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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Corpos em desalinho

Por Folha
26/03/14 03:02

Quem visitar o Instituto Tomie Ohtake até o dia 30 de março pode experimentar um bom susto. Digo melhor: um susto bom.

Basta entrar numa sala muito escura, no fundo de alguns corredores nada iluminados, tomada por uma espécie de som eletrônico, um bordão grave como o de um transformador elétrico sobrecarregado.

Calma. Nenhum monstro ou grito súbito pega de surpresa o espectador. O susto é bom: não estamos dentro de nenhum parque temático de Halloween. Uma parede inteira está ocupada por grandes fotos de corpos nus, iluminadas como na tela do computador mais nítido.

Cada imagem mostra, juntos ou distantes, os corpos de um homem e de uma mulher. Serão, talvez, uma dúzia de retratos diferentes, mas todos com o mesmo tipo de ângulo e de luz. Vemos, na verdade, detalhes de corpos: pés, canelas, panturrilhas, captados bem de perto e um pouco distorcidos.

O olhar passa de foto em foto, identificando aos poucos a diferença e a semelhança entre cada uma delas. Aí acontece o susto. O rabo do olho percebe, sem que o cérebro se dê conta inteiramente, que algo mudou naquela parede.

Uma foto (não a que estávamos olhando) começou a se mexer. Procuramos, na parede, qual foi a imagem que deu início ao movimento; mas enquanto isso outras já se mexeram também, caindo como um dominó lentíssimo de corpos até chegar nos retratos ao rés do chão. Tudo, em seguida, imobiliza-se de novo.

Susto bom, porque um movimento de arranjo e desarranjo apareceu do nada, sem aviso, conforme um comando invisível do computador. O espectador se pergunta o que está acontecendo, nada lhe explicam, e só depois de terminado o movimento é possível perceber que todo o ambiente —a escuridão, o som eletrônico— construía um suspense que, curiosamente, não punha nossos nervos em estado de tensão.

“Only You”, mostra-instalação com fotos de Leonardo Kossoy, apresenta nessa sala uma espécie de balé fotográfico. O encantamento visual dessas imagens ritmadas não precisa de palavras para ser fruído.

Mas a sala do painel computadorizado corresponde ao ponto culminante de uma história que começou a ser contada bem antes na exposição. Para fazer as fotografias de “Only You”, Leonardo Kossoy convidou um ator e uma atriz, nenhum dos dois especialmente notável pela beleza corporal.

Com exceção das cenas iniciais, que parecem tiradas de algum filme dos anos 1950 em technicolor, com o homem e a mulher se desentendendo e se entediando numa luxuosa mesa de jantar, todas as outras fotografias mostram o casal sem roupa nenhuma.

A exposição assume um caráter de “tema e variações”: a nudez do casal pode surgir emaciada e azul, como num quadro de El Greco. Outras vezes, um negror de Goya ameaça engolir os dois. Uma parede inteira é ocupada por suas figuras miniaturizadas, quase redondinhas, reluzindo como o ouro de Rembrandt contra camadas de púrpura e ferrugem.

Juntos ou separados, os dois atores nunca se comunicam. Podem espremer-se, encaixotados num espaço mínimo: não tomam conhecimento um do outro. Podem estar lado a lado, cada qual empurrando como Sísifo as pedras invisíveis de seu próprio cotidiano, de suas próprias neuroses: os olhares não se cruzam.

Podem mover-se, em cenas filmadas; podem ter sido captados em plena dança, com o cabelo e as mãos indistintas como numa névoa; seus gestos não convergem, sequer expressam intenções de fuga ou de separação. Numa absoluta igualdade de condições, no puro despojamento de seus corpos humanos, estão apenas lado a lado. Quanto mais nus, menos são capazes de se ver.

A sequência das salas se apresenta ao espectador quase como um romance, em que a vida de um casal prossegue às cegas, num clima que não é o do conflito, o do desentendimento, mas o da coexistência num labirinto sem paredes, em que ninguém se encontra.

Nem tudo está perdido, entretanto. Nas últimas imagens de “Only You”, a nudez desaparece, os corpos do homem e da mulher mal se percebem. Cobre-os uma nata branca, uma pátina cremosa de tecido, uma nuvem de lençóis hialinos. Adivinhamos, mais do que vemos, dois rostos que pela primeira vez parecem felizes.

Num poema célebre, Manuel Bandeira disse que “os corpos se entendem”, mas que “as almas, não”. Sem dúvida, os últimos tempos depositaram um excesso de energias e de esperanças na apresentação do corpo. A valorização da nudez representa uma aposta correta, mas custosa, numa vida mais natural, menos reprimida, mais exposta aos outros.

Leonardo Kossoy parece enfatizar o oposto disso tudo. Na nudez de seus personagens, prevalece a incomunicação, o peso do convencionalismo, das prisões de cada um. A intimidade se recupera, todavia, quando constrói o espaço incorpóreo da escuridão, do recolhimento e do silêncio.

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Comentários

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