O Mercado de Notícias
21/08/14 16:55Sou naturalmente suspeito para comentar “O Mercado de Notícias”, documentário de Jorge Furtado sobre os problemas da imprensa brasileira.
Fiquei bastante embaraçado com uma das principais “descobertas” do filme: uma matéria escandalosamente errada que saiu na “Folha” há anos, apontando a existência de um quadro de Picasso na parede de um corredor burocrático do INSS.
Não era um Picasso autêntico, evidentemente, e a ideia da notícia –mostrar o descaso do poder público com o próprio patrimônio—caía por terra.
Não me lembro de ter visto a reportagem, que saiu com foto e tudo. O suposto quadro de Picasso era a reprodução de uma obra razoavelmente famosa, de um museu em Nova York, e quero imaginar que eu teria reconhecido o engano. Só agora, passados anos da notícia, saiu na “Folha” um “erramos” sobre o caso.
É um dos momentos mais interessantes do filme, ainda que incômodos para quem é da Folha.
Mas “O Mercado de Notícias” (veja horários no Guia da Folha) não se dedica muito ao divertido recenseamento dos deslizes jornalísticos. O principal do filme –e aqui surge um segundo motivo para minha suspeição ao comentá-lo—está numa série de entrevistas com jornalistas, seja os da grande imprensa (Fernando Rodrigues, Renata Lo Prete, Cristiana Lôbo), seja os que a criticam (Mino Carta, Luis Nassif, Raimundo Pereira).
Para quem é jornalista, muitos dos temas abordados nessas entrevistas trazem pouca novidade. “Existe imparcialidade?” “Existe liberdade de expressão nos grandes jornais?” “Os interesses econômicos prevalecem sobre a verdade?” “O que é verdade?”
Há opiniões radicais, e outras menos, sobre isso. Talvez para o público mais amplo seja interessante ouvir tantos jornalistas expondo seus pontos de vista. De minha parte, acho que tudo termina abstrato demais, com frases que tendem à exposição de princípios ou de julgamentos já consolidados.
Talvez sabendo desse risco, Jorge Furtado entremeia os depoimentos com cenas da montagem de uma peça, intitulada justamente “O Mercado de Notícias”, escrita por Ben Jonson (1572-1637). É outra descoberta muito boa do diretor –além do caso Picasso. A comédia mostra um jovem perdulário que se envolve na empreitada de comprar e vender “notícias”, (“novidades”?) numa época anterior à da consolidação dos jornais tais como os entendemos hoje.
Vendo a peça e pensando nos jornais de hoje, pode-se sempre traçar aquele gênero de paralelos que leva uma pessoa a dizer: “puxa, já naquela época, hein!” Mas a aproximação não é das mais esclarecedoras, e novamente escapamos do concreto, do real, para um plano de julgamentos mais ou menos fáceis.
Como a perspectiva adotada é sempre a da generalidade, é um alívio quando se vê Luis Nassif, por exemplo, apontar um caso específico de miopia jornalística. Ele se refere à excessiva atenção dos jornais com respeito às oscilações do mercado financeiro, e de que modo se deu pouca importância a uma queda violentíssima na venda de máquinas agrícolas, em 2008 se não me engano.
Mais exemplos como esse enriqueceriam o filme de Furtado.
Sem dúvida, o grande exemplo, que “O Mercado de Notícias” recalcou, não é o das máquinas agrícolas. Metade dos entrevistados, mais ou menos, considera que os jornais perseguem o governo do PT, e teria longas considerações a fazer sobre o caso do mensalão.
Imagino que um filme sobre “os problemas da imprensa” sequer teria sido feito nos tempos de Fernando Henrique, quando choviam denúncias contra os tucanos.
A vontade implícita deste documentário é colocar em questão uma imprensa que foi duríssima contra Lula. Por que não falar disso de uma vez? Curiosamente, o tema do mensalão foi recalcado, abafado, suprimido (auto-censurado?) em “O Mercado de Notícias”. Por esse cuidado do diretor, que talvez tenha querido parecer “apartidário e independente”, o filme me pareceu ficar girando na periferia de seu assunto real.