Nicolau Sevcenko
14/08/14 19:00Quando a morte de alguém importante aparece no jornal, já estamos mais ou menos preparados para a leitura: a notícia já circulou, diminuindo o choque da letra impressa.
Meu susto, ao ler o jornal de hoje, foi dar com outra morte, ocupando página inteira do “Cotidiano”: a do historiador Nicolau Sevcenko, aos 61 anos. Conheci-o na “Folha”, em meados da década de 80; tinha sido convidado para escrever editoriais no jornal, o que fez com brilho no mesmo dia –mas não tinha disponibilidade, naquela época, para um compromisso regular na atividade.
Era muito magrinho, jovem, simpático e esquisito. Depois ele me contou que, na infância, fora forçado a escrever com a mão direita. Sendo um caso extremo de canhotice, isso viria a atrapalhá-lo bastante. Era comum que gastasse várias folhas de cheque antes de preencher uma corretamente. Trocava letras e números o tempo todo, e na própria postura física e na expressão facial trazia as consequências dessa reorientação neurológica forçada.
Parecia, ao mesmo tempo, absolutamente confortável no mundo. Chegou à Folha com um paletó preto justo, camisa acho que xadrez, e uma gravatinha moderníssima, não sei se de couro ou de borracha; na lapela, uma estrela vermelha do PT.
Era o tempo do “PT light” e charmoso, atraindo pessoas com simpatias libertárias e visceralmente anti-estalinistas. Era também o tempo em que a intelectualidade da USP ia ficando mais “pop” e roqueira. Sevcenko era um historiador acadêmico respeitado, mas seu figurino e atitude nada mais tinham a ver com o jeito mais enfarruscado, quase de ex-militante argentino, que era (e talvez ainda seja) característico da área de humanas da USP.
Nesse mesmo espírito dos anos 80, Sevcenko se destacou por eleger a história cultural, especialmente o campo da modernidade urbana, como objeto de estudos. Tomava-se um fartão (pelo menos era o meu sentimento na época) de estudos coloniais e discussões sobre economia sucro-cafeeira. “Orfeu Extático na Metrópole” (um livro que critiquei na época, e não mudo de opinião) tinha o mérito de destacar assuntos menos austeros, como a paixão pelo futebol nos anos 20…
História do cotidiano, história das mentalidades. Walter Benjamin. Maio de 68. Desse caldo iam surgindo, pela editora Brasiliense, os livros de Sevcenko, de Olgária Matos, de Nelson Brissac Peixoto –e, naturalmente, já pela Companhia das Letras, o de Marshall Berman. Isso, mais as coleções “Encanto Radical” e “Cantadas Literárias” (Marcelo Rubens Paiva, Leminski, Reinaldo Moraes) ia formando uma geração –e Sevcenko foi uma de suas estrelas.
Fui aluna do professor Nicolau Sevcenko na PUC/SP, nos anos 80. Ele me mostrou como a História poderia ser entendida através das artes plásticas e da literatura. Sinto-me privilegiada por ter convivido com o professor Nicolau. Também na PUC suas aulas eram lotadas, inclusive de alunos de outros cursos. Obrigada professor!
Nicolau….. grande Nicolau… aulas inesquecíveis, salas lotadas com ouvintes até no corredor, todos com olhos e ouvidos sedentos por suas palavras sempre pertinentes e ao mesmo tempo surpreendentes. Risos, surpresa, e escutávamos sua famosa frase: “Oh My God!” seu jargão tão conhecido quanto imitado em toda a USP.
Ao redigir nossos trabalhos, sempre pensávamos como será que o Nicolau irá entender? e sempre..sempre mesmo ele nos surpreendia com seus comentários a mão em cada trabalho…. sentiremos sua falta mas as sementes que deixou em seus alunos perpetuará!!! Kiss my teacher!
Compartilho do privilégio de ter sido aluna do Prof. Nicolau Sevcenko no Departamento de História da USP. Hoje, sinto uma tristeza muito grande pela sua morte tão prematura. Ele era brilhante, suas aulas lotadas, inspiradoras, um grande pensador…
Assisti a aulas do professor Nicolau na FFLCH, salas sempre apinhadas, não só por alunos da sua disciplina, mas por inúmeros ouvintes de outros cursos da USP, porque o brilhantismo das suas exposições desfazia as fronteiras artificiais do campo das Humanidades e ultrapassava os limites da chamada História. Até quem discordava dele não deixava de admirar-se com a sua sempre terna atenção para com os interlocutores. Intelectual e mestre memorável. Valeu, grande Nicolau!
Que notícia terrível… Realmente o professor mais inspirador, anárquico e radical que já tive… Começava uma aula perguntado qual a similaridade das formas amebóides de Juan Miró com a Torre Eifell… Ficávamos boquiabertos e dizíamos que aquela questão ele não conseguiria desenrolar… E saíamos surpresos e agitados com sua argúcia para conectar coisas que pareciam tão distintas… Foi um exemplo de como podemos tentar usar nosso cérebro para bem mais do que um dia a dia cinzento e sem graça em nossas existências únicas… Professor obrigado por abrir um mundo para nós e certamente nos veremos por aí nas dobras do tempo… Vaia com os deuses…
Estudamos juntos na década de 60, na época era o curso primário, no Colégio São Miguel Arcanjo de Vila Zelina. Grande perda!!!
Compartilho do sentimento do colega Mauricio Viellas. Também me sinto privilegiada por ter assistido aulas com o professor Sevcenko. Aulas incríveis. Salas lotadas na FFLCH. Gente no corredor. Ninguém se levantava. Ninguém saía antes. Momentos que jamais esquecerei. Vá em paz, professor!
Fui aluno do professor Nicolau Sevcenko na FFLCH e sempre me recordo dele como um dos melhores professores que já tive. Hoje posso me considerar um privilegiado. Suas aulas eram brilhantes e cativavam os alunos, em qualquer circunstância. Certa vez recordo que a sala estava cheia, e o Professor Nicolau não aparecia. Passados 40 min ele chegou esbaforido, pedindo desculpas pelo atraso. Havia caído no sono na sua sala, devido ao cansaço, e perdeu a hora. Nenhum dos alunos havia ido embora. Essa era o carisma do Professor Nicolau Sevcenko e suas aulas.