As barbas de volta
27/08/14 02:00Comecei a reparar no fenômeno durante a Copa do Mundo. Não era apenas o italiano Pirlo (esse usava uma barba aparada, de arquiteto, de economista ou apresentador de TV). Alguns jogadores gregos —ou croatas, não sei bem— mais pareciam seguidores de Bin Laden, tal o comprimento de suas barbas.
Primeiro, tivemos a moda das cabeças raspadas. Seguiu-se, e agora diminui, o capricho de apresentar um penteado diferente a cada jogo —do moicano ao garnizé.
A moda vai deixar saudades, porque ao menos permitia variações divertidas. Não será apenas por motivos religiosos que imensas barbas pretas entram em campo, quase todas iguais.
Não se limita, é claro, aos jogadores de futebol. Talvez signifique a rejeição definitiva da metrossexualidade, já um pouco “out” desde a aposentadoria de Beckham, e mais ainda depois do fracasso de Cristiano Ronaldo.
Um aspecto mais bárbaro, e por enquanto bastante avesso à estética publicitária, ganha força no jovem público masculino.
Razões políticas podem estar presentes. Depois de tanto tempo cultuada, a imagem de Che Guevara sai das paredes.
Passemos, terá dito alguém, da teoria à prática! Dos contestadores com rosto de anjo, dos atletas de brinco e dos skatistas críticos do sistema, transita-se para uma versão mais enfezada e radical.
A volta da barba grande coincide, não sei se por acaso, com o retorno a táticas mais violentas de protesto. Assim como as balaclavas, a barba corresponde ao desejo de dificultar a identificação policial.
Claro que a explicação não se resume a isso. Nos anos 1970, a barba era ao mesmo tempo uma defesa do “mundo natural” —onde não vigorasse a obediência às convenções repressivas da gilete e do sabonete— e uma homenagem aos mestres pensadores do passado: Marx, Darwin, Freud.
Não deixa de ser estranho, aliás, que uma das épocas mais repressivas em termos de sexualidade, como a vitoriana, tenha conhecido tamanha exacerbação da pelagem masculina.
A respeitabilidade do adulto se impunha, talvez, pelo ato de marcar sua completa diferença com relação à criança e ao adolescente. A partir dos 25 ou 30 anos, o homem aparecia com uma barba capaz de fazê-lo parecer um sábio de 60.
Raspar o próprio rosto terá surgido, aí por 1920, como um ato liberador. Barbas cerradas tinham os combatentes nas trincheiras da Grande Guerra —os chamados “poilus”, “peludos”. O rosto glabro talvez correspondesse a uma nova vida, ou à tentativa de recuperar a própria mocidade, violentada no “front”.
Seria, ademais, uma rejeição a tudo o que houvesse de brutal e autoritário naqueles governantes de antigamente: o rei da Inglaterra, o czar da Rússia, o imperador austríaco com suas imensas suíças brancas submergiam no passado, depois que o quase adolescente Gavrilo Princip —um mal esboçado buço no rosto— desferira seus tiros em Sarajevo.
A surpresa, neste centenário da Primeira Guerra, foi ver em alguns lugares a volta de barbas barrocas, enceradas e ostensivas. Recentemente, no aeroporto, vi um rapaz de ares europeus levando avante seu bigode de pontas para cima, no estilo do kaiser Guilherme 2º.
Aqui, nada de contestação de esquerda parece estar em jogo. O estilo é imperial, retrógrado, prussiano.
Alguma saudade do século 19 já se manifesta há tempos. A onda do “steampunk”, por exemplo, associa cartolas, locomotivas a vapor, parafernálias de Júlio Verne a uma música de rock sutilmente cômica.
O Sherlock Holmes de Robert Downey Jr. e “A Invenção de Hugo Cabret” elaboram esse gosto pela tecnologia antiga. É a velha Europa que, mais uma vez, estrebucha, cem anos depois da Primeira Guerra.
Mas é também o Velho Testamento que renasce. Com barba bíblica e manto de rabino, Edir Macedo inaugura seu Templo de Salomão num estilo que não é mais o de quem deseja identificar-se com o empresariado moderno.
Não se trata propriamente de um figurino reacionário. É o fundamentalismo, em inúmeras versões, o que vai sendo apropriado pela moda destes dias. Guevara, Moisés, Darwin, Guilherme 2º renascem na exaustão da modernidade “clean”.
Na culinária, depois de longa ausência, molhos espessos substituem a limpeza minimalista da “nouvelle cuisine”. Com os molhos, vêm as barbas. Não é a combinação mais inteligente, em termos de modos e de higiene à mesa —mas eis um sinal, sem dúvida, de que a racionalidade está mesmo saindo de moda.
Sempre mantive minha Barba. Independente de modismos.
Em abril a folha publicou exatamente o contrario: http://f5.folha.uol.com.br/humanos/2014/04/1442339-moda-de-barba-e-ciclica-e-ja-atingiu-seu-auge-diz-estudo.shtml
Porem tinha embasamento cientifico. Desta vez não tem.
Você está atrasado, isso é uma característica dos hypsters e já está caindo em desuso. Tipo, bregueando.
Não raspo minha barba por nada desse mundo…