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Marcelo Coelho

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A sopa e as nuvens

Por Marcelo Coelho
02/01/14 17:20

Eis o poema em prosa de Baudelaire, “La Soupe et les nuages”, a que me referi no artigo desta quarta-feira (ver abaixo), sobre “A Vida Secreta de Walter Mitty“.
Minha doidinha adorada me servia a ceia, e pela janela aberta da sala de jantar eu contemplava as moventes arquiteturas que Deus faz com os vapores, as maravilhosas construções do impalpável. E eu dizia a mim mesmo, durante essa contemplação: “tantas fantasmagorias são quase tão belas quanto os olhos da minha adorada, a doidinha monstruosa de olhos verdes”.
E de repente recebi um violento murro nas costas, e ouvi uma voz rouca e sedutora, uma voz histérica e como que corrompida pela aguardente, a voz da minha queridinha adorada, que dizia: “vai comer essa sopa de uma vez, bicho lazarento de vendedor de nuvens?
[Ma petite folle bien-aimée me donnait à dîner, et par la fenêtre ouverte de la salle à manger je contemplais les mouvantes architectures que Dieu fait avec les vapeurs, les merveilleuses constructions de l’impalpable. Et je me disais, à travers ma contemplation : « — Toutes ces fantasmagories sont presque aussi belles que les yeux de ma belle bien-aimée, la petite folle monstrueuse aux yeux verts. »
Et tout à coup je reçus un violent coup de poing dans le dos, et j’entendis une voix rauque et charmante, une voix hystérique et comme enrouée par l’eau-de-vie, la voix de ma chère petite bien-aimée, qui disait : « — Allez-vous bientôt manger votre soupe, s…. b….. (sale bête) de marchand de nuages ? »]

Ainda que seja bonito falar das nuvens como “construções do impalpável”, o contraste desejado por Baudelaire nesse pequeno texto é um bocado grosseiro, e a ironia várias vezes repetida na qualificação da “petite folle bien-aimée” carece de qualquer sutileza. Os “poemas em prosa” raras vezes, para não dizer nunca, são capazes de atingir a grandeza das “Flores do Mal”, a obra pela qual Baudelaire merece mesmo ser conhecido.

Seja como for, nesse texto está sem dúvida a origem do conto de James Thurber, que reencena a situação da mulher prática, puxando as orelhas do marido sonhador.

Vale conferir este trecho, em que Walter Mitty se imagina um aviador da Primeira Guerra Mundial.

“Será um voo de quarenta quilômetros através do inferno, sir”, disse o sargento. Mitty tomou seu último conhaque. “Afinal de contas”, respondeu suavemente, “o que é que não é?” O estrondo dos canhões aumentou, havia o ratatá das metralhadoras, e de algum lugar vinha o pof-pof-pof ameaçador dos novos lança-chamas. Walter Mitty caminhou até a porta do abrigo cantarolando ‘Auprès de ma blonde’. Ele se virou e acenou para o sargento. “Sempre em frente!”, ele disse…
Algo acertou seu ombro. “Fiquei te procurando o tempo todo neste hotel”, disse a sra. Mitty. “Por que é que você tem de se esconder nessa poltrona velha? Como você imaginava que eu ia achar você?”
A mulher (desde que consumado o casamento) é o símbolo das obrigações terrestres, do cotidiano banal, enquanto o romantismo se reserva ao sexo masculino. O qual, superado o foco da paixão amorosa, entrega-se às nuvens, ou às aventuras de rapazinho imaginadas por Walter Mitty: batalhas sangrentas, expedições aventurosas no Ártico.

Ben Stiller, numa das belas paisagens do filme

Ben Stiller, numa das belas paisagens do filme

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O filme tem o cavalheirismo de fundir a fantasia de um envolvimento amoroso com o ideal intrépido do alpinista, do navegador. Assim, o tímido (timid) Mitty terá de realizar duplamente a missão de tornar-se homem: conquistando a sua colega de escritório e vencendo o próprio medo para encontrar-se com o fotógrafo-alfa que parecia esperá-lo nas alturas do Himalaia. Escapista ou não, o filme de Ben Stiller pelo menos não tem a rigidez do contraste exposto por Baudelaire ou James Thurber. Como ator, Ben Stiller realiza nas próprias feições e no modo de ser uma grande –e bem-vinda—transformação do começo até o final da história.

About Marcelo Coelho

Marcelo Coelho nasceu em São Paulo, em 1959. Estudou Ciências Sociais na USP. Escreve semanalmente no caderno "Ilustrada", da Folha de S. Paulo, e publicou, entre outros, "Crítica Cultural: Teoria e Prática" (Publifolha) e "Patópolis" (Iluminuras)
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