Tiro, porrada e bomba
19/02/14 03:00Vestida de rainha, em seu palácio de Cinderela, a funkeira Valesca Popozuda ameaça com “tiro, porrada e bomba” as inimigas que invejam sua emergência social.
Foi o tema do artigo que escrevi na semana passada. Mas essa celebração de tudo que é “tiro, porrada e bomba” encontra, infelizmente, outros exemplos no Brasil de hoje.
Desde que a esquerda abandonou a luta armada, há coisa de quarenta anos, ninguém mais pensava em promover grandes transformações sociais pela violência. Com nuances, um discurso mais simpático a essa atitude, inspirado sem dúvida pelas bizarrices do filósofo Slavoj Zizek, encontra alguns adeptos por aqui.
Toda essa aproximação, ainda que vaga, com a tática dos “black blocs” não faz mais do que jogar lenha na vasta fogueira inquisitorial da direita.
Será fácil, como nos anos 1970, associar todo pensamento democratizador, igualitário e timidamente socialista aos “baderneiros”, aos “terroristas”, aos “black blocs” e, por que não, aos “comunistas”. Como se não vivêssemos, no panorama internacional, a verdadeira baderna criada por George Bush, pelos neocons e pelos irresponsáveis do mercado financeiro —sempre aplaudidos pela direita local.
No horror aos desatinos persecutórios da direita, há quem se confunda. O moderado de esquerda muitas vezes toma as dores dos sectários, dos fanáticos, dos radicais, porque reconhece e abomina a caça às bruxas.
Mas esses grupinhos violentos de esquerda não têm por que serem vistos como aliados de quem quer mais progresso social. Os “black blocs”, ou seja lá quem for, atrapalham, combatem, inviabilizam esse caminho.
O progressismo, ao ser moderado, não necessita ser menos firme por causa disso. Rejeita com firmeza a direita do “prende e arrebenta”, assim como rejeita o suposto charme radical do “bota pra quebrar”.
Reconheço que é uma atitude meio sem graça, que de tanto olhar para os dois lados se imobiliza na inação. Infelizmente, as pessoas sensatas às vezes são as mais desinteressantes, e do bom senso não se pode esperar grandes novidades.
O mais preocupante é que o vandalismo, de certa forma, interessa a muita gente ao mesmo tempo. Ajuda o campo truculento das forças policiais, que precisam legitimar os excessos em que incorrem, por vício de formação. Ajuda o campo conservador, que pode colocar no mesmo saco toda crítica ao capitalismo e ao autoritarismo de Estado.
Ajuda, ao mesmo tempo, petistas e antipetistas. Os críticos do PT podem atacar as tentativas de “diálogo” com os “black blocs”. O PT e aliados podem se livrar dos ataques que recebiam durante as manifestações.
Não se sabe quem são, e em que medida existem, os financiadores do vandalismo. Mas, pela quantidade de forças a quem os vândalos terminaram ajudando, o caixa dessa turma já poderia estar maior do que o do tio Patinhas.
Curiosamente, produziu-se uma espécie de “anticonsenso”. Durante as manifestações de junho, sempre havia alguém defendendo alguma coisa com a qual milhares de outros podiam concordar. Havia caminho para um grande (não digo que fácil) acordo nacional.
A situação se inverteu: o caminho está aberto para o desacordo acirrado e completo, em que cada Valesca mostra unhas e dentes para as rivais.
Caso exemplar desse tom agressivo foi o da comentarista Rachel Sheherazade. Diante da foto do menor de rua amarrado nu a um poste, ela foi longe: é uma reação de “legítima defesa” da sociedade, e a quem se apieda do “marginalzinho”, ela lançou a campanha “adote um bandido!”.
O seu raciocínio não poderia ser mais típico da mentalidade extremista. Ou você acha certo amarrar um marginalzinho a um poste, ou então você deve adotar o garoto, acolhendo-o em sua própria casa.
Não há, nesse raciocínio, atitude intermediária. Todo caminho médio é “irrealista”. Ou você mata ou beija. Quem não conhece a típica frase dos torturadores, segundo a qual você “não trata bandidos com luvas de pelica”? É nessa mentalidade, mas do lado oposto, que Joaquim Barbosa vira “torturador” e que José Dirceu vira “preso político”.
De onde vem tanto extremismo? Há uma “policialização” do ambiente, irrompendo através da nossa película mais civilizada.
Afinal, no mundo da classe baixa, correm soltas as divisões: quem não está com o traficante está com a polícia, quem não é evangélico fundamentalista está entregue a Satanás. Suba um andar nesse barraco: quem é contra o PT é golpista, e quem é de esquerda apoia Pol Pot e Fidel.
Quem não está comigo é meu inimigo, e, como diria Valesca Popozuda, merece “tiro, porrada e bomba”. O castelo encantado dessa rainha é o favelão da nossa atual miséria ideológica.
hermes evelyne replica handbags Tiro, porrada e bomba | Marcelo Coelho – Folha de S.Paulo – Blogs
Eu sei que os vociferantes de plantão ficarão indignados mas, em última análise, grande parte das “democracias” atuais nada mais são que um sistema político em que as ditaduras se alternam sem revolução ou derramamento de sangue.
Para quem é conivente com o poder tanto faz qual sistema esteja em vigor pois as benesses sempre virão. Para os restantes ficam os brioches.
Einsten é sempre atual quando diz:
” As duas coisas que entendo como sendo infinitas é o Universo e a estupidez humana, porém, quanto ao Universo, eu não tenho tanta certeza”
Bom saber que ainda tem gente que consegue enxergar isso, Claudia. 🙂
Cada Rei tem seus “amigos”. Muda-se o Rei, mudam os “amigos”, mas o princípio continua sempre sendo o mesmo. “Mudam as moscas, mas a m… continua a mesma”, como diz um ditado da minha terra…
Onde há poder, ainda mais da forma ilegítima como ele acontece hoje, não há democracia de verdade.
Sei que os vociferantes de plantão ficarão indignados mas entendo que, em última análise, muitas das “democracias” são sistemas políticos em que as ditaduras se alternam sem derramamento de sangue.
“Dividir para conquistar”, meu caro… O que é isso se não a tão famigerada e ao mesmo tempo apregoada luta de classes?
Um povo deseducado cai em extremismos e fica dividido em várias facções. Direita, esquerda, em cima, em baixo, sudoeste, noroeste… Tem gente apontando pra todas as direções da bússola e ainda jogando a mão pra cima e saíndo do chão como os fãs de axé e de sertanejo universitário. Enquanto a soma dessas forças antagônicas fica próxima de zero, tudo bem, vivemos em uma relativa “paz e união” tipicamente brasileira. A “paz ” daqueles que amam o brasileiro e a humanidade, mas detestam o vizinho e ostentam uma taxa de homicídios comparada a de países em guerra civil.
É quando as pessoas começam a botar as manguinhas de fora que começa a aparecer o verdadeiro caldeirão que é esse país. O Brasil é o paraíso da falta de bom senso. Diria que o brasileiro médio é, em si, o “nonsense” em pessoa.
Um povo assim, ainda mais quando incentivado por uma política que coloca uns contra outros é muito fácil de ser dominado e levado para o lado que alguns espertalhões bem entenderem.
Quem levou a essa miséria ideológica é o partido que sempre fez questão de dividir a sociedade e dizer que eram “eles” contra o “resto”. O “nós” e “eles”. Quem governa assim instala ódio nas pessoas.
Mas é só chamar a conciliadora Marilena Chauí que ela deixa tudo em paz…
o problema é que os adeptos “deles” não enxergam que é só discurso, porque “eles” são bem capitalistas. O problema é que governam só para agradar os eleitores “deles”, dizendo que os não eleitores “deles” são um resto a ser desprezado.
O discurso da esquerda engana os menos esclarecidos e vividos. Quem acompanha a história e sabe associar os fatos vê que a esquerda não leva a um bom caminho. Na boca é mel e depois no estomago dá o maior mal estar. O rapaz preso no poste deveria estar em uma instituição oficial e não solto nas ruas cometendo delitos. Isto a esquerda não diz!!!
Falando em extremismo, sempre é bom notar a contribuição do jornal em que você é conselheiro editorial (mesmo que este seja um cargo meramente decorativo).
Olhando o texto e principalmente os comentário abaixo, eu me pergunto se é para estas pessoas que a Folha decidiu falar.
Tenho você em boa conta Marcelo, mas a linha editorial adotada por seu empregaror já há alguns anos é espantosa. Repito, são estes leitores que o jornal se conformou em atrair?
Os comentários neste seu post mesmo também ilustram o que digo.
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/02/20/caduca-diplomacia-do-brasil-virou-um-adorno/
Não deu para entender nada deste comentário; é pouco claro,vag0 e não se sabe bem se ele apóia o coelho ou não; parece que não. ENTÃO FALE MAIS CLARAMENTE!!!!
Falta aos blogs da FSP um botão “imprimir”, como há no resto do jornal.
E viva os radicalmente moderados.
“De onde vem tanto extremismo? Há uma “policialização” do ambiente, irrompendo através da nossa película mais civilizada.”
Será que ele já ouviu alguma vez o termo “mídia capitalista”?
Do restante, sensacional!
Eu ia me esquecendo……tá com dó de um Marginal ? Então adote-o !!! E seja bem feliz com ele…….
Não me admira os constantes ataques feitos a PM e a defesa com “unhas e dentes” de todo tipo de marginal, feitos por meio do Editorial da Folha, na medida em que vou percebendo a quantidade de esquerdopata que faz parte de seu conselho editorial. Lamentável !!!
Caro Marcelo, li todos os comentários e pelas minhas contas a maioria não gostou do que você escreveu (assim como eu), como vivemos em uma democracia (sei que a esquerda não suporta esse sistema, mas fazer o que…), temos de conviver com as diferenças. Espero que os seus textos melhorem que você perceba aquilo que a maioria da população brasileira pensa: queremos viver em paz com segurança, ordem, limpeza e etc.
Bom, não faço idéia de quem seja Valesca Popozuda, e algo que diz que não vale a pena a busca no Google, mas gostei muito do texto, bate com aquilo que penso.
Sinto uma necessidade de muitos em falar de politica como quem precisa “torcer” por algo na totalidade, exatamente igual aos torcedores cegos de futebol. O caminho do meio e da desconfiança nos dois extremos é realmente o melhor.
Senhor Articulista, lamentável falar dos Agentes do Mercado. Vocês da Esquerda caviar são um lixo só. PT,PSOL,PSTU, MST, é a escuridão. Gente Imatura, Obliqua, Míope.
Precisamos de Jornalistas como Raquel Sherazhade, esta tem o apoio de gente descente que trabalha e não vive de soldos dos donos do poder. Veja se voces mudam esta forma ridícula de pensar, a URSS ja acabou faz tempo, e vejam a Venezuela no que esta se transformando. Voces não veem um pais Capitalista nesta situação. So vemos caos neste de “esquerda”, CUBA, Coreia do Norte, Argentina etc. entõ vamos todos aderir ao Capitalismo que é o que transforma e traz riqueza e progresso para todos.
Fiquemos no ‘pensamento democratizador, igualitário e timidamente socialista’ dos anos 70. José Dirceu brada que lutou pela democracia naquela época, portanto, era um democratizador. Entretanto, o modelo dele era Cuba que, francamente, não é um exemplo de democracia. Morou lá e foi treinado pela ditadura castrista. Resultado: está na Papuda! Enfim, Marcelo: menos, rapaz, menos…
Desculpe.Sei que é uma prática recorrente entre os “democratas”, linchar – através de ofensas e de outros argumentos ad hominem – aqueles que não comungam da mesma opinião.
Mas, sinceramente, seu texto dá nó em pingo d’água para jogar no colo de uma suposta direita (acho que ela existe no Brasil só para purgar incompetências da esquerda) os erros que, claramente, pertencem às gestões atuais e recentes.Todas de esquerda.
Somos um país mais violento do que éramos, mais desorganizado do que éramos, com menos respeito uns pelos outros do que tínhamos e por aí vai.
Mas aqui se consegue sucesso teorizando e jogando para platéia (cada vez mais restrita).
Não se enfrenta a dura e crua realidade criada por gestões incompetentes.
Espero que pessoas moderadas de todas as matizes ideológicas se unam para o Brasil não se perder no abismo.
MEUS PARABÉNS !!!! Muito obrigado por compartilhar esse texto comigo, realmente precisamos de mais pessoas como você nesse país.
perfeito, resumiu minha mentalidade de uma forma exemplar.
Grande abraço
Quase tudo é política… Porém os Blacks Blocs não conquistaram elogios e apoio não é por conta das táticas que a sociedade é influenciada a chamar de vandalismo. Mas sim pelo fato de não ter nenhum partido político frente aos seus interesses. De onde virão os futuros lucros se não houverem votos? Essa é a principal ideologia do movimento.
É isso. A política virou um Gre-Nal, em vez de ser o espaço da racionalidade, do diálogo, da construção de consensos, de valorização do estado democrático de direito. Se você defender que o praticante de um latrocínio seja preso e julgado, mas que, tanto no processo de investigação como no de prisão e cumprimento da pena, as leis sejam rigorosamente observadas e sempre o estado democrático de direito prevaleça sobre a barbárie, será chamado de demo/tucano fascista e reacionário, pelos integrantes de um campo ideológico. E de petralha defensor de bandidos, por outro.
Marcelo. Texto sensato por excelência. No entanto, acho bom lembrá-lo que, quando o circo pega fogo, os sensatos são os primeiros a pagar o pato. LAURO MELO.
Ótimo texto, Marcelo. Apenas um reparo e uma constatação. Você chama a atenção para os moderados da esquerda, mas não cita os conservadores moderados, contrários ao tipo de pensamento da sra. Raquel Sheherazade. E, infelizmente, vejo no ambiente universitário em que atuo, nos militantes da esquerda, um apoio maior a um radicalismo de um Vladimir Safatle do que à sensatez de um Marcelo Coelho.
Bem lembrado! Obrigado…
Ao contrário do que foi dito, não vejo cinismo no artigo, uma das melhores coisas que o colunista já escreveu nos últimos anos. Quanto ao texto da coluna, nada a acrescentar, está perfeito e é um chamado ao bom senso, à crítica pensante e construtiva, artigos raros talvez por conta da indigência intelectual, e talvez porque gritar palavras de ordem seja mais fácil e chamativo para ambos os lados. Quanto ao comentário crítico: não é a esquerda que ‘não deixa’ prender pessoas com menos de 18 anos, é a lei. Quanto à inoperância dos órgãos de segurança pública, a responsabilidade é principalmente dos governos estaduais. Mas como as UPPs são a menina dos olhos do governador fluminense, ninguém afirma que a polícia não faz o que tem que fazer, não age onde deve agir e, quando faz, faz mal.
Confesso que não acompanho o colunista, mas se esse é o melhor texto que ele escreveu ‘tá braba’ a coisa aí. O texto é péssimo.
O texto é ótimo.
Se vamos ter pena de morte para marginais, assaltantes e afins, que tal para corruptos, donos do Maranhão, gente que desvia verba pública, faz mensalão tucano, mensalão do PT, máfia do ISS que roubou MEIO BILHÃO dos cofres públicos?
Concordo em amarrar esses marginais no poste também, André?
Ah, que fofo! E quem é que acabou de derrubar na CCJ os projetos que alterava a definição de maioridade penal?
Ah, foi o PT!
E quem é contra mudar as leis que não punem bandidos? Não é principalmente a esquerda?
Esqueceu que quem menos gosta de endurecer as leis que protegem bandidos é a esquerda?
Marcelo: você é aquele menininho gritando, no meio da multidão, que reis (e rainhas) estão nus, ainda acrescentando que há muitos nus na multidão também. E, no total, todos eles se achando muito bem vestidos. Obrigada pelo artigo.
Foi o seu melhor artigo que li em anos e anos assinando a Folha.
Marcelo Coelho,
O senhor é um cínico.
Para ficar só no caso da jornalista Sheherazade que a esquerda que mui democraticamente expelir da vida pública:
É claro que existe um meio termo entre beijar e matar um marginal. Esse meio termo seria prendê-lo!!!!
Mas isso a esquerda não quer, não deixa!
É de menor! Tadinho! Vítima do sistema!
Temos 50.000 assassinatos por anos!
Apenas 3% desses assassinatos são esclarecidos!
Na prática, temos um toque de recolher em diversas cidades do Brasil.
Diante disso, não é compreensível que o cidadão se defenda?
Aliás, alguém matou o marginal no Rio?
Não, ele só tomou uns tapas e foi amarrado.
É óbvio que ninguém defende justiçamentos, mas, se não houver justiça, eles inevitavelmente ocorrerão.