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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Cuidado com seus projetos

Por Folha
08/01/14 03:00

Previsões e planos, duas coisas comuns nesta época do ano, costumam sofrer depressa o desmentido dos fatos. Raras vezes esse desmentido foi tão brutal, contudo, quanto na Primeira Grande Guerra, cujo início faz cem anos agora em 2014.

Comecei a ler um pouco sobre o assunto, para depois resenhar os livros que estão programados para a efeméride. Pelo que andei vendo, um bom ponto de partida é o estudo de Barbara Tuchman, publicado pela primeira vez em 1962.

Chama-se “The Guns of August” e representou uma virada nas interpretações sobre o período. Ela relativiza, por exemplo, a importância do famoso assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo —tantas vezes mencionado, numa síntese que nunca explica muita coisa, como sendo o “estopim” da Primeira Guerra.

A autora de “A Marcha da Insensatez” (Bestbolso) dá ênfase a toda a verdadeira máquina infernal de preparativos militares, tanto da Alemanha como das demais potências, que tornava qualquer ameaça de conflito praticamente impossível de reverter. Na narrativa de Tuchman, planos desse tipo se chocam com as previsões, que eram muitas também. Como em todo ano novo, 1914 encenou dramaticamente a ironia entre o que se quer que aconteça e o que se pensa que vai acontecer.

Nunca entendi por que o famoso filme de Jean Renoir sobre a Primeira Guerra se chamava “A Grande Ilusão”. Que ilusão? A de que pessoas de diferentes nações são diferentes entre si? A de que a amizade entre um alemão e um francês pode superar rivalidades? A ilusão é a paz? Ou a ilusão é a guerra?

Graças ao livro de Tuchman, aprendi que “A Grande Ilusão” é o título de um estudo escrito pelo inglês Norman Angell (1872-1967). A obra fez sensação na “belle époque”.

Demonstrava-se, ali, a improbabilidade absoluta de uma nova guerra europeia. Os recursos técnicos e humanos à disposição de cada país eram tão vastos que qualquer conflito seria suicídio: mesmo a nação vitoriosa emergiria dele totalmente arruinada e destruída. Num mundo interessado no lucro, quem apostaria em prejuízos de tal monta?

O livro saiu em 1910. Ninguém menos do que o chefe do Conselho de Guerra do Império Britânico, Lord Esher, entusiasmou-se com a tese e tratou de divulgá-la em palestras e cursos. Uma das figuras máximas do militarismo alemão, o marechal Von Moltke (1800-1891), já enunciara ideias semelhantes. As guerras por vir jamais seriam curtas, e o seu preço, mesmo para o país vencedor, seria catastrófico.

Enquanto as previsões iam nessa toada, os planos caminhavam em sentido contrário. Ou melhor: levando em conta os mesmos fatos, conduziam a uma conclusão oposta.

Sabendo-se que todas as potências eram fortíssimas, e que uma guerra longa e custosa poderia acontecer, o único método para garantir a vitória consistiria em atacar de uma vez, o mais cedo possível…

Beneficiando-se de uma ofensiva-surpresa, que passasse por cima da Bélgica, tão fraca e tão neutra, os alemães contavam chegar a Paris em questão de semanas. Do lado francês, o Estado-Maior concluía, em 1913, que “só a ofensiva conta”.

Estabelecido o dogma militar, parece pesar pouco a vontade dos participantes no momento em que o drama se aproxima. Esta, pelo menos, é a interpretação de Barbara Tuchman, que narra um episódio arrepiante com o Kaiser alemão.

Não se tratava, evidentemente, de nenhum pacifista. Mas a guerra entre Alemanha e Rússia já estava declarada, e era do interesse de qualquer estrategista evitar que França e Inglaterra entrassem no conflito. Para os alemães, sempre seria um pesadelo dar conta de duas frentes —a do Oeste e a do Leste— ao mesmo tempo.

Surge uma chance. Eram cinco horas da tarde do dia 1º de agosto de 1914 quando aparece, em Berlim, um telegrama em código informando que os ingleses estavam dispostos a manter-se neutros na guerra, caso os alemães se comprometessem a não atacar a França.

Mas todos os planos para o ataque já estavam em movimento. O Kaiser hesita: e se for um blefe? E se os franceses atacarem antes do mesmo jeito? Conversa com seu chefe de Estado-Maior.

Moltke, o Jovem (sobrinho daquele marechal do mesmo nome que previa ruína e exaustão para os vencedores), já não tinha paciência para com os palpites do imperador. Como se lê em “Os Três Imperadores”, de Miranda Carter (Objetiva), Guilherme 2º desde cedo manifestava grande vaidade intelectual, achava que entendia de tudo.

Moltke chorou ao ver aquelas tentativas apaziguadoras do Kaiser. Era hora de deixar a guerra para os militares, que entendiam do assunto. Assim foi feito.
Previsões e planos para 2014? Por vezes, não fazer nada já é uma iniciativa e tanto.

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Comentários

  1. Pedro comentou em 16/01/14 at 14:13

    Eu li no ano passado o vasto romance do escritor francês Roger Martin du Gard, “Os Thibault”, cuja tradução no Brasil, publicada pela Globo, conta com seu prefácio, e acho que toda a segunda metade do livro se passa à sombra da 1ª Guerra. O autor aventa aí uma série de reflexões sobre as prováveis causas do conflito, que me pareceram muito interessantes. Acha datado?

  2. André Astete comentou em 08/01/14 at 22:19

    Marcelo, acho que a obra mais completa, com uma análise mais abrangente é “A World Undone” de GJ Meyer. Faz descrição dos movimentos militares, sem excessos mas sem lacunas, da política, dos antecedentes historicos, dos personagens. Tenho certeza que essa referência não deve faltar. O assunto, em si, é de enorme interesse, até hoje. As verdadeiras razões da tragédia humana estão lá. Acho que no fundo, a segunda guerra foi um epílogo, mais sangrento, maniqueista e louco, mas muito menos revelador sobre a fragilidade da nossa civilzação do que a guerra de 14, um conflito onde, no fundo, todos pareciam ter alguma razão e alguma chance de conseguir…

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