Isso passa
04/06/14 02:00Li algumas vezes o artigo de Nuno Ramos, publicado quarta-feira passada na Folha, e continuo sem entender direito o que ele quis dizer.
Ele transmitiu, com espírito associativo de artista, as inquietações vagas de muita gente a respeito do futuro do país. Mas retratar sentimentos nebulosos é insuficiente —e o artigo termina com um lance retórico de alto impacto: “Suspeito que estamos fodidos”.
A graça da coisa está em preparar secretamente o leitor para esse estampido final. O texto inteiro acumulava uma série de “suspeitas”, com os parágrafos começando de maneira idêntica, para tratar das coisas mais variadas.
Nuno Ramos “suspeita” que a violência seja o tema principal da sociedade brasileira, encadeia isso a uma associação com a estreiteza das praias urbanas, com os shows de Luciano Huck, com a falência do tropicalismo, com a falsa intimidade da dupla do “Jornal Nacional”, com a dívida que temos em relação a “priápicos” e “tiozinhos de padaria”.
Expostas essas “suspeitas”, e outras mais, vem a conclusão (ao mesmo tempo inapelável, arbitrária e conjetural): “Suspeito que estamos fodidos”.
Não digo que estejamos ou não. Acho apenas que o efeito da última frase depende muito pouco do que veio antes. Ou melhor, sinto falta de encadeamento lógico no artigo —que acumula coisas como uma instalação.
Por certo, a violência na sociedade brasileira é e sempre foi muito grande. Uma das obras mais marcantes de Nuno Ramos, aliás, foi a instalação “111”, cujo motivo era o massacre dos presos do Carandiru, em 1992.
Estamos hoje pior do que em 1992? Ou 1971? Não sei dizer; a novidade, em nossa ampla história de massacres de presos e torturas, talvez seja a de que a violência se reveste de bandeiras políticas contraditórias.
Os generais negavam que houvesse tortura. O governador Fleury nunca disse que desejava a morte dos presidiários. Hoje, quando amarram um menor de rua pelado a um poste, há quem aplauda. À esquerda, os black blocs defendem atos violentos contra “a violência dos bancos”.
Essa nova “ideologização” da violência, com a defesa do linchamento imediato de delinquentes, ou a irrupção de vandalismo em movimentos que até a véspera eram pacíficos, teria então a ver com o que Nuno Ramos chama de “sentimento de agoridade” que assola o país.
Será por isso que ele “suspeita” da necessidade de “maior lentidão e inércia”? Será uma proposta política, uma proposta moral ou uma proposta estética?
Mas Nuno Ramos passa a outro assunto. Há prédios feios e desconectados da cidade (com o que concordo plenamente). Desconectados porque a classe média teme a violência? Mas por que acrescentar a ideia de que o Instituto do Patrimônio Histórico está aliado à especulação imobiliária?
Segue-se a “suspeita” de que há crueldade nos programas de TV. Mas isso é antigo, como Nuno bem sabe; ao lembrar-se de que Chacrinha jogava bacalhau na plateia há 40 anos, ele dá mais uma volta.
Os tropicalistas gostavam dos despautérios de Chacrinha, mas o tropicalismo talvez “tenha naturalizado nossa indústria cultural até um ponto sem retorno”. Seria agora o momento de “perceber o tiquinho de crueldade” que havia nos programas de auditório.
O que isso significa? Que antigamente seria aceitável flertar com a indústria cultural, e agora não mais?
Mais adiante, Nuno Ramos “suspeita” que o Plano Real e o Bolsa Família não estejam distantes do “imaginário desenvolvimentista” da ditadura militar. Sim? Não? Talvez?
Será, por fim, verdade que privatizaram “a risada e o pôr do sol”? Devemos reclamar do fato que o lado positivo da vida está a serviço de interesses comerciais? Será que devemos reivindicá-lo para nossa arte, nosso jornalismo, nossa política?
Não digo que, com este último suspiro, Nuno Ramos esteja propondo que se abandone o espírito crítico. É seu espírito crítico que parece não achar exatamente um alvo.
A melancolia corresponde a uma perda de objeto: algo entre 1970 e 2014, não sabemos, está ou estava certo ou errado, mas de todo modo o país não tem volta. A sociedade se acelera; Nuno Ramos quer mais lentidão.
Suspeito que seu mal-estar tenha a ver com a emergência de novos atores sociais; suspeito que tenha a ver com certa angústia pré-Copa do Mundo; com a desaceleração do crescimento; com a ressaca de junho; suspeito que a melancolia passa logo.
Suspeito que o jogo é esse, a polarização. E nós tranvestidos de, temos posições flamenguistas ou corintianas. Só entendemos o que é espelho.
Eu entendi tudo o que o Nuno Ramos escreveu em seu artigo. Porém, não compreendi nada o que o Marcelo Coelho escreveu neste daqui.
Ah, eu suspeito que, independente de qualquer concatenação lógica, o Brasil está na beira do abismo. Mas há suspeitos querendo negar, veladamente, suspeitando de outras pessoas, não tão suspeitas quanto sugestiona o suspeitante.
Nunca acreditei nisso, nesse abismo que alimenta os a favor e os do contra. Ditadura, Collor, FHC, Lula e nem a Dilma me farão desacreditar em nós brasileiros. Em um povo que para beber água caminha léguas, que para trabalhar acorda as 4 da manhã para chegar às 7. Enquanto os podres poderes confirmam a incompetência do Estado. Estado necessário porque homens e mulheres não se libertaram das amarras invisíveis de torcida fanática e do egoísmo irracional.
“Emergência de novos atores sociais”? Eu suspeito que esse seu artigo esquerdou legal. Um pouco deselegante para quem é membro do Conselho Editoral da FOLHA.
Mas é só uma suspeita. Não há nenhuma conclusão….
Marcelo: você maldosamente, como sempre, quis tirar o brilho do texto de Nuno Ramos.
O artista conseguiu produzir um curto circuito no pensamento dos leitores, enquanto você só conseguiu atingi-los com os toques reiteradamente ferinos da sua inteligência crítica.
Marcelo Coelho, o idiota da objetividade clássico. Nelson Rodrigues manda lembranças.
Elienai: o clássico idiota da internet. Incapaz de argumentar, só debochar.
Muitos esqueceram que o salario mínimo e 700 e tralala por tanto este assunto que a maioria ganha 1,120 e classe media ,isto ai e historia para boi dormir , as pessoas tem que se informar mais antes de colocar seu parecer em redes sociais ,por que fala serio estamos lendo tantas tolices o qual foge da realidade do nosso brasil, não vou dizer que e ruim não tudo serve de crescimento ao próximo….
Suspeito que entendi e compreendi o texto Nuno Ramos. Mas suspeito que, realmente, não compreendi e entendi nada, absolutamente, nada do texto de Marcelo Coelho.
Suspeito nao ter havido entendido bulhufas o literário pos moderno texto do Nuno Lisboa, mas que me provocou certo tipo de salutar incomodo . Suspeito que eh a leitura se assemelhou a uma obra de arte moderna, que so anos AA frente fara sentido, e nao agora. Bom, eu sou suspeito ao tecer comentários que não eh da minha competência Valeu o texto Marcelo. Suspeito ter mais suspeitos suspeitando de quem suspeita( Nuno]. Suspeita ou Morte !
As vezes acho que estamos… outras vezes não… temos bolsa família -eu não-, mas muita gente tem e não quer trabalhar com carteira assinada. No Brasil , diz o governo, quem ganha R$ 320,00 – R$ 1.120,00 é classe média, portanto, vamos comemorar. Não estamos fodidos, é muiiiiiita gente. Todavia, vem a musa do PT Marilena querendo exterminar a classe média e os petistas morrem de rir, aplaudem, enchem o peito de orgulho esquecendo que o país classe média é uma OBRA deles. Nessa hora estamos fodidos.
A “instalação” de Nuno Ramos funcionou muitíssimo melhor do que qualquer “encadeamento lógico” (estamos abarrotados deles) teria propiciado (nesse sentido, sua crítica deveria ter oferecido aos leitores um link para acesso direto ao texto criticado).
Como analista político, o Sr. é um excelente crítico literário
Excelente comentário, RBN. O sr. Marcelo Coelho perdeu uma ótima oportunidade de passar ao largo de uma maneira de apresentar idéias … que ele definitivamente não domina!…Percebe-se em todo o texto frustradas tentativas de ordenar de forma “lógica”percepções misturadas e sem uma conclusão final…que realmente é desnecessária. Se as pessoas tivessem ao menos a lentidão necessária à reflexão, o brilhante texto de Nuno Ramos já teria cumprido o seu propósito!!!