O outro problema
02/04/14 03:02Um escritor policial da velha guarda chamado John Dickson Carr (1906-1977) era especialista nos chamados “mistérios do quarto fechado”. A vítima é encontrada morta, no seu gabinete de estudos, sem sombra de arma nem pegadas do assassino por perto.
Pior que isso, o lugar estava trancado por dentro; nenhum sinal de que janelas ou portas tivessem sido arrombadas. Como o assassino entrou? Como saiu? Como matou o milionário?
Crimes assim perfeitos terminavam resolvidos pelo obeso dr. Fell, que numa tarde de verão manteve estranha conversa com um homenzinho “grave e sincero”. O homenzinho conta ao detetive um crime complicadíssimo, no gênero “quarto fechado”.
Poucas páginas são necessárias para que o dr. Fell reconstrua mentalmente todo o mecanismo do assassinato. A vítima havia se encostado na janela, no ponto mais alto da mansão. Levara um binóculo aos olhos.
Dentro do binóculo, um mecanismo preparado anteriormente fizera saltar uma flechinha especialmente pontiaguda, que penetrou por um olho da vítima até perfurar-lhe o cérebro. O detetive prossegue em seus raciocínios, e conclui que o assassino tinha sido o próprio homenzinho que acabava de lhe contar o caso.
Vem dessa circunstância o título do conto, “O Outro Problema”. Por que, afinal, o próprio assassino procurou o detetive para lhe propor o enigma? Talvez quisesse se certificar de que ninguém, nem mesmo o dr. Fell, seria capaz de desvendar o crime.
“Ele é um exibicionista, um sádico”, disse o advogado José Carlos Dias a respeito do coronel Paulo Malhães, depois do depoimento em que este admitiu à Comissão Nacional da Verdade as torturas e assassinatos que cometeu durante a ditadura militar.
Disse ter matado “tantas pessoas quanto foram necessárias”; não soube se lembrar quantas torturou, só que foram “muitas”; contou que quebrava os dentes e cortava os dedos dos cadáveres, para impedir que fossem identificados.
Fico pensando, em todo caso, no “outro problema”, para usar o título daquele conto policial. O que leva um ex-torturador a comparecer diante da Comissão?
Imagino que certo machismo militar se misture à teimosia de suas convicções políticas. “Não sou homem de me acovardar; vou à Comissão e enfrento essa comunistada.” De resto, está afastado o perigo de que sejam presos depois do que disserem.
A construção mental vai além disso, entretanto. Ao longo de muitas décadas, o torturador teve tempo para repetir a si mesmo o que já dizia ao fim de cada sessão de interrogatório: estou cumprindo o meu dever, estou salvando o país da ameaça comunista.
É difícil, sem dúvida, imaginar que alguém fosse capaz de convencer-se disso depois de ter feito o que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra fez com Maria Amélia Teles, segundo esta contou à Folha.
Ustra levou os dois filhos de Maria Amélia, Edson e Janaína, à sala onde ela estava sendo torturada, junto com o marido. As crianças tinham 5 e 4 anos de idade. “Mamãe, por que você está azul?”, perguntou a criança para Maria Amélia, coberta de hematomas.
O ex-dirigente do DOI-Codi silenciou na Comissão da Verdade quando perguntado sobre torturas, mas repete o que todos os personagens da repressão dizem sempre. “Lutávamos pela democracia.”
A contradição, embora salte aos olhos, é das mais comuns. Para defender a democracia, faço uma ditadura. Para que o comunismo não acabe com os direitos humanos, acabo eu com os direitos humanos.
Nós matamos, mas “eles mataram também”. Até aí é fácil de ir. Não sei se algum torturador chegou a afirmar que “eles torturavam também”.
“Era uma guerra”, dizem os generais e os civis mais graduados do sistema, como se ignorassem que até nas guerras vale a Convenção de Genebra. Nós não inventamos a tortura, dizem outros. A Gestapo também usava… Por que tanta perseguição contra nós?
Uma frase do coronel Malhães acrescenta novo ingrediente a esse espetáculo de cinismo, de deboche e impunidade. “A tortura é um meio”, afirmou aos membros da Comissão. “Se o senhor quiser saber a verdade, tem que me apertar.”
Talvez seja essa a maior provocação. “Não conto tudo o que sei a respeito da ditadura. Vocês terão de me torturar para saber. Torturem-me. Mostrem que vocês são no fundo iguais a mim. Só desse modo conseguirei provar que eu estava certo ao fazer o que fiz.”
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O outro problema | Marcelo Coelho – Folha de S.Paulo – Blogs
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O que está acontecendo é apenas isso :
Os militares dão tapinhas em nossas costas, expõem suas versões do período militar, tirando o deles da reta (obviamente) e antes de se retirarem dizem “baixinho”, na maior cara limpa : OTÁRIOS !
Do mesmo modo os ex-guerrilheiros (pró comunistas e comunistas) fazem suas explanações de como tudo ocorreu, contam detalhes, minimizam alguns atos, também dão uns tapinhas nas costas, e antes de sair, dizem “baixinho” : TROUXAS !
NADA DEMAIS.
Realmente incrível como os leitores da Folha, memo diante dos argumentos mais razoáveis, insistem em desconhecer a história, e equiparar o Estado, com um aparelho de reporessão assasino, com uma reação legítima a tirania, que não exerceu um centésimo da violência dos ditos aparelhos de repressão, com raras exceções a militares e financiadores desses aparelhos. Sempre a mesma justificativa: “eçles TAMBÉM não queriam a democracia, mas uma tirania de esquerda”. Logo, responde o texto noutras palavras, “Restou a nós implantar uma tirania de direita, para perseguir recalcitrantes, cassar mandatos, prender sem mandados, torturar, assassinar, desaparecer com corpos, exilar, perseguir pessoas mesmo fora do país”… A mesma justificativa de sempre desde a criação do famigerado Plano Cohen: “o perigo vermelho”, no caso aquele representado pelo governo João Goulart. Absurdidade patente, a que nenhum historiador que se preze oferece a mínima credibilidade. Mas os fatos não interessam aos cultores do Primeiro de Abril. “Fatos? Aos porões com os fatos! Torturemos os fatos até que eles confessem que são uma mentira”. Triste, muito triste.
Tudo isto é tão desprezível e nojento que me espanta ver pessoas aqui ainda defendendo esses militares canalhas. Nada justifica a tortura, ainda mais contra crianças que sequer tem capacidade para compreender a diferença entre esquerda e direita. O Brasil precisa fazer o que todos os países da América Latina já fizeram.
Brilhante, “magnífico”.!
Espetáculo de deboche e cinismo é dizer que o “outro lado” lutava (explodia bombas, matava, sequestrava, roubava) pela democracia. [2]
Além disso, são os próprios esquerdistas que vivem dizendo por aí que, para fazer omeletes, é necessário antes quebrar os ovos. Foi o que os milicos fizeram. 😉
Eu até acho que o “outro lado” (na verdade, havia muitos lados, a vida não é tão maniqueísta assim) também não tinha apreço pela democracia, queria apenas a implantação de uma ditadura com sinal ideológico invertido. Mas o fato é que a ditadura que se estabeleceu, que torturou, que assassinou foi a militar, de extrema-direita. É ela que precisa ser denunciada, julgada e condenada. A suposta ditadura comunista, de que alguns falam, é mera suposição. Não podemos condenar nem julgar ninguém por suposições.
Para mim é muito simples : O pau que dá em Chico, dá em Francisco. Eu vou meter o pau (a lenha) PRIMEIRO nos MILICOS que deram o Golpe em 64, DEPOIS nos Guerrilheiros (comunistas) que tentaram dar um Golpe nos MILICOS para colocarem o L.I.X.O comunismo como sistema de governo. Mas eu vou bater MAIS FORTE nos comunistas e em quem apoia essa PORCARIA de Comunismo. Como dizia o meu pai : Se vc apanhar na rua, vc vai apanhar quando chegar em casa. Os ex-guerrilheiros (pró comunismo) apanharam dos Milicos ? Vão apanhar novamente, agora de mim. Como disse o profeta Jeremias no Livro de LAMENTAÇÕES : De que se queixa o homem ? Queixe-se cada um dos seus pecados. Por isso vou LEMBRAR aos pró comunistas do passado e presente, as ATROCIDADES e os MORTOS do Lixo Comunista, na URSS e China com os próprios compatriotas (milhões). Que essas AVESTRUZES com as cabeças nos buracos teimam em não enxergar, muito menos de tocar no assunto.
As contas das maldades humanas são das maldades humanas, ponto. É ingenuidade (ou má-fé) esquecer que, sob o capitalismo, muito antes de existir qualquer regime socialista, houve mortos pelo Estado, houve ditaduras, houve colonização e genocídio. Por que senão fica parecendo que genocídio, ditadura e tortura são privilégio do “comunismo”. Evidentemente, houve tudo isso em regimes comunistas, assim como houve em regimes capitalistas também. E nem por isso as pessoas ficam falando “ainda bem que houve um golpe militar para nos salvar do capitalismo”. DEMOCRACIA é algo que não tem nada a ver com capitalismo ou comunismo (que são regimes de organização socioeconômica), tem a ver apenas com DEMOCRACIA. E, numa ditadura política, o Estado (seja ele fascista, comunista, capitalista-liberal), o Estado é (como é em uma democracia), responsável pelos indivíduos sob sua guarda. Então, não importa a justificativa que se dê, se o Estado (mesmo em uma democracia) fere os direitos individuais, ele tem de responder por isso. Afinal, se a vida humana fica um degrau de justificativas ideológicas (independentemente de serem corretas ou não), aí estamos fritos. Porque ideologias (seja lá quais forem, inclusive as anticomunistas) são meras desculpas para justificar o assassinato.
Usar uma aberração como este Coronel e dizer “viu, eram todos assim”, é de um cinismo incrível.E o senhor, articulista , sabe disso.
E tinham vários assassinos frios “do outro lado”…e o senhor também sabe disso.
Só não estão na berlinda porque vivemos em um país tosco e burro que “escolhe lados” quando trata de justiça e de ser fiel à História.
Se você escolhe lados para tratar de um tema, sua isenção sai pela outra porta e toda sua visão sobre este tema fica comprometida.
É lamentável ….
Esse coronel é um esteriotipo bem fiel da mentalidade presente nas forças armadas. Ajuda a reforçar o esteriotipo tipos como JAir Bolsonaro, fascistas que se tivessem o poder nas mãos, não poupariam esforços em matar quem fosse necessário para manter esse poder.
Estereótipo nunca representa a maioria.É apenas uma generalização vulgar de algo.
O regime que mais matou seres humanos na história da humanidade foi o comunista.Isto é um fato histórico.
Prender torturadores e assassinos de qualquer regime é um dever de Estado.Escolher um lado e proteger outro não é nada além da velha “justiça para meus inimigos”.Ou o outro chavão “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”.
Democracia jamais foi e será isso.
Quando se usa um termo que antagoniza Ditadura Militar tendem a falar em comunismo. O comunismo em si, é visão antagônica do regime capitalista, em posição econômica social. Neste sentido, nada impede que eu tenha uma ditadura comunista, não são antagônicos entre si.
Na verdade ao defender a Ditadura, tem-se no contraponto da balança a própria Democracia.
Ironicamente, a bem da democracia é possível defender a Ditadura, no contrassenso, seria impossível defender a Democracia numa Ditadura.
Não, meu caro, democracia só se defende com MAIS DEMOCRACIA (e não com menos democracia ou com ditadura). Democracia é antagônico, oposto a ditadura (independentemente de ser ditadura de direita, de esquerda, de centro, de cima, de baixo, capitalista, comunista, fascista). Ditadura é ditadura e ponto final. A única exceção para a proteção da democracia que prevê a força é o que qualquer democracia digna desse nome prevê: o estado de sítio, CONTANTO QUE ELE SEJA RESTRITO NO TEMPO (e em curto prazo, apenas para restaurar a ordem pública em caso de grave comoção). Uma ditadura NÃO é o mesmo que Estado de Sítio democrático. Qualquer ditadura é a SUBVERSÃO (à direita ou à esquerda) institucionalizada da democracia. Então, qualquer ditadura é SEMPRE repudiável. Claro que qualquer ditadura arranja as suas desculpas para se instalar. Só que se as desculpas para um governo impostor se instalar são aceitas, estamos negando o próprio princípio da democracia, que é, em última instância, o princípio da proteção da liberdade individual DE TODOS.
Será que o coronel MALHÃES conseguiria arrancar alguma verdade desses politicos que temos hoje principalmente o palocci e o delubio soares, o cachaça e a diu-ma dirceu genoino não, esses foram os entreguistas dus cumpanheiros, esses falaram tudo sem aperto, se conseguir isso acredito que a tortura seja valida mas se a coisa pegar mesmo eles entregam todo mundo do jeito que são covardes e correm para fora do país BRASIL.
Toda generalização é burra. Mas o incrível no Brasil é vermos como há pessoas que usam a bandeira da foice e do martelo e falam em democracia.
Qual país – na história do comunismo – que não foi uma feroz ditadura sob o jugo desta bandeira?
E quem disse que todos que eram contra a ditadura militar eram democratas?Quem explodia bombas, sentenciava os próprios companheiros (há relatos no YOUTUBE) , sequestrava e roubava bancos é democrata em que planeta?
Só mesmo no misterioso planeta dos nossos intelectuais da esquerda caviar…
O cinismo de quem apoia a ditadura é tão grande que até enoja. Sabemos que naquele tempo a imprensa era censurada e muita coisa não foi noticiada para dar a impressão de que o Brasil era uma maravilha. Ao final do governo militar a verdade sobre os problemas sociais e econômicos foi revelada e até hoje tem gente que acha que estes problemas surgiram no governo Sarney. Mas quem não era alienado, ganhava salário e vivia na periferia, sabia dos problemas deste país e não achava o governo militar uma maravilha, pois os problemas afetavam a vida de todo mundo e tínhamos que aguentar um governo que cometia mais erros do que acertos. E dizer que este país era capitalista era um erro, pois a economia e a política eram praticamente controladas pelo governo, uma situação muito parecida com o que acontece hoje em dia com a China.
Geraldo o que vc acha do marco civil da internet que os cmunistas no puder querem aprovar vc aprova ou não.
Gostei da sua análise.Mas lembre-se do endividamento causado por JK. Pesquise à respeito. E também lembre da Guerra do Petróleo em 1973 que jogou na lua o preço do petróleo e derivados (em meses subiram mais de 400%)alterando políticas econômicas mundo afora.
De qualquer forma, a comparação entre Brasil daquela época e a China de hoje está bem próxima (guardando as nuances e diferenças de parâmetros) da realidade.
Espetáculo de deboche e cinismo é dizer que o “outro lado” lutava (explodia bombas, matava, sequestrava, roubava) pela democracia.