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Marcelo Coelho

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Flávio de Carvalho

Por Folha
18/12/13 03:00

Às vezes o excesso de talentos atrapalha. Melhor ser bom numa coisa só do que em várias. Jean Cocteau (1889-1963) foi poeta, cineasta, desenhista, cenógrafo, teatrólogo e teórico do modernismo. Seus diários trazem amargas reflexões sobre o preço que isso lhe custou.

“Cada livro meu seria capaz de assegurar a reputação inteira de uma pessoa”, queixa-se ele, sabendo que sua celebridade dependia “de uns filmes e desenhos à margem de minha obra principal, e de uma lenda a meu respeito, feita de inexatidão e de ouvir dizer”.

O brasileiro Flávio de Carvalho (1899-1973) sem dúvida sofreu de uma maldição parecida com a de Cocteau. Pintor, desenhista, arquiteto e “performático” antes que o termo se tornasse moda, Flávio de Carvalho conhece uma fama intermitente, sem nunca alcançar o reconhecimento, digamos, de um Oswald de Andrade ou de uma Tarsila do Amaral.

Em parte, isso é uma questão de cronologia: ele entrou na história um pouquinho tarde, a tempo apenas de aderir ao movimento antropofágico, mas sem participar da Semana de 1922.

O arquiteto e agitador cultural iria empreender sozinho, em 1931 e em 1956, suas famosas “experiências”. A primeira, que quase lhe valeu ser linchado, consistia em andar no sentido inverso ao de uma procissão de Corpus Christi.

A outra foi desfilar, de saia e meia arrastão, no centro de São Paulo. Flávio de Carvalho pretendia lançar um novo estilo de moda masculina, mais adequado ao clima tropical.

Na exposição dedicada a Flávio de Carvalho, em cartaz na Faap até dia 19 de janeiro, pode-se ver a blusa idealizada pelo artista. Em duas camadas, uma das quais feita com tela de plástico –daquelas que antigamente se punham nas janelas da cozinha para não entrar mosca—, aquela roupa devia ser desconfortável ao extremo.

Detalhe insignificante, por certo, quando o objetivo é ser moderno a todo custo. A exposição também mostra sua obra arquitetônica. São casas de uma estética limpa, sintética, comparáveis aos trabalhos de Warchavchik e Lúcio Costa.

Nada dessa arquitetura faz pressupor o traço bizarro, as deformações dos lábios e o colorido quase caótico das telas do mesmo autor. São retratos de personalidades conhecidas, como a pianista Yara Bernette, o maestro Eleazar de Carvalho e o compositor Camargo Guarnieri.

Há ali a intenção clara de confundir figura e fundo, rosto do retratado e mosaico de cores atrás dele, produzindo uma sensação de exagero quase diletante. Alguns passos adiante na exposição, e surgem desenhos a nanquim que poderiam perfeitamente ser de algum outro artista, mas nunca do mesmo que pintou os quadros ali do lado.

Com toda a paciência que parece ausente dos quadros a óleo, os desenhos vão compondo, contra um fundo neutro, figuras femininas que ganham volume através de infinitas ramificações de tinta preta, como se Flávio de Carvalho, em vez de mãos, tivesse patas de aranha.

Com tantas personalidades, quase “heterônimos”, Flávio de Carvalho não facilitou as tarefas da posteridade. Sua fama é centrífuga, resistente e frágil como uma teia de aranha também.

Tentou, além disso, o cinema. Organizou uma equipe e se meteu no Xingu, com o projeto delirante de filmar “A Deusa Branca”, história de uma beldade loura a ser cultuada pelos indígenas.

A história dessa empreitada virou tema de um documentário dirigido por Alfeu França, que também descobriu nos arquivos de Flávio de Carvalho os rolos do que foi filmado na expedição.

O documentário teve pré-estreia no Itaú e deve voltar a ser exibido no ano que vem. Além de todo o seu interesse histórico e biográfico, é engraçadíssimo. Alfeu França decidiu manter a mesma impassibilidade que Flávio de Carvalho demonstrava em suas performances, e a narração não move um músculo enquanto mostra, passo a passo, a completa loucura de todo o projeto.

Interessado tanto nas louras (que recrutou com um anúncio de jornal em Porto Alegre) quanto no cinema, o artista entrou numa rivalidade com o indigenista que comandava a expedição.

Depois de tentar liquidar o assunto a tiros, Flávio de Carvalho foi abandonado num igarapé e salvo por missionários.

Em meio à inviabilidade e ao improviso totais, o filme mantém a narrativa como numa espécie de exaltação protocolar, ao estilo dos documentários oficiais de 1950, da intrepidez do gênio.

Essa loucura a frio, essa provocação arquitetada a ponta seca, e realizada com ares de rabisco, talvez esteja na raiz da personalidade de Flávio de Carvalho. Haverá mais exposições sobre ele no ano que vem; falta muito, ainda, para se ter um retrato completo de seu talento disperso, feito de coragem e inconstância.

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Comentários

  1. Fernando comentou em 21/12/13 at 16:43

    Às vezes o excesso de talentos ajuda , como em Millôr Fernandes. Não lembro de nenhuma coluna ou citação sua a ele. Fica a sugestão.

  2. Tamar comentou em 18/12/13 at 18:13

    Tinha…prestígio social, dinheiro para gastar e nada para fazer…

  3. Cassia comentou em 18/12/13 at 17:00

    O titulo da margem a tantos questionamentos. Esperava mais. Mas se o intuito era o conhecimento do artista Flavio de Carvalho, teve êxito.

  4. Carla Zês comentou em 18/12/13 at 16:00

    Meu avô que já dizia: “O pato sabe nadar, sabe andar e sabe voar. Mas não anda, não fala, nem voa bem.”

  5. egon enns comentou em 18/12/13 at 15:36

    As vezes é bem melhor ser bom em uma coisa – porem pessoas não especialistas em uma coisa só, muitas vezes são pessoas mais interessantes para se conversar e relacionar. Tem muito “gênio” em um determinado assunto muito chato.

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