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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Grandeza dos advogados

Por Folha
20/11/13 15:51

O major bateu na porta do quarto do hotel. Quem abriu a porta –estamos em pleno regime militar– foi o advogado Sobral Pinto.

Tenho ordens, disse o major, para levá-lo preso. O velho Sobral não se intimidou. O senhor tem ordens de um general, disse ele. Entendo que um major obedeça a um general. Mas –e o homenzinho se exaltou– eu é que não obedeço a ordens suas!

“Preso coisíssima nenhuma!”, explodiu o advogado. Ou melhor: “prejo coijíssima nenhuma”, terá dito, com as gengivas de quem já tinha mais de 70 anos naquela época.

No comício das diretas da Candelária, em 1984, a mesma vozinha trêmula recitou para centenas de milhares o primeiro artigo da Constituição: “Todo poder emana do povo e em xeu nome xerá ejercido”. Sobral Pinto estava com 90 anos.

Um documentário sobre ele entrou em cartaz faz pouco tempo; o Espaço Itaú Frei Caneca exibe-o num único horário, às 18h30.

Dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, o filme é uma oportuna homenagem a um dos cidadãos mais corajosos e íntegros da história republicana. Íntegro demais, talvez, para um documentário completo.

Bem que, no filme, tenta-se mostrar algo que contradiga a imagem do paladino constitucional.

Era passional, desequilibrado, injusto até a medula quando ouvia no rádio um jogo de futebol, contam os parentes. Não ia nunca aos estádios, contudo. Católico das antigas, puniu-se até o fim da vida por ter tido um caso extraconjugal, há muito sepultado, mas nunca esquecido.

Haveria aí bom material para uma obra de ficção: o advogado que luta pelos clientes, que os tira da cadeia, que consegue absolvições, nunca perdoou a si mesmo, nem foi totalmente libertado de suas culpas.

O assunto é abordado de passagem, entretanto, num filme que se concentra, para uso das gerações mais novas, no exemplo incontestável de coerência civil que foi a vida de Sobral Pinto.

Faltam imagens, claro, de épocas mais remotas. Quase só vemos o velhinho de chapéu preto e guarda-chuva. Há fotos, contudo, da atuação de Sobral Pinto quando foi defender Luís Carlos Prestes, encarcerado pela ditadura Vargas.

Como se sabe, o advogado, já com seus 50 anos, invocou a recém-criada Lei de Proteção aos Animais para garantir condições mais dignas ao líder comunista. Talvez tivessem, os dois, algo em comum.

É verdade que Prestes, seguindo a linha do partido, passou a apoiar Getúlio logo em seguida. Podia ser uma contradição do ponto de vista pessoal, coisa praticamente desumana quando se pensa que Getúlio mandou a mulher de Prestes, grávida de sua filha, para morrer num campo de concentração nazista.

Seja como for, estava em jogo uma mesma firmeza de propósitos, uma mesma teimosia, um mesmo sacrifício que, no caso de Prestes, nos horroriza, mas no caso de Sobral Pinto causa admiração. A longevidade desses dois gêmeos, desses dois opostos, talvez se explique um pouco por aí.

Durante a ditadura militar, observa com razão o historiador José Murilo de Carvalho, era provavelmente mais fácil fechar o Congresso do que prender Sobral Pinto. A fragilidade, assim como a velhice, tem suas compensações, e podemos sempre esperar que, em alguns casos, até a truculência tenha seus limites.

Foi o que permitiu, por exemplo, que alguns advogados conseguissem vitórias, obviamente reduzidas, até mesmo em momentos de furiosa repressão militar. Adversários do regime eram presos sem nenhuma ordem judicial, levados sabe-se lá para onde, e submetidos à tortura.

Juridicamente, aquilo era mais um sequestro do que uma detenção. O mecanismo do habeas corpus teve de passar praticamente por uma pirueta interpretativa, pelo que conta um advogado ouvido no filme. Em vez de ser um recurso para libertar o preso, foi usado para que, ao menos, os familiares pudessem localizá-lo –e para que o regime admitisse, oficialmente, tê-lo agarrado sem nenhuma formalidade legal.

Tratava-se, numa palavra, de baderna, feita por militares em nome da ordem e da luta contra a subversão. Memorável, a esse respeito, a frase de outro jurista, acho que Pontes de Miranda, que se recusava a comentar o AI-5, por uma razão bem simples: “o Ato Institucional número 5 não existe”.

A beleza, a coragem, o sentido da profissão de advogado saem fortalecidos de “Sobral – O Homem que Não Tinha Preço”. O filme vem a calhar hoje em dia.

Durante as ditaduras, há advogados que são verdadeiros heróis. Num regime democrático, quando o lado acusador muitas vezes tem mais razão, o advogado não conta com tanta simpatia.

Ganha mais dos seus clientes, mas paga um preço mais alto. Parece obstáculo, e muitas vezes é, a uma justa punição. Não importa; sem a sua presença, ninguém poderia dizer que a punição foi justa de fato.

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Comentários

  1. Eurídice comentou em 27/11/13 at 2:44

    Concordo com Oswaldo , esses homens “honram a nossa história que estão querendo tratar como estórias ” precisamos resignificar o pensamento de pessoas como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire e que todos possamos viver e conviver exercitando a cidadania
    Bravo!!!

  2. Eurídice comentou em 27/11/13 at 2:31

    AlCaro marcelo
    Te vi no programa observatorio da imprensa e gostei muito da sua pessoa, mas, a melhor parte foi que vc fez lembrar a Janio de freitas e a alguns brasileiros com o alemão chegando “esquecidos” ue a denúncia de Bob Jefferson foi exatamente de pagamento de mensalidades de 30.000,00 à Deputados serem aliados e votarem: projetos de interesse do governo.
    Será que poucos escutaram em grego?…
    Parabéns e coragem !
    Eurídice

  3. Mirian comentou em 22/11/13 at 13:33

    Os advogados me inspiram um sentimento ambíguo, pois são capazes de defender assassinos e execrar inocentes. Claro existem exceções. Mas não é uma profissão que me atrai.

  4. osvaldo antonio de souza comentou em 21/11/13 at 17:57

    Quando leio sobre Sobral, Prestes, Brizola, Ulisses e alguns poucos brasileiros guerreiros, não tem como não emocionar

  5. Fernando comentou em 21/11/13 at 8:04

    Este documentário é também retrato de uma era , espírito de um tempo que não mais existe. “Sobrais da política atual…” não existem. O longevo advogado ,com clientes que também atravessaram a vida brasileira no século XX , não tem similares hoje. Prestes( sem entrar no mérito se certo ou errado) seria impossível hoje, assim como um jornalista com a coragem de Helio Fernandes (ainda ativo , não em “tempo integral” ,na internet, com 93 anos; uma vez , muito bem definido pelo irmão Millôr como “uma pessoa extraordinária negativa e positivamente”).
    Hoje sobram figuras medíocres , com uma ou outra raríssima exceção.

  6. Marcio comentou em 21/11/13 at 1:53

    refiro-me aos maus Sobrais da política atual. Quanto aos advogados do mensalão e a acusação ainda estou tentando entender… quem é quem?

  7. Marcio comentou em 21/11/13 at 1:48

    O problema é que hoje os Sobrais viraram marqueteiros e transformaram sobras em Sobrais.

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