Leitura a jato
21/05/14 02:00Ainda faço parte dos que leem jornal impresso e livros de verdade. Reconheço a utilidade dos iPads e kindles; acho bom, mas não uso.
No fundo, é o mesmo livro e a mesma leitura. No máximo, tem a página iluminada e o tamanho das letras ajustável.
A experiência talvez se altere muito no futuro, se der certo uma tecnologia que fiquei conhecendo na internet. Chama-se “Spritz”, e há uma demonstração em português no site da companhia.
Eles prometem acelerar loucamente a velocidade de sua leitura. Funciona do seguinte modo.
No papel ou no Kindle, a página fica parada: nossos olhos é que percorrem cada linha. Seguem, é claro, a velocidade de nossos músculos, de nossa concentração, de nosso tédio.
Com o Spritz, perdemos esse controle, ou essa vagareza. Nossos olhos não se movem. As palavras é que aparecem, uma a uma, como flashes. Uma/palavra/de/cada/vez. Só que com uma velocidade alucinante.
Segundo os inventores da tecnologia, 80% do tempo de nossa leitura se perde em paradinhas minúsculas do globo ocular quando percorre uma linha escrita. Com o olho imóvel, é possível ler livros a jato. As palavras surgem e somem sem que precisemos fazer nada.
Achei muito tentador, mas é possível prever alguns problemas. Uma coisa é ver um texto curto correndo desembestado em sua direção, numa escada rolante maluca fornecendo alimento para o cérebro.
Outra é ler um livro inteiro desse jeito; provavelmente o excesso de velocidade traz o preço de um cansaço em tempo recorde. Penso também nos efeitos sobre a memorização.
Será que, quanto mais rápido o aprendizado, também mais rápido será o esquecimento? Sinto isso quando assisto ao noticiário da televisão. Basta o locutor dizer “boa noite”, que me sinto incapaz de citar mais de dois ou três dos fatos relatados. Tudo passou diante de mim; nada se gravou.
Imagino que o Spritz irá transferir para a leitura o que acontece na TV. Favorece a passividade do olhar; seremos lidos pelo texto. Pode até ser conveniente, em todo caso, e não exclui outros tipos de leitura.
Vai no sentido oposto, por exemplo, da interação da palavra com a imagem, a foto, a ilustração —outra tendência de que os nostálgicos do “texto puro” reclamam bastante.
Em vez de se dar no espaço de uma página, o texto surge como enunciação abstrata num lapso curtíssimo de tempo. Deixa de ser “coisa” para ser visto como “evento”.
E, como as palavras ganham independência, desaparecem as linhas. Não é o pior; meu medo é que, com isso, deixemos também de ler as entrelinhas.
Ninguém está dizendo, em todo caso, que será interessante ler Proust ou Thomas Mann na tecnologia do Spritz. O objetivo há de ser o relatório, o artigo, a notícia, desde que você não precise anotar nada nem fixar no cérebro os dados principais.
É o caso da grande quantidade de coisas que temos de ler apenas “para saber do que se trata”. Com um aplicativo qualquer, tenho acesso ao texto de dezenas de jornais e revistas do mundo inteiro.
Foi num desses, aliás, que tomei conhecimento do tal Spritz. É a solução para a angústia diante de tanta coisa interessante para ser lida.
“Lida”? Vale substituir por um termo da moda: “Explorada”.
Associa-se a outra palavra com que topamos o tempo todo: “Experiência”. “Explore a experiência da Fast Fly Air Lines.” Fica melhor em inglês: “The McNought Experience”, “the Keystone Experiment”, “explore the new Dandruff Project”.
“Exploramos”, desse modo, novas “experiências”, dentro de algum “projeto”. Até na música clássica a moda pegou. Antes, um maestro gravava a integral das sinfonias de Beethoven. Agora, ele lança os “volumes” de seu “Beethoven Project”.
Percebe-se facilmente que está em jogo, na verdade, o oposto do que essas palavras sempre significaram. Um “projeto” não é uma agenda, um cronograma, mas algo que se pretende fazer sem saber se vai dar certo ou não.
“Explorar” um território era atividade que pressupunha algum tipo de risco; não se confunde com uma visita guiada, um “sightseeing”, um “test drive” (que nunca testou coisa nenhuma, aliás).
“Experiência” exige algum tipo de esforço, de troca pessoal, de perda e ganho subjetivo. Na sua versão contemporânea, “experience” é algo como “vivência”, ou menos ainda; trata-se de sentir passivamente o que nos é proposto.
Desse tipo de experiência, não somos os sujeitos, mas sim as cobaias. Vamos sobrevivendo, com os pelos eriçados e as patinhas correndo sem parar.
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É a melhor dica “tec” do ano, e tem tudo a ver com os celulares relogios.
Parece trecho de roteiro do Cronenberg essa invenção. Abraço.
tomei conhecimento do Spritz por uma matéria nesta Folha no final de março, época que coincidia com a reta final de preparação para um exame de conteúdo muito extenso, apesar de nada muito profundo ser cobrado. procurei aplicativos de leitura dinâmica já disponíveis para dispositivos da Apple e encontrei o Hermes. a utilidade foi inversamente proporcional à complexidade do estudado. serve para leitura de manuais, de textos noticiosos sem muitos detalhes etc., ou seja, para a leitura-ferramenta. para a leitura-cachaça, não abro mão de livros físicos e do jornal impresso.
abraço.