Selfies
23/04/14 03:00Muita gente se irrita, e tem razão, com o uso indiscriminado dos celulares. Fossem só para falar, já seria ruim. Mas servem também para tirar fotografias, e com isso somos invadidos no Facebook com imagens de gatos subindo na cortina, focinhos de cachorro farejando a câmera, pratos de torresmo, brownie e feijoada.
Se depender do que vejo com meus filhos —dez e 12 anos—, o tempo dos “selfies” está de todo modo chegando ao fim. Eles já começam a achar ridícula a mania de tirar retratos de si mesmo em qualquer ocasião. Torna-se até um motivo de preconceito para com os colegas.
“Fulaninha? Tira fotos na frente do espelho.” Hábito que pode ser compreensível, contudo. Imagino alguém dedicado a melhorar sua forma física, registrando seus progressos semanais. Ou apenas entregue, no início da adolescência, à descoberta de si mesmo.
A bobeira se revela em outras situações: é o caso de quem tira um “selfie” tendo ao fundo a torre Eiffel, ou (pior) ao lado de, sei lá, Tony Ramos ou Cauã Reymond.
Seria apenas o registro de algo importante que nos acontece —e tudo bem. O problema fica mais complicado se pensarmos no caso das fotos de comida. Em primeiro lugar, vejo em tudo isso uma espécie de degradação da experiência.
Ou seja, é como se aquilo que vivemos de fato —uma estadia em Paris, o jantar num restaurante— não pudesse ser vivido e sentido como aquilo que é.
Se me entrego a tirar fotos de mim mesmo na viagem, em vez de simplesmente viajar, posso estar fugindo das minhas próprias sensações. Desdobro o meu “self” (cabe bem a palavra) em duas entidades distintas: aquela pessoa que está em Paris, e aquela que tira a foto de quem está em Paris.
Pode ser narcisismo, é claro. Mas o narcisismo não precisa viajar para lugar nenhum. A complicação não surge do sujeito, surge do objeto. O que me incomoda é a torre Eiffel; o que fazer com ela? O que fazer de minha relação com a torre Eiffel?
Poderia unir-me à paisagem, sentir como respiro diante daquela triunfal elevação de ferro e nuvem, deixar que meu olhar atravesse o seu duro rendilhado que fosforesce ao sol, fazer-me diminuir entre as quatro vigas curvas daquela catedral sem clero e sem paredes.
Perco tempo no centro imóvel desse mecanismo, que é como o ponteiro único de um relógio que tem seu mostrador na circunferência do horizonte. Grupos de turistas se fazem e desfazem, há ruídos e crianças.
Pego, entretanto, o meu celular: tiro uma foto de mim mesmo na torre Eiffel. O mundo se fechou no visor do aparelho. Não por acaso eu brinco, fazendo uma careta idiota; dou de costas para o monumento, mas estou na verdade dando as costas para a vida.
Não digo que quem tira a foto da cerveja deixe de tomá-la logo depois. Mas intervém aí um segundo aspecto desse “empobrecimento da experiência”. Tomar cerveja não é o bastante. Preciso tirar foto da cerveja. Por quê?
Talvez porque nada exista de verdade, no mundo contemporâneo, se não for na forma de anúncio, de publicidade. Não estou apenas contando aos meus seguidores do Facebook que às 18h42 de sábado estava num bar tomando umas. Estou dizendo isso a mim mesmo. Afinal, os meus seguidores do Facebook, sei disso, não estão assim tão interessados no fato.
Não basta a sede, não basta o prazer, não basta a vontade de beber. Tenho de constituí-la como objeto publicitário. Preciso criar a mediação, a barreira, o intervalo entre o copo e a boca.
Vejam, pergunto a meus seguidores inexistentes, “não é sensacional?”. Eis uma cerveja, a da foto, que nunca poderá ser tomada. A foto do celular imortaliza o banal, morrerá ela mesma em algum arquivo que apagarei logo depois.
Não importa; fiz meu anúncio ao mundo. Beber a cerveja continua sendo bom. Mas talvez nem seja tão bom assim, porque de alguma forma a realidade não me contenta.
A imagem engoliu minha experiência de beber; já não estou sozinho. Mesmo que ninguém me veja, o celular roubou minha privacidade; é o meu segundo eu, é a minha consciência, não posso andar sem ele, sabe mais do que nunca saberei, estará ligado quando eu morrer.
Talvez as coisas não sejam tão desesperadoras. Imagine-se que daqui a cem anos, depois de uma guerra atômica e de uma catástrofe climática que destruam o mundo civilizado, um pesquisador recupere os “selfies” e as fotos de batata frita.
“Como as pessoas eram felizes naquela época!” A alternativa seria dizer: “Como eram tontas!”. Dependerá, por certo, dos humores do pesquisador.
coelhofsp@uol.com.br
Sr. Marcelo Coelho e pq será que tem uma foto sua no começo desta reportagem? Eu lhe repondo…é pq tudo precisa ter um rosto uma identidade. Não acho essa coisa de selfie bacana o nome já é algo estranho, porém o existem pessoas que talvez nunca mais poderão ir a Paris ou beber aquela cerveja que no nosso país custa 10x o preço de qualquer coisa que se compre em Paris ou na Alemanha. O fato é que vc pode se dar o luxo de fazer o que quer ou ir aonde for quantas vezes lhe dar vontade, outras precisam deixar isso registrado pq talvez seja a ultima coisa que farão. Pense melhor nos seus textos.
Vc leu o texto e não entendeu uma vírgula…leia novamente!
Entendi sim…é um metáfora bem mau aplicado sobre aproveitar melhor a vida!!! Acho muito para cabeça se preocupar com uma coisa ridícula desta quando os governantes deste país fazem coisas grotescas e ninguém faz nada…nem escreve!!!
Ótimo texto.
Quem se indignou com o texto deve ter um instagram cheio de fotos de sushi e selfie de sunga branca na praia. Idiocracy.
Que tal se preocupar com a degradação da vida humana, a epidemia de assassinatos que assola o Brasil?
isso é falta de sexo
Eu até concordo que self é uma grande bobagem…mas que texto chato, cansativo!
Entendo…Ultrapassou 3 linhas fica “chato”…
Novos tempos sempre geram espanto a quem está acostumado aos idos de outrora… Aprenda a curtir novos valores… A foto postada da cerveja gera outros efeitos além do prazer etílico…. são essas as novas regras. Aceite e doerá menos.
TINHAMOS UMA TURMA QUE SEMPRE ESTAVAMOS JUNTOS COM A CHEGADA DESTAS MARAVILHAS ELETRONICAS ESTÁ ACABANDO E COM TANTA RAPIDEZ QUE NÃO NOS DAMOS CONTA, POIS SE VOCE COMENTAR Á MAIORIA SE IRRITA.
Não somos mais quem somos, mas a imagem que produzimos de nós mesmos. O Selfie supera o eu.
Excelente texto! Concordo!
Alguem precisava escrever a respeito desta insanidade que é o Autoretrato, bizarro quando o selfie serve para mostrar alguem que foi assassinado e aparece fazendo biquinho diante do espelho.
Me chamam de antissocial por eu não usar Facebook, Instagram, WhatsApp ou me manter conectado na internet via celular (meu celular de lanterninha). Mas quando estou conversando em grupo, acho que sou o único que está sóbrio, tentando se socializar, que ainda mantém o telefone no bolso e as mãos soltas. Mas eu sou o antissocial, vai entender…
Acho essa discussão de um mau humor danado….e aposto que quando Graham Bell inventou o telefone, tínhamos os céticos que acharam quer a humanidade iria acabar em uma década! E quando surgiram as histórias em quadrinhos, os pais diziam que aquele tipo de literatura iria derreter os cérebros da próxima geração……e assim vamos indo….no meu entender, os “selfies”nem são tão importantes assim….coisa meio comparada a sair de walkman nas ruas nos anos 80….tipo meio ridículo, mas a diversão é para os bem-humorados!!!
Jornalista é ridículo. Pega qualquer assunto idiota pra se achar poeta.
Antes de mais nada, ele não é jornalista. Procure se informar antes de escrever bobagens. E o artigo do sociólogo Marcelo Coelho é simplesmente perfeito!
Ass.: Eu sim sou jornalista
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Jornalismo é a atividade profissional que consiste em lidar com notícias, dados factuais e divulgação de informações. Também define-se o Jornalismo como a prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos atuais. Jornalismo é uma atividade de Comunicação.
Portanto como jornalista o Marcelo é um excelente sociólogo
Se tem algo ridículo, certamente não é o jornalista, muito menos o texto.
E ainda é membro do conselho editorial da folha. A imprensa vai de mal a pior mesmo.
Falta de pauta dá nisso né.
O articulista está certo. Não se trata de ultrapassagem de gerações, momentos das transformações. Trata-se de trazer e realçar o
perigo em que nos encontramos de desviarmos a atenção para futilidades, ficarmos presas de
tecnologias que nada criam de novo, então, esquecendo-nos que temos de ter diginidade e não presas de falsas ideias de
democracia que é isso aí de selfies e outras
bobagens para o povo gastar ajudando as
grandes empresas a enxugar dinheiro sem
dar nada que interessa de fato para nós
CERTÍSSIMO, PARABÉNS PELO ARTIGO. AS PESSOAS PERDERAM A NOÇÃO !!!!!
O que me impressiona mais no ser humano, é a capacidade de se importar com algo que não lhe diz respeito. Um senhor deste, por exemplo, vem criticar um simples comportamento que alguém quis ter, que ele não concordar e transformar isso em um caminho para um abismo sem fim. O que mais sei nesse meu pouco tempo de vida, é que nenhuma geração aceita a outra e não olha pro seu próprio rabo e não percebe que a sua própria geração modificou várias coisas que hoje nós estamos modificando também. O que mais me acalenta em todos esses conservadores é o fato deles estarem perto de pararem de trabalhar e conseqüentemente de resmungar e reclamar de tudo.
Belo comentário, Rubens Henrique Gonçalves de Lima! Alguns se sentem bem desconfortáveis quando algo novo surge em uma geração nova, não aceitam e querem que tudo seja como no passado, coisa bem de alguém obsoleto que vive fugindo da realidade.
CONCORDO COM VOCÊ, RUBENS, HÁ PESSOAS INFELIZES QUE CRITICAM, DISTORCEM, ENFEIAM TUDO O QUE VEEM. UÉ, QUEM QUISER FAZER “SELFIE”, QUE FAÇA, TÁ FELIZ, TÁ BRINCANDO?? POIS CONTINUE, QUEM NÃO QUISER VER AS FOTOS NO FACE, DELETE. FÁCIL ASSIM. ORA…
Gostei do texto! Penso da mesma forma que o autor e acho que essa tendência virtual cada vez mais afasta as pessoas do convívio social e dos prazeres que a vida nos proporciona.
Na verdade, acredito que os “selfies” apenas escancaram a futilidade que sempre existiu na vida das pessoas e antes ficava restrita ao convívio social do autor da foto. Hoje, há a necessidade de compartilhá-la, de forma imediata, ao “mundo virtual”, onde a “vida fictícia” quase sempre parece ser melhor que a “vida real”.
Corroboro tuas palavras! As pessoas não relacionam-se mais no mundo “real”. Frivolidades de uma sociedade Narcisista e superficial que foi construída e alimentada à ignorância do povo. Se estivessem se pós-doutorando não teriam tempo para bater foto de batata frita!
Que exagero! Que narcisismo coisa nenhuma. É tudo bobeira mesmo, diversão, as pessoas compartilhando momentos que consideram importantes, não é nenhum fenômeno social comprometedor para o futuro da humanidade. Adoro ver as fotos de comida, diversão na mesa, bebidas, etc. As pessoas se mostrando felizes.
Cara, como vc é mal humorado! E pq se importa tanto com o que os outros fazem? Quem fica tão incomodado com o que os outros postam numa rede social, sinceramente, não deve participar dela.
Flávia, minha querida, esse negócio de não deve participar é roubada… Francamente, as coisas não são assim. Participa-se porquê encontra-se na rede social algum potencial, por menor que seja ele. É fato que encontramos com a mesma facilidade as coisas torpes e idiotas…como exemplo… as Selfies… Até discordo do Marcelo em alguns trechos. Se você está em uma viagem, fotografe mesmo, a fotografia não está te privando daquele momento, muito pelo contrário, está prolongando. Eu mesmo sempre fotografo e filmo, quando acho conveniente, os eventos mais incomuns ou viagens… momentos com meus amigos… Posto depois, bem mais tarde, passado o momento. Uso para recordação, o objetivo principal da foto até onde eu sei… Sobre o Narcisismo, já não é de hoje, não é mesmo? Há tempos, já na popularização das câmeras digitais a tigrada vive a tirar fotos em qualquer espelho dando sopa. Mas uma coisa é certa, eu só escrevo baboseiras e continuarei a fotografar momentos que quero lembrar. E abusar das fotos com alto nível de espontaneidade.
Como rejeitar estes e outros atributos da era moderna, impossível, pois o capitalismo nos leva a isso a todo instante, se não leva você, levo o vizinho da frente e o vizinho do lado, criticamos constantemente a forma que nos comportamos, mas não fazemos esta crítica com a mesma constância sobre o meio socioeconômico em que estamos inseridos…Ou vamos achar que ele não traz nenhum efeito colateral, ou melhor, “natural”.
Fotos no espelho com o celular são extremamente fúteis e não passam de modismo. Fotos de comida então, a não ser que seja dono de uma empresa de alimentação, são desnecessárias. Uma coisa que também acho ridículo são as orações no facebook. Quem quer orar o faz sozinho, não posta na internet. E Deus com certeza não fica lendo facebook. Resumindo, pessoas que querem aparecer e acham que tudo tem que ser mostrado. Pessoas que querem receber “curtidas”, que querem chamar atenção. Destarte, tudo pode ser explicado por apenas três palavras: Modismo, narcisismo e egocentrismo!
e os solitários que viajam sozinhos e não tem amigos ou familiares para registrar seus momentos, sejam em viagens ou na mesa de um bar? o selfie é o companheiro do solitário. é um manifesto contra a solidão.
Bonito texto, gostei também do selfie no começo do blog com você sorridente..rsrs
Uma foto tirada por alguém ou foto de perfil é bem diferente de pegar o celular e tirar a própria foto ou tirar no espelho segurando o celular. Eita modismo! O que um faz, os aculturados seguem e assim por diante!
Tenho filhos adolescentes que tiram muitas fotos, fazem até cansar. Mas realmente são apenas fotos de si, dos amigos e de tudo em volta. Apenas fotos, muitas fotos porque a tecnologia assim permite. Fossem disponíveis os meios há 30 ou 80 anos atrás, seria do mesmo jeito. Bobagem é querer filosofar acerca de algo tão banal.
Os jovens “competem” com suas fotos, assim como com seus carros, suas roupas, dinheiro, etc. É próprio da idade. Já os adultos maduros tiram as fotos sem maiores pretensões.
Mas são somente fotos, mais nada.
O cara tem uma selfie de foto no perfil como colunista e está criticando as selfies. Vai saber…
NUNCA VI NINGUÉM FAZER UM SELF QUANDO É DEMITIDO OU LEVANDO UM CHIFRE.
Resumo fantástico da bestialidade “self”. Viajar é ver, sentir, respirar, tocar, cheirar e registrar tudo na memória. É isso que se leva da vida. Além de você mesmo, quem mais vê seu “selfie”? E se vê, o que acha? Melhor não se expor ao ridículo e viver a vida.
Concordo com a irrelevancia em tirar fotos de tudo e postar nas redes sociais…me parece um empobrecimento dos sentidos, um abuso da paciencia dos outros e talvez um pouco de narcisismo, mas com uma necessidade de mostrar…não basta a minha admiração TODOS PRECISAM VER E ACREDITAR que vivo tudo aquilo…Triste até… Mas por outro lado, um dia tirei umas fotos do meu apartamento, que adoro (não postei para ninguém, está apenas no meu celular), mas parece-me que o prazer de ver permite uma nova experiencia…é diferente estar, sentir e ver a imagem…