O avesso e o direito
21/02/14 19:50O avesso e o direito
Dirceu, Genoino, Delúbio cometeram vários crimes juntos. Contaram, ademais, com a ajuda de dirigentes do Banco Rural, que se encarregaram da lavagem do dinheiro do mensalão.
É o bastante para chamar o grupo de “quadrilha”? A resposta a essa pergunta vale dois anos e pouco no cálculo das penas, o que para alguns réus significa a diferença entre ficar em regime fechado ou poder ficar fora da cadeia durante o dia.
Com vários argumentos, os advogados iniciaram os debates na sessão de ontem do Supremo. Oscilou muito, entretanto, a qualidade das suas intervenções.
Com ares de tenor enfurecido, o advogado de José Genoino chamou Roberto Jefferson de “mentiroso”, e foi longe na politização do debate. Os petistas não formaram quadrilha nenhuma. Formaram, isso sim, um “partido político”, que desde 1980 luta por seu “projeto de poder”.
Projeto vencedor, frisou Luiz Fernando Pacheco, e que tem o apoio da maioria do povo brasileiro. Se fosse quadrilha, estaria o povo disposto (como dizem algumas pesquisas de opinião) a reeleger Dilma já no primeiro turno?
A pergunta do advogado –bastante otimista, aliás—esquecia que a presidente nunca foi acusada de participar do mensalão; partiu do pressuposto, sem dúvida o de muitos petistas, de que é o PT inteiro quem está em julgamento.
Os advogados dos banqueiros puderam colocar a discussão em termos mais adequados. Ainda que tímida e sem fluência oratória, a jovem Maria Saloni desenvolveu com clareza o problema conceitual em torno da “formação de quadrilha”.
Uma coisa é cometer crimes com a ajuda de outras pessoas. Na linguagem jurídica, trata-se de “co-autoria”, ou “concurso de agentes”. Roubar um banco é coisa que não se faz sozinho.
Outra coisa é montar uma equipe, que existirá de forma estável, ao longo do tempo, com o fim de realizar diversos crimes.
Para a advogada de José Roberto Salgado, o dirigente do Banco Rural não pode ser acusado de pertencer a quadrilha nenhuma. Mesmo aceitando a sua condenação por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta, não é que ele participasse de todo o “projeto”, digamos assim, do PT e dos mensaleiros.
Fez-se, na verdade, uma acusação de “ponta-cabeça”, imaginou-se uma quadrilha “às avessas”. Verifica-se a ocorrência de vários delitos, vê-se que várias pessoas os praticaram em conjunto, e constrói-se, a partir daí, a acusação de que houve quadrilha.
O certo, segundo o raciocínio da defesa, seria começar da outra ponta. Primeiro, é preciso provar a existência de uma associação estável, visando a cometer crimes. Depois, se for o caso, cumpre provar os crimes cometidos, que se somariam ao crime inicial, o de ter formado uma quadrilha.
Representando Kátia Rabello, o advogado Theodomiro Dias Netto resumiu a mesma ideia. Haverá crime de quadrilha quando existir essa organização estável, até mesmo se nenhum crime for cometido. Elimine-se, por hipótese, a lavagem de dinheiro cometida por Kátia Rabello: não restaria nada indicando que ela pertencesse à “quadrilha” de Dirceu.
Seria, portanto, apenas um mecanismo para aumentar a pena de crimes já cometidos e julgados.
Foi a vez de Rodrigo Janot, pela acusação, responder a esses argumentos. Para o Ministério Público, não houve “quadrilha às avessas”, nem raciocínio de ponta-cabeça.
O que houve foi a conclusão, com base nos crimes provados, de que tudo só foi possível graças à constituição de uma organização criminosa. Deduziu-se, com lógica difícil de contestar, a existência de uma quadrilha –uma vez que lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e outros delitos só ocorreram porque havia uma quadrilha em funcionamento…
Modos diversos, como se vê, de qualificar os mesmos fatos. Na semana que vem, os ministros decidem de vez a questão.