‘Junho’
28/05/14 02:00Para marcar o primeiro aniversário das manifestações de 2013, o documentário “Junho”, de João Wainer, terá lançamento simultâneo nos cinemas e na internet (via iTunes) no próximo dia 5.
O filme, que tem produção da “TV Folha”, haverá de produzir reações quase tão desencontradas quanto o próprio movimento. Vai aqui a minha opinião.
A esta altura, acho que o mais interessante a discutir seria não como tudo começou, mas por que não foi adiante.
Seria, talvez, o tema para outro documentário, não o que João Wainer quis fazer. Ele privilegiou as imagens vibrantes da rua. Na primeira metade do filme, a montagem é rapidíssima, procurando transmitir o clima das manifestações iniciais, com a câmera ao rés do chão.
O desafio, que “Junho” vence com inteligência, é manter-se equilibrado em meio a tantos solavancos. Mostra muito bem a revoltante violência da PM, sem deixar de ouvir, em pleno calor das passeatas, o que dizem os soldados.
Seguem-se imagens, gravadas bem de perto, dos saques a uma loja de eletrodomésticos —claramente propiciados, como diz um entrevistado da “Mídia Ninja”, pela intencional omissão das forças de segurança.
Mas é a partir daí —e quando alguns grupos tentam invadir a prefeitura, o Palácio dos Bandeirantes e, que sei eu, o Congresso, o STF, até o Itamaraty— que o documentário perde o foco.
Como tantas vezes acontece, uma minoria radicalizada termina desencadeando o naufrágio dos movimentos de transformação. Não penso apenas nos “black blocs”, que fizeram às autoridades o favor de tirar a população das ruas e legitimar a violência policial.
Ainda não foi esclarecida a suspeita de que forças ligadas ao crime organizado ou à própria polícia tenham tido sua parte nos estragos; no Rio de Janeiro, pelo menos, o quebra-quebra na Assembleia Legislativa levantou hipóteses nesse sentido.
O governador Sérgio Cabral, cujo histórico de papelões não se limitou ao mês de junho de 2013, não aparece no filme, centrado excessivamente em São Paulo.
No capítulo das omissões, acho importante lembrar que Dilma Rousseff não fez apenas, em seu discurso pela TV, uma explicação sobre os gastos da Copa do Mundo e uma conclamação à paz esportiva.
Lançou, e eu achava que estava certa, a proposta de uma Assembleia Constituinte para promover uma reforma política. A ideia foi bombardeada de todos os lados, sendo invocado o argumento, a meu ver puramente formal, de que uma Assembleia Constituinte não pode ter limitadas as suas funções. Bem, que se mudasse o nome então.
O fato é que tanto a camada governante quanto as próprias lideranças originais do movimento —focadas na questão das tarifas de transporte— perderam a oportunidade de dar uma saída política para o que aconteceu.
Ficou-se, como disse com bom humor o poeta Sérgio Vaz, entrevistado em “Junho”, num estado de “ejaculação precoce”: houve muito prazer nas preliminares, mas a transformação real não foi adiante.
De certo modo, o documentário de João Wainer acompanhou, na sua própria estrutura, esse desencanto. Torna-se mais lento e repetitivo a partir da segunda metade.
Não pelas razões corretas, todavia. O certo, na minha opinião, seria acompanhar o declínio do movimento, até a desmobilização quase completa. Em vez disso, “Junho” quis terminar numa espécie de alto astral.
O foco do documentário muda para a Copa das Confederações. Vemos o momento, por certo emocionante, em que toda a torcida canta sozinha o Hino Nacional, mesmo depois de terminada a gravação da banda sinfônica, na final do campeonato.
Cubra-se a tela, enfim, de multidões vestidas de verde e amarelo. Por mais que o comentarista Juca Kfouri assinale que o entusiasmo pelo futebol não abafa o descontentamento geral, o filme termina substituindo uma coisa pela outra.
É ao mesmo tempo uma retrospectiva das manifestações e um “esquenta” para a Copa do Mundo, a ser distribuído para uma plateia internacional.
Haveria tempo para falar de tudo? Para mostrar, ainda que o caso tenha ocorrido depois de junho, a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão? Para saber se algum policial foi punido pelas barbaridades cometidas?
Talvez se pudesse economizar, diminuindo um pouco a quantidade de comentaristas e politicólogos entrevistados no filme. Mas é hora deste comentarista dar o exemplo e ir parando por aqui.
O ponto triste das manifestações foi a revolta contra os manifestantes que levaram bandeiras dos partidos. Agora não é proibido proibir.
estou do outro lado do mundo e, mesmo assim leio sua coluna.
Sua analise eh otima (teclado sem acentos), o documentario eh mais dificil que a ficcao.