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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Marilena Chauí e as manifestações

Por Marcelo Coelho
28/06/13 17:35

Entre várias coisas requentadas e outras interessantes, a filósofa escreveu sobre as manifestações no site da Fundação Perseu Abramo. Eis um trecho, que a meu ver caracteriza a difícil situação retórica da autora. De um lado, ela não pode ser contra um fenômeno que, bem ou mal, se inscreve numa linha histórica de movimentos a que, antigamente, o PT pertencia. De outro, ela não se solidariza com os acontecimentos..

Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos Poderes Executivos municipais, estaduais e federal, assim como as do Poder Legislativo nos três níveis. Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência, indicando uma nova possibilidade de práxis política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.

Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes. Com isso, podemos fazer algumas indagações. Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios têm ideia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade) têm ideia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?
——-
“Resultado de sua própria ação, isto é, de suas famílias” é uma pérola. Enquanto tantos petistas, durante o julgamento do mensalão, descobriram as virtudes do direito burguês, com o saudável princípio da individualização da pena, Marilena Chaui volta aos raciocínios da culpa de classe…
Ela finaliza com algumas perguntas aos manifestantes. Diz que suas considerações

não são gratuitas nem expressão de má vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano, e portanto enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte, que, como todos sabem, não se relacionam pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?
estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?
estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?
estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

Poderia perguntar, por último: “estão dispostos a se filiar ao PT?”

Ela continua:

Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela prefeitura e que não faria o subsídio implicar cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo. Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota. Depois disso, em inúmeras audiências públicas, apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio. Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial e territorial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio junto com outros recursos da prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU.

Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei. A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada. Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra ela. Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.

 

Um último comentário. Também acho que dificilmente a tarifa zero poderá ser implantada, e que haveria uma imensa grita contra o necessário aumento dos impostos para os ricos. Mas acho que Marilena Chauí é refém de outro “Pensamento Mágico”, além daquele que atribui aos que acham o facebook capaz de mudar o mundo.
O PT é o seu grande fetiche. Fora do PT, as mudanças sociais são impossíveis, criticáveis, reféns da mídia e podem desandar em fascismo. Falta perguntar, todavia, se Fernando Haddad estava transparente e certo quando disse que seria impossível baixar os 20 centavos da tarifa.
Por outro lado, a proposta de Erundina não prosperou, entre outras razões, porque não houve mobilização –como a de hoje– capaz de se contrapor às reações da direita. Não é preciso dizer a Marilena Chauí que, conforme o momento histórico, uma reivindicação pode morrer ou se transformar em conquista. Mas, dada sua lealdade ao PT e a Erundina, ela transforma a experiência histórica em fetiche: o que não ganhou nos anos 90 não terá condições de ser vitorioso mais de 20 anos depois.

 

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Literatura sem catracas

Por Marcelo Coelho
28/06/13 12:40

pinterest.com

Avolumam-se os protestos, de variada ordem, contra o governo federal. Na esteira do movimento “catraca livre”, recebo por email esta denúncia.

Ministério da Cultura discrimina livros de literatura erótica
na análise de projetos da lei Rouanet

Lasciva é como assina a autora Helena de Almeida, que há mais de dois anos mantém o site lasciva.blog.br, onde publica contos eróticos e conteúdo sobre sexualidade. Ela está produzindo um romance baseado em fatos reais e quer também transformar em livro os seus contos publicados na internet. A fim de buscar incentivo à sua produção, a autora decidiu inscrever o projeto dos seus livros na lei Rouanet.
“Percebi que teria um tratamento especial do Ministério da Cultura assim que fiz a inscrição do projeto que chamei de ‘Coleção Lasciva’. Logo em seguida, recebi um email da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura questionando a natureza cultural do projeto”, explica Helena, que é também consultora de elaboração de projetos culturais para leis de incentivo. “Em cerca de quatro anos, já inscrevi na lei Rouanet mais de quinze projetos para diferentes artistas. Todos foram aprovados. O único projeto de minha autoria que vi ser indeferido até hoje foi o dos meus livros”.
Em resposta ao questionamento inicial do Ministério da Cultura, a autora esclareceu que “o objetivo principal deste projeto é a realização de duas obras literárias. Em suma, estamos considerando que o conteúdo produzido trata da realidade brasileira contemporânea, que receberá um tratamento artístico e será transformado em produtos capazes de consolidar a memória de um aspecto do atual contexto – o comportamento e o relacionamento dos jovens, abrangendo os dilemas subjetivos ali envolvidos.”
Dessa forma, o projeto foi aceito para análise. Porém, depois de mais de seis meses, ele nunca foi sequer levado a uma reunião da CNIC – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, última instância na avaliação de projetos culturais, que aprova mais de 500 projetos por mês. O parecerista a princípio cortou mais da metade dos itens solicitados no orçamento inicial, alegando indeferimento por corte de mais de 50%.
“Muito estranho cortarem do orçamento os custos com o blog e apontarem mídia de internet como ‘excessiva e irrelevante’ para um projeto incentivado. Afinal, custos com a divulgação do projeto cultural estão previstos em lei”. A justificativa para eles negarem a aprovação do site é que é “trata-se de uma peça de autopromoção da proponente”. No entanto, a grande maioria dos projetos aprovados na Lei Rouanet contemplam site do artista.
“Isso é estratégia de divulgação. Qualquer site de artista é autopromoção. Então o argumento não é válido. Eu poderia ter contestado esses cortes, mas como queria apenas produzir meus livros, entrei com recurso solicitando a aprovação do projeto com o orçamento sugerido pelo parecerista. No novo orçamento, deixei só os itens que, em teoria, estavam aprovados”.
Certa de que bastaria adequar-se às exigências do Ministério para ter seu projeto aprovado, Helena teve outra surpresa ao ver o novo parecer emitido pela Fundação Biblioteca Nacional. Referindo-se a ela como “baladeira”, o parecer aponta como razão da desaprovação o fato de seus livros serem também “peça de autopromoção da proponente”. Seu orçamento apresentado em recurso foi simplesmente ignorado, conforme exposto pelo parecerista: “A proponente, em resposta à diligência, remeteu nova planilha orçamentária não analisada no presente parecer.”
“O segundo parecer sobre o meu projeto sugere que sou uma puta que só quer se promover. Ele usa como único argumento para indeferir o projeto o fato de que não tenho carreira literária. No entanto a lei Rouanet não impõe qualquer restrição a artistas iniciantes, pelo contrário: todos têm teoricamente os mesmos direitos legalmente assegurados”, reclama a autora.
“Não quero depender de recursos incentivados para conseguir lançar meus livros. Quero apenas o direito de pleitear patrocínio ao meu projeto, como qualquer escritor”, declara. “Dá impressão que o MinC não está acompanhando as tendências da literatura mundial. Nem parece que o ministério é dirigido por uma sexóloga. Vou dar um jeito de levar até a Marta Suplicy a discriminação que estou sofrendo dentro do próprio governo. Quero saber o que ela acha disso”.
Seguem abaixo o trecho do parecer do Ministério da Cultura e os trechos do projeto que ele distorce.

Parecer da Fundação Biblioteca Nacional – FBN:
PARECER de RECURSO
Novo parecer técnico em atendimento ao Despacho n° 1.084/2013-COAP/CGAPI/DIC/SEFIC/MinC
Projeto negado por não enquadramento na Lei 8.313/91, no art. 3 e no art. 18, por ser “peça de autopromoção da proponente”, e por corte superior a 50% do orçamento solicitado.
A proponente, Helena de Almeida Cardoso Brandi, “baladeira”, “blogueira” que “assumiu uma persona virtual, se permite extravasar desejos, quebrar regras de condutas sociais e causa estranheza ao revelar não sentir qualquer pudor”, não possui carreira literária. Trata-se da obra de estreia da autora que prepara ainda um “Guia de Sexo Ilustrado” (resposta à diligência).
“Comecei a me relacionar com diferentes homens na rua, para testar a minha reação e o que achava disso. Bati meu recorde: sete caras num mês. Vi que tinha gostado mesmo de poucos. Além do mais, nem cheguei a cobrar de nenhum” (“Lasciva conta tudo”; Ficha Técnica).
Trecho da justificativa do projeto:
Lasciva é uma garota como qualquer outra. Tem desejos, anseios, vive experiências como as amigas da sua idade. Jornalista, habituou-se a relatar o cotidiano. Especializou-se em relações públicas para, a todo momento, elaborar planos, eventos, comunicar-se. Baladeira, leva uma vida social intensa. Tornou-se blogueira e assumiu uma persona virtual, que se permite extravasar desejos e quebrar regras de conduta sociais. Causa estranheza ao revelar não sentir qualquer pudor. Chega a chocar ao fazer o que tem vontade e relatar suas peripécias, sem censuras.
Criou seu estilo literário. Traduz naquilo que escreve, da forma mais sincera que consegue, a expressão do comportamento de sua geração. Questiona tabus, ao lidar com eles com naturalidade, sem restrições. Encarna, em suas histórias, uma personagem a la Nelson Rodrigues: Lasciva, seus pecados e seus amores dos 15 aos 30. Sem saber, torna-se quase tão egocêntrica quanto a Patty Diphusa, protagonista das contos de Almodóvar para a revista La Luna, na década de 1980. Adota como gênero um tipo de new journalism erótico.
Decidiu expressar sua forma de lidar com os dilemas da pós-modernidade. Criar um blog foi uma aposta sobre a reação das pessoas, ver como a encaravam. E encontrou ali leitores que se abriram da mesma forma, com a mesma espontaneidade, anonimamente ou não. Trocou ideias e opiniões com um monte de gente. Percebeu até inspirar os outros com suas histórias, sem deixar de alertá-los das próprias dificuldades com que lida constantemente, por ser tão aberta.
As pessoas expõem suas vidas nas redes sociais, prezam cada vez menos por privacidade – cada passo, cada sentimento é compartilhado online. Ainda assim, há muito constrangimento ao se conhecer a intimidade sexual do outro. O movimento de aceitação das diferenças humanas luta contra um forte impulso contrário, que renega a liberdade de expressão. Sexo ainda é tabu. Lasciva questiona essas contradições de forma direta. Ao criar polêmica com sua conduta, coloca em xeque o comportamento e os valores das pessoas em relação ao sexo e seus relacionamentos. Ao descrever seu cotidiano, põe em discussão a atitude da mulher na atualidade.

Trecho da apresentação da autora:
Um dia, aos 26 anos, concretizei o antigo sonho de criar um blog para estampar minha vida sexual, como já fazia entre os amigos. Tentei ser o mais sincera que pude. Comecei a recapitular todas as histórias mais importantes, e também as mais intensas, mais deliciosas, mais engraçadas, divertidas ou até bizarras. Narrei várias delas pros amigos, gravando, para depois usar o áudio como referência e inspiração para o texto.
Queria escrever do jeito que eu costumo contar, com um toque de pimenta para provocar tesão. Criei para mim um personagem que é quase rodriguiano, mas que é a mais pura tradução de mim mesma, Lasciva. Escancarei as pernas, abri-me totalmente, com o meu jeito desencanado da vida, tentando aproveitar. O blog se chamou Lasciva conta tudo.
Já imaginei outras formas de extravasar meu ímpeto sexual. Queria ser stripper, mas sou super desengonçada e não tenho corpão. Uma vez, achei que pegava tantos caras nada a ver comigo, que pensei em me prostituir e lucrar com aquilo que mais gosto de fazer. Perguntei o que uma amiga achava, que tentou me dissuadir. Não precisou. Comecei a me relacionar com diferentes homens na rua, para testar a minha reação e o que achava disso. Bati meu recorde: sete caras num mês. Vi que tinha gostado mesmo de poucos. Além do mais, nem cheguei a cobrar de nenhum. Concluí que se tentasse me vender por sexo, talvez deixasse até de gostar. Minha libido não é mercadoria.
Escrever todas as minhas taras foi como achei para derramar esse desejo. No blog e no Twitter, passei compartilhar muito do que vivia, sem pudores.

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A iniciativa de Dilma

Por Marcelo Coelho
26/06/13 15:44

Muita proposta pode ser “estapafúrdia”, “escalafobética” e “irrealista” em tempos normais –e tornar-se razoável em situações de emergência.
Defendi a possibilidade de uma Constituinte exclusiva na semana passada, se os movimentos continuassem numa escalada.
A lógica da proposta, em especial no que diz respeito à reforma política, é clara. Os parlamentares são beneficiários do atual sistema e já mostraram todo tipo de resistência a modificá-lo.
Muito bem, as coisas estão mudando.
O Congresso se mexe e decidiu, em tempo recorde, rejeitar a PEC 37, como reivindicavam muitos manifestantes.
Se Congresso, partidos e lideranças se dispõem a acelerar o processo da reforma política, já estamos saindo no lucro –e a ideia de uma Constituinte pode se revelar, no fim, desnecessária.
Sem dúvida, a presidente Dilma se precipitou ao falar no assunto sem consultar juristas.
Observo entre parênteses que juristas podem encontrar saída para tudo. O ex-ministro Ayres Britto classificou de “anticientífica” a ideia de uma Constituinte com poderes limitados. Sim. Por definição, um poder constituinte decide sozinho sobre o que quer e o que não quer; uma vez eleito, quem há de dizer que suas atribuições estão restritas à reforma política? Pode mudar até as regras do jogo de futebol, pelo menos dentro do território pátrio.
Mas os conceitos de “científico” e “anticientífico” aqui têm também uma acepção particular. No Direito, joga-se com um edifício lógico, em que palavras como “Constituinte” têm ou deveriam ter definições claras. Como na matemática. Se numa equação eu uso sempre “x” como equivalente de “2”, não posso de repente, no meio do raciocínio, dizer que “x” agora é igual a “5”.
Nesse sentido, “Constituinte limitada” pode ser o equivalente de 2 = 5. O que configura uma proposta estapafúrdia, ilógica, escalafobética.
Mas a ilogicidade é apenas conceitual. Chame-se a “Constituinte limitada” de “corpo deliberativo extra-parlamentar”, submeta-se sua convocação a um plebiscito, por sua vez formulado pelo Congresso, e considere-se seu projeto final de reforma política uma PEC a ser encampada pelo governo, pelas ruas, pelo abaixo-assinado, por quem quer que seja.
Do ponto de vista “jurídico-científico”, a questão terá sido contornada.
Como disse acima, talvez não seja necessária uma ginástica tão trabalhosa.
Talvez o Congresso, pela pressão das ruas, se mexa.
A precipitação de Dilma não resultou em desastre completo, todavia.
A presidência, que estava acuada, jogou com as brancas. O propósito é jogar sobre o Congresso e a oposição o peso de uma acusação que se voltava contra o Planalto. Dilma pode dizer: “tenho uma agenda de reformas, e vocês?” Ou se mexem ou pagam o preço de passar por quem não quer mudar nada… Aécio, Serra, Marina, Temer, Agripino Maia podem criticar Dilma como quiserem, e com bons motivos. Mas estão forçados a sair do lugar em que estavam também.

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Copa do Mundo e manipulação

Por Marcelo Coelho
26/06/13 12:10

Valeria acrescentar uma ou outra coisa sobre a “alienação” que parece haver entre sociedade e meios de comunicação, tema do meu artigo na “Ilustrada” hoje.
Um ponto que não deu para abordar, e que estava claro nas manifestações das últimas semanas, é o da Copa de 2014. Não se trata apenas das denúncias de corrupção nas obras para o dito evento. Acho que ficou visível, também, uma raiva diante do oba-oba televisivo-oficial em torno da coisa.
Não é de hoje que notícia e autopromoção, nos eventos esportivos, se confundem totalmente nas emissoras. Um campeonato qualquer de motociclismo será inflado e propagandeado no jornal das 8 se o canal de TV tem os direitos de transmiti-lo. Alguma disputa importante será desprezada absurdamente se a concorrência é quem televisiona.
Mais do que isso, num período histórico em que as expectativas de grande futebol por parte da Seleção Brasileira eram reduzidas (ironicamente, nos últimos jogos o time jogou bem), fica mais nítido o aspecto manipulador da TV Globo em forçar uma torcida que, embora exista, não tem os níveis galvãobuênicos que se imagina.
Como acompanho pouquíssimo futebol, não sei bem as razões da implicância contra Galvão Bueno. Mas é um fenômeno social, sem dúvida. E é outro fenômeno o fato de que a Globo continue com ele na equipe, havendo tanta reclamação.
Em suma: nota-se a aliança entre governo e emissoras no sentido de fazer da Copa a grande festa de um Brasil que vai muito bem, em que ninguém teria nada a reclamar… Isso, sem dúvida, começou a explodir com as manifestações de junho.

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A vez da mídia

Por Folha
26/06/13 02:06

Partidos, Congresso, sindicatos, governantes —não há instituição democrática que não esteja sob o foco de críticas. Falta falar de outra instituição, a imprensa. Ou “a mídia”, como prefere dizer quem já se põe no campo de ataque.

Acho que há três pontos a destacar. Em primeiro lugar, a ideia de que as redes sociais, como o Facebook, aposentaram a mídia tradicional. De um ponto vista, faz sentido. De outro, não.

Claro que, graças ao Facebook, foi possível avaliar, por exemplo, se valeria ou não a pena participar da manifestação de segunda-feira passada, dia 17 de junho. Quanto mais adeptos no mundo virtual, mais se sente que o momento de passar à vida real já chegou.

Não é tão claro o raciocínio de que, com as redes, elimina-se a função dos jornais e das empresas de comunicação. Muito do que se compartilha no Facebook, em termos de notícia e opinião política, tem origem nos órgãos jornalísticos organizados, sejam impressos, audiovisuais ou da própria internet.

Passo com isso ao segundo ponto. Quem está protestando contra o pastor Feliciano, a PEC 37, Renan Calheiros, os gastos da Copa, e outros mil problemas, teve sua indignação despertada pelas notícias dos jornais e da TV.

São as reportagens de sempre, com sua rotina de sempre, que acumularam essa insatisfação contra o sistema político. E, se a mídia noticiou os casos de vandalismo, também foram indispensáveis para mostrar os abusos policiais.

A imprensa sai então glorificada dessas movimentações? Com toda evidência, não. Houve ataques contra emissoras de TV e contra repórteres respeitabilíssimos, como Caco Barcellos. Há mais.

Acredito que, graças à conquista de um poder de autoexpressão possibilitado pela internet, as pessoas que se manifestam nas ruas e nas redes se sentem mal representadas na mídia tradicional.

Em parte, a “crise de representação” que se verifica no caso de partidos e Congresso se reflete nas relações entre imprensa e cidadãos.

Existe a sensação, claro, de uma desigualdade de poder de fogo: grandes empresas de comunicação podem mais do que sites e blogs isolados.

Há também um abismo geracional. Incluo-me entre os que envelheceram. E olhe que à minha volta, nos chamados formadores de opinião, nos analistas, comentaristas, sociólogos, filósofos, urbanistas, técnicos e economistas que, sempre os mesmos, são os entrevistados nessa época, a maioria está na ativa desde que eu era criança…

Quando o pensador mais ousado e “irreverente” da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja o momento de uma autocrítica.

A alienação, o distanciamento entre a imprensa e os manifestantes se dá em outros níveis também. Ao voltarem-se contra governantes, as passeatas denunciam o contraste entre o mundo oficial, movido a discursos eleitorais, planilhas técnicas e blá-blá-blá de marqueteiros, e uma realidade cotidiana da qual todos se esquecem assim que assumem o poder.

É injusto dizer que um jornal como a Folha se esquece de apontar falhas na saúde, nos transportes e na educação. Ao contrário, isso é noticiado todo dia, com investigação e detalhe.

Mas, assim como os políticos só parecem acordar para o interesse público às vésperas da eleição, também os jornais concentram-se excessivamente, a meu ver, no calendário eleitoral. Não há dia —mesmo nestas últimas semanas— em que não saiam notícias sobre as movimentações de Aécio e Eduardo Campos, ao lado dos clássicos prognósticos de que Dilma vai se reeleger se a economia não piorar muito.

A rotina desse tipo de cobertura mata os jornais, e interessa a pouquíssimas pessoas. As próprias reportagens sobre corrupção e mazelas administrativas me parecem difíceis, chatíssimas de ler.

Há a obrigação de revelar dados, estatísticas etc., sem o que estaríamos retrocedendo a um jornalismo da Idade da Pedra. Ao mesmo tempo, acho que isso trouxe um risco de rotinização e tecnicalismo que afasta o leitor —e não adianta “emburrecer” a linguagem para trazê-lo de volta.

Chamo “emburrecer” o processo que leva à elaboração de boxes, por exemplo, dizendo “entenda o que é o mensalão”, “entenda o que é reforma política” ou coisa parecida. “Entenda, é sua última chance”…. Mas os manifestantes destes dias parecem estar entendendo mais do que se pensa.

PS. Atribuí a Fernando Henrique, na coluna anterior, a frase de que “política é a arte do possível”. A frase é de Bismarck (1815-1898). FHC criticou a ideia, dizendo que na verdade “a política é a arte de tornar possível o necessário, o desejável”.

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Não entende quem não quer

Por Marcelo Coelho
25/06/13 15:51

Há muitas maneiras de criticar as manifestações, e certamente os melhores motivos do mundo para condenar os absurdos que acontecem nessa hora –como saques e pancadaria.
Algumas opiniões sobre o fenômeno, contudo, parecem sobretudo resultar da má vontade de quem comenta. Dou alguns exemplos.
1- “Manifestações? A única coisa de certo sobre elas é que ninguém está entendendo nada”.
A frase tinha sentido na semana passada, quando mesmo depois da redução das tarifas o movimento cresceu. Mas como dizer, ainda, que “ninguém está entendendo nada”? Até a presidente Dilma entendeu as manifestações –ainda que do jeito dela.
O fato de um fenômeno ser complexo, e de ter muitos aspectos ao mesmo tempo não quer dizer que seja incompreensível. Podemos, certamente, não entender tudo. Podemos, também, reconhecer nossa incapacidade de reduzir todos os protestos a uma única palavra de ordem. Podemos não concordar com tudo o que os manifestantes querem. Podemos perceber que o que um manifestante quer tende a ser contraditório com o que outro manifestante reivindica. Mas é má vontade perguntar “o que esses manifestantes querem, afinal?” Os cartazes dizem muitas coisas, e repetem algumas causas bastante claras (contra a PEC 37, por exemplo). Basta saber ler

2- “Não há povo nesses protestos, a maioria nem pega ônibus”.

Não há, de forma visível, classe operária nas passeatas. Como costuma acontecer, movimentos desse tipo são de classe média, e especialmente de estudantes. Foi assim na luta pelas eleições e no impeachment de Collor. Trata-se, entretanto, de uma classe média diferente, ou melhor, com duas vertentes. Há o estudante de elite, o advogado mobilizado contra corrupção etc. Mas há muito mais estudantes que não pertencem a esse meio social. Há faculdades particulares em todas as partes da cidade, com alunos muito diferentes dos da PUC ou da GV. A própria USP se deselitizou em algumas áreas, e está cheia de gente que usa ônibus. E que se mobiliza.

3- “Esses manifestantes são contra os partidos. Sem partidos não há democracia. E tudo pode degenerar em fascismo”.
Há alguns fascistas, ou quase, se aproveitando das manifestações para barbarizar, quebrar tudo e hostilizar grupos de esquerda.
Há também, pelo que vi, manifestantes contra qualquer partido político. Não são necessariamente fascistas. O anarquismo tem uma larga tradição na história das lutas sociais, e esta se renova quando alguns partidos ditos de esquerda abandonam suas bandeiras para se aliarem a forças de direita.
Há um terceiro grupo, que imagino maior, que não é necessariamente contra partidos, mas se recusa a que partidos instrumentalizem o movimento. Agremiações de extrema esquerda, como PSTU e PCO, aparecem com força nas passeatas –e são recebidas com hostilidade política, o que é natural, por quem não concorda nem com 10% do programa dessas agremiações.
Por último, partidos são úteis para construir a democracia, sem dúvida nenhuma. Mas não são necessários para o fortalecimento de movimentos sociais. Trata-se de duas coisas diferentes, e a democracia precisa das duas para funcionar. Aliás, a democracia brasileira parecia até funcionar bem com partidos de mentira e sem movimentos sociais. Não deixa de ser irônico que, quando movimentos sociais aparecem com força, apareçam advertências quanto aos perigos que a democracia possa correr.

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Roda não muito viva

Por Marcelo Coelho
24/06/13 14:48

O programa “Roda Viva” costuma trazer pessoas interessantes para o centro das entrevistas, e acertou na semana passada ao convidar o Movimento do Passe Livre.
Mas fico frustrado ao verificar que o entrevistado desta segunda-feira é o José Serra. Sempre ele tem coisas pertinentes a dizer, mas neste momento… até Fernando Henrique seria melhor.
Deve ter sido assim: ele já estava agendado, furaram a fila em favor do Passe Livre, e agora, conforme o melhor estilo Serra, “o lugar é meu e ninguém tasca!”

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O que são os coxinistas?

Por Marcelo Coelho
24/06/13 14:42

Em artigo sobre os cartazes presentes nas manifestações (ver post anterior) manifestei dúvidas sobre o sentido de “coxinismo”. O leitor Diniz Fracaro Jr esclarece:
Coxinistas aqui, é uma menção aos PMs e àqueles que os apoiam. Os PMs são constantemente flagrados com suas viaturas em frente a padarias “filando” coxinhas, e por isso, muitos os chamam de “coxinhas”. A referência deve ser a isso e não ao velho uso do termo para “mauricinhos”, mas tudo é possível nesse mar de pensamentos escritos…

Quanto a “está chovendo porco”, ele também explica que se trata de fenômeno verificado num videogame, o Minecraft.

Reproduzo ainda a sua tradução do cartaz “o MID do inibidor já caiu”:

“O inibidor do MID já caiu.”

Existe um jogo virtual chamado League of Legends que resumidamente compreende em um time enfrentar o outro em um campo de batalha que é uma grande floresta com 3 estradas ligando a sua base à base inimiga. A linha de baixo é apelidada de BOT, a de cima TOP e a do meio MID. Além dos personagens do time adversário para se enfrentar, no meio do caminho há torres de cada um dos times, tropas controladas pelo computador e inibidores, que é uma construção que inibe a construção pelo computador de tropas mais fortes. Cada um desses caminhos tem duas torres e um inibidor depois delas, já dentro da base inimiga. Quando um inibidor inimigo cai, é porque você já destruiu essas duas torres daquela LINE e já está praticamente dentro da base inimiga, nesse ponto é muito difícil para o time que perdeu seu inibidor virar a partida, e o do MID é o mais importante.
Logo, o sentido do cartaz é “Dilma minha filha, a casa já caiu pro teu lado!”

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Governo federal em ação

Por Marcelo Coelho
24/06/13 14:31

Aparentemente as respostas de Dilma Rousseff à crise das últimas semanas ainda não chegou como devia aos jornalistas do governo.
O relatório diário da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, intitulado “Notícias do Dia”, destaca coisas até que importantes, mas um pouco longe da mobilização geral:
Publicado regulamento que permite às prefeituras ofertarem serviços de internet à população.
Prazo para entrega da declaração do IR para pessoa jurídica termina dia 28
FAO premia Brasil por reduzir a fome
Ministério da Justiça recomenda que empresas usem menos termos técnicos em seus chamados de recall
Programa de documentação chega a três municípios do Acre.

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Voltaire de Souza

Por Marcelo Coelho
22/06/13 13:03

O cronista do “Agora” intervém no debate atual.

A ESMO

Esquecimentos. Lapsos. Confusões.
O sr. Teófilo ia sentindo o peso da idade.
A família se preocupava.
–Anda muito esquecido.
–Será que levou o celular?
–Nem sabe o número de casa.
Naquele momento, o sr. Teófilo caminhava perdido pelas ruas da cidade.
–Ué… parece que eu estou numa floresta…
Era o Parque Trianon.
–Onde é isso?
Ele foi pegar um ônibus.
O dinheiro não dava.
–Não é um real e cinquenta?
Não era. Os protestos estão aí para provar.
Ele ia pedir uma informação quando vieram os estampidos.
O tumulto. A revolta. O quebra-pau.
Uma bala de borracha o atingiu na região da nuca.
Ele agora se lembra de tudo.
–Prefeito bom era o Prestes Maia.
Muita bagunça toma conta das ruas.
Mas a confusão, por vezes, está só dentro da cabeça.

CASO DO CAPUZ

Medo. Violência. Tensão.
Os protestos na Paulista deixam marcas em todos nós.
O sargento Darcy estava traumatizado.
–Nunca pensei…
A mulher dele se chamava Olímpia.
–Toma um calmante, amor.
As mãos do policial tremiam.
–Aqueles garotos… magrinhos… de capuz.
–Ah, Darcy… mas você também bateu.
–Tudo isso por causa de vinte centavos.
Serão os aumentos do ônibus apenas um pretexto?
–Às vezes faz diferença, Darcy.
Olímpia se aproximou.
–Vem, não pensa mais nisso…
A bela dona de casa beijou o marido no pescoço.
O carinho não fez efeito. Disfunção erétil.
O magrinho não quis tirar o capuz.
Olímpia se irritou.
–Covarde. Molenga.
É difícil contentar o ser humano.
Quando sobem algumas coisas, há protestos.
Quando não sobem, também.

OUTRAS CENAS

Confusão. Correria. Quebra-quebra.
O povo, em geral, procura a paz.
A bela jornalista Carol Franchini tinha recebido outras instruções.
Do estúdio, o âncora Paulo Paterra se impacientava.
–Olha lá. Estão quebrando o pau.
Carol tinha medo.
–Vai lá, Carol. Leva a câmera.
–Onde, Paterra?
Ela via outras cenas.
Crianças davam tchauzinho de bicicleta.
–Aqui tudo tranquilo, Paterra.
–Onde você está agora, Carol?
Havia notícias de pancadaria perto do centro.
Carol achou melhor entrevistar o menino da bicicleta.
–Sete anos. Uma gracinha. Está aqui com o pai…
O pai era divorciado e militante dos direitos humanos.
Paterra pensa em despedir a jornalista.
–Pô, Carol, você tinha de mostrar o pau comendo.
Mas há muita coisa que a TV não mostra.

CANÇÕES DE PORCELANA

Amor. Romantismo. Paixão.
Dia dos Namorados.
Livair pegou um velho LP do Johnny Mathis.
–Lembra, amor?
A mulher dele se chamava Neusinha.
–Ai, Livair. Onde você desenterrou isso?
O quarto de empregada estava atulhado de recordações.
Nova lei das domésticas.
–A gente teve de mandar embora a Mariete.
A arrumação tomava tempo.
–E isso aqui? Será que funciona?
Era um telefone de baquelite.
A canção americana enchia de açúcar a área de serviço.
Os olhos de Neusinha se fixaram nos azulejos.
–Precisa ver o rejunte… tem uns rachados aqui.
Livair conferiu o cabo do velho aparelho.
–Se funciona? Ô se funciona.
O sexo rolou ali mesmo na cozinha.
O casamento, por vezes, é uma delicada porcelana.
De vez em quando precisa passar massa no rejunte.

QUANDO FALA O CORAÇÃO

Protestos. Distúrbios. Passeatas.
A situação esquenta nas cidades brasileiras.
O jovem prefeito acompanhava pela TV do gabinete.
–E agora?
Os assessores divergiam.
–Deixa o ônibus de graça.
–Distribui bicicletas.
–Dá porrada.
O prefeito procurava inspiração.
Vários livros se acumulavam em sua mesa.
A Bíblia. Marx. Manuais de auto-ajuda.
E também as memórias de Lady Fukuda.
Clássico da literatura erótica japonesa.
–Melhor não abrir isso.
Os conselhos teriam de vir de outro lugar.
A mãe dele se chamava dona Francisca.
–Fala, meu filho… que é que você precisa?
A voz compreensiva tocou o coração daquele administrador.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
Ele só pede colo no momento.
O gás lacrimogênio não é necessário quando fala o coração.

IMPARCIALIDADE TEM LIMITE

Saúde. Esporte. Celulite.
Belas tenistas atraem a atenção dos brasileiros.
Guto Lunardi era um famoso comentarista esportivo.
Na TV, imagens da bela tenista Veronika Kutukova eram analisadas em detalhe.
–Cadê a celulite? Quem inventou isso?
–Olha aí, Guto. Está claríssimo.
–Você está vendo pelo em ovo.
–Pelo em ovo? Isso é a casca da mexerica.
Guto pediu para a técnica voltar o videotape.
-Aproxima o foco agora. Perto da coxa.
As ordens foram entendidas de modo impreciso.
A câmera aproximou-se no rumo do comentarista.
Na região da braguilha, nenhuma flacidez.
O volume parecia um cabo de raquete.
Patrocinadores reclamam.
Mas os debates esportivos, por vezes, são como sexualidade masculina.
De perto, é difícil manter a neutralidade.

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