo Francis dizia que o ombudsman não deveria criticar colunistas de opinião, acabaria deixando de ser ” o defensor do leitor”e passaria para a patrulha ideológica.Não é o que aconteceu? Quanto ao Marcelo Coelho concordar com a Suzana Singer , só se for no conteúdo . Não sei ,não acredito que concorde inteiramente.O estilo é outro.
Fernando, o Marcelo Coelho não comenta porque concorda com a Suzana Singer. Vide a sua coluna de hoje na versão impressa da Folha, em que afirma ter havido atropelo no julgamento e repete, por insinuações, a acusação dos petr*alhas de que Barbosa agiu como membro do Ministério Publico. A simpatia dele pela PTurma é nítida na avaliação dos livros de Marcos “Nobre” e André Singer. Só quem viveu os últimos 20 anos na Lua ou nada entende de economia pode achar que a redistribuição de renda e a geração de empregos se devam às “políticas” – se é que assim se pode chamar a um emaranhado de ações estrambólicas ad hoc – do desgoverno Lula-Dilma, e não à estabilização econômica, que restituiu aos brasileiros o poder aquisitivo usurpado pelo descontrole inflacionário. Lula teve muita sorte de assumir o país depois do segundo – sim, do segundo! – governo FHC, em que os erros do primeiro – revelados no segundo – foram consertados. Colheu os bons frutos da herança bendita do segundo, que não soube aproveitar, legando à sucessora índices pífios. Essa é a revolução social para boliva*riano ver. Que venham mais rottweillers como RA, Magnoli e Pondé!
Compreendo.E lhe peço desculpas, pois ,sinceramente ,não quis fazer uma provocação indevida .Você não é apenas colunista, aliás o melhor ,ao menos o que melhor escreve. É também membro do conselho editorial (eu sei ,mas ao pedir seu comentário ,não levei em conta).Tecer um comentário , com essa posição , seria incorrer no despropósito da ombudsman , que “enquanto” ombudsman não poderia atacar da forma que atacou.Ela não é mera colunista . Agora, quanto ao artigo do Pondé , quando tiver tempo…
Puxa, esse é o assunto que eu menos quero comentar… Abraço!
O PT de A. Singer é virtual , o PT real é o do mensalão.É pena ,mas é isso mesmo. Intelectuais -alguns- ficam bêbados de ilusão. Gostaria de um comentário seu ao “Eu acuso”,de Pondé e a coluna de Suzana Singer sobre os novos colunistas.Talvez você seja o único com bom senso para fazer uma avaliação serena (será possível?) da coluna de Suzana Singer.Eu , francamente, achei um despropósito.