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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

Perfil completo

Fotografia: Juliana Stein

Por Marcelo Coelho
30/05/13 15:18

Juliana Stein, fotógrafa gaúcha radicada em Curitiba, participa da 55ª edição da Bienal de Veneza, no Pavilhão da América Latina, a convite do curador Alfons Hug. A Bienal começa no dia 1 de junho.

“Caverna” retrata, segundo o release, “restos e marcas deixados dentro de ambientes prisionais.” Algumas fotos.

 

 

 

 

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O troco em balinha

Por Folha
29/05/13 01:00

Comprei pouquíssimos DVDs piratas ao longo da vida. Uma vez, há dez anos, em total estado de inocência, vi que existia uma banquinha na frente do Espaço Unibanco, e achei que era uma espécie de sebo ou venda de ocasião.

Nesse espírito, levei uma coleção de filmes sobre a história do jazz. Mais parecia um samba de breque.

Muito tempo depois, ou melhor, no mês passado, comprei uma leva dos filmes do Oscar que eu não tinha conseguido ver. O DVD não ficava empacando o tempo todo.

Mesmo assim, a experiência deixou a desejar. “O Mestre”, por exemplo, filme bastante chato sobre o criador da cientologia, tinha legendas mais absurdas do que as próprias teorias apresentadas durante a história.

Prefiro comprar DVDs “seminovos” ou remexer nos saldões da Blockbuster. Claro, isso me deixa mais desatualizado do que nunca em termos de cinema americano. Enfim, há vantagens e desvantagens.

Mas talvez o melhor do DVD pirata esteja no fato de que ali, pelo menos, não temos de ver anúncios contra a pirataria.

O que mais me irrita, nesse tipo de coisa, é que eles desabilitam o seu controle remoto: não consigo pular o anúncio. Sou obrigado a assisti-lo, a ser doutrinado na defesa dos direitos de Steven Spielberg, dos donos da Fox.

Os anúncios brasileiros são bastante criativos, aliás. Mas o interessante é quando você topa com uma mensagem americana contra a pirataria. A comparação pode ser instrutiva quanto às diferenças de mentalidade nos dois países.

Nos Estados Unidos, eles mostram dois consumidores. Bill, conta o anúncio, chamou os amigos para assistir um filme em casa. Está tudo pronto, a cerveja, a pipoca. Tony, em outro apartamento, fez o mesmo.

Só que Tony comprou um DVD pirata. O som é péssimo; a imagem, turva. Pobre Tony! Seus amigos o abandonam. Ele luta com o controle remoto, e as pipocas se espalham pelo chão. Ficou sozinho. Não é mais popular. É um “loser”.

No Brasil, como se sabe, os anúncios antipirataria têm outro conteúdo. O vendedor de DVDs piratas dá o troco “em balinha”: são munições de metralhadora.

Ou então é o pai edificante, repreendendo o filho porque colou o trabalho do colégio. Só que assiste ao DVD pirata. O filho o repreende em troca.

Embora eu não tenha certeza das ligações entre pirataria e tráfico de drogas (ou sequestro, ou terroristas da Al Qaeda), reconheço nos anúncios brasileiros um conteúdo moral mais elevado. Trata-se de apelar para o respeito à lei.

Nos Estados Unidos, o apelo é aos interesses do próprio consumidor. Que se refletem, sobretudo, na aprovação dos seus pares.

Usando a velha distinção de David Riesman, em “A Multidão Solitária”, seria o caso de dizer que o brasileiro seria ainda um exemplo de cidadão “autodirigido”, ou seja, alguém que incorporou dentro de si a legalidade.

Precisa ser apenas, digamos, melhor informado sobre a lei específica em questão, mas haverá de colaborar. Quer se olhar no espelho e se enxergar como um cidadão de bem.

Já o espectador americano perdeu qualquer senso de civismo. Na tipologia de Riesman, é o “heterodirigido”: não pensa em ficar bem consigo mesmo, mas sim em ficar bem com os amigos. Não quer ser visto como um muquirana, um pobretão, um molambento eletrônico.

Estaremos tão bem assim em termos de escala de valores? Há algum tempo, tudo levaria a crer que passaria por otário, por um “caxias”, o sujeito que não compra DVDs piratas. Hoje, o apelo do anúncio brasileiro se dirige aos admiradores de Joaquim Barbosa.

Se funciona ou não, é outro caso. Será menor o comércio pirata em São Paulo do que em Los Angeles?

Talvez o anúncio relacionando crime organizado e pirataria convença menos por lá. Afinal, num mundo em que os direitos autorais são uma fonte de renda tantas vezes ilegítima (basta pensar no quanto ganham os netos de um escritor morto há décadas), a condenação à pirataria é um bocado problemática.

Já se mudou a legislação a respeito, estendendo a validade dos direitos sobre uma obra, para responder a um risco iminente: o de que a imagem de Mickey Mouse passasse ao domínio público.

Com lei ou não, é ainda o mundo de Tio Patinhas; Donald, certamente, tenta o DVD pirata, enquanto os escoteiros-mirins suspiram desolados.

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voltaire de souza

Por Marcelo Coelho
28/05/13 15:59

Novas colaborações do cronista do “Agora”

DENTES BRANCOS

Ferrinhos. Brocas. Raspadores.
Cuidar da saúde bucal é dever de todos.
O sr. Tadao não costumava ir ao dentista.
–Quando eu me aposentar resolvo isso.
Na firma, chegou o dia da festa de despedida.
A tristeza tomou conta do chefe do almoxarifado.
–Nada mais me resta. Só o tratamento de canal.
No consultório do convênio, foi grata a surpresa do aposentado.
A dentista se chamava Sílvia Odete.
No sorriso, o frescor da primavera.
No andar, o molejo incomparável de uma poltrona eletrônica.
O sr. Tadao refletiu com melancolia.
–Na minha idade, só a gengiva sobe.
Não foi bem assim.
O caso de amor tem prosseguido sem traumas.
A paixão, por vezes, é como a resina de um tratamento dentário.
Tudo se solidifica quando é bem feita a obturação.

SOPROS DO MINUANO

Frio. Garoa. Inverno.
As mulheres paulistanas bem sabem.
Hora de enfiar a calça no cano da botinha.
Na Cinderela Calçados, uma promoção.
Talytha não acreditava.
–Só trinta reais?
O namorado se chamava Sérgio Raul.
–Deve vir da China.
–Como você é negativo.
Ela apontou a etiqueta.
–Feito no Rio Grande do Sul.
A mente de Sérgio Raul voltou aos rincões da infância.
Boleadeiras. Vacas. Bombachas.
–Cavalgar no pampa….
Talytha digitava a senha do cartão.
–E pegar a cria no laço. He he.
No Motel Disparada, algumas dificuldades.
–Ai, Raul Sérgio… me ajuda a puxar a bota. Não sai.
O rapaz estava ocupado com a camisinha.
–Não entra.
No fim, tudo deu certo.
Pois o amor não é sapato.
Onde é difícil de entrar sempre acaba sendo fácil de sair.

DENÚNCIA NO AR

Fama. Dinheiro. Celebridade.
Privilégio para poucos.
A bela repórter Gabriela Pallazini fazia sua primeira reportagem de rua.
–Estamos aqui, em plena cracolândia…
Alguém puxou a manga de sua blusa.
Era o Betió. Frequentador conhecido das bocas do lugar.
–Me entrevista, moça.
O rapaz tinha revelações a fazer.
–Fui eu que roubei o celular do homem.
Na Virada Cultural, um senador foi vítima de furto.
–Peguei os recados. Corrupção da brava.
Betió falava na emenda dos portos e de Fidel Castro.
–Eu provo.
Betió remexeu o bolso da calça.
–Ué. Cadê o celular?
Ele diz que foi roubado também.
A repórter pede instruções dos diretores da emissora.
Escândalos são difíceis de investigar.
Quando há fumaça, ou é fogo ou alguém que fumou demais.

IMAGINA NA COPA

Arrastões. Assaltos. Quebra-quebras.
A violência preocupa.
O dr. Ramiro dava um risinho.
–Imagina na Copa.
Um país deve receber bem os seus turistas.
–Aqui, vai ser com rojão… he he.
As autoridades anunciam providências.
–Ah.
Muito desencanto na alma de Ramiro.
–Só dando cabo de metade da população.
Ele pensou mais um pouco.
–Só que aí nem tinha futebol.
A mulher dele reclamou.
–Ramiro, sua cabeça só produz maldade.
O velho advogado se ofendeu.
–Quer que eu pare? É fácil.
Ele deu o exemplo de uma bola.
–A cabeça. Um dia fura. Fica murcha. Psssss…
Coincidência ou não, o derrame chegou.
O médico diz que ele provavelmente não chega até a Copa.
E, se chegar, não vai entender muita coisa.
No momento do pênalti, a torcida silencia.

COR DE FERRUGEM

Frio. Chuva. É o inverno chegando.
Tempo de enfiar a calça jeans no cano da botinha.
As paulistanas capricham.
Denise se olhava no espelho.
–Estou bem assim?
A irmã se chamava Ana Cláudia.
-O que você acha?
Inveja invencível.
–Ela é perfeita, a Denise.
–Ah, Aninha… me empresta a sua blusa ferrugem?
–Para quê você quer?
–Aúhn, náuhn sei… acho que combináh.
Denise continuou.
–Depois, nunca mais vai servir em você.
Os seios de Ana tinham passado por um crescimento descomunal.
O sonho era fazer plástica.
–Tipo Angelina Jolie.
Ela pegou a blusa no armário. Veio a raiva. O impulso. A frustração.
O estilete retalhou o tecido. Depois, atingiu parte do rosto da irmã.
Aparências se consertam.
Mas os laços de sangue se rompem sem anestesia.

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Exposição: O vale do Rio Omo

Por Marcelo Coelho
27/05/13 13:08

Os povos Surma e Mursi vivem na fronteira da Etiópia, Quênia e atual Sudão do Sul, ao longo do vale do rio Omo. O fotógrafo alemão Hans Silvester (1938) mostra os habitantes do lugar, no Museu Afro Brasil.

 

 

 


Diz o release:
Um dos principais enfoques das fotografias da mostra, tal como foi explicado pelo próprio Hans Silvester, está a noção do “corpo como paisagem”. “O corpo é visto quase como uma peça do território, com pele e carne substituindo pedras, cerâmicas e tecidos típicos de outras culturas.” (SILVESTER,H. Natural Fashion – Tribal Decoration From Africa. New York: Thames & Hudson, 2010 p.03).

Exposição: Hans Silvester: As Fotografias do vale do Rio Omo
Abertura dia 25/05/13 – 13h. Em exposição até 25/08/13
Museu Afro Brasil
Av. Pedro Álvares Cabral, s/n
Parque Ibirapuera – Portão 10
São Paulo / SP – Brasil – 04094 050

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Exposição: gravuras e quimonos

Por Marcelo Coelho
23/05/13 12:56

Este “Tríptico de Figuras Bonitas”, de Utagawa Kunisada, é de 1854, e está na exposição “A arte dos quimonos e as gravuras japonesas no acervo dos palácios [do governo estadual].”

A mostra fica de 29 de maio (quarta-feira que vem) até 28 de julho no Palácio dos Bandeirantes. São 30 gravuras e cerca de 30 quimonos, que, estes, vêm da coleção do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil.

Menos mal, aliás. Seria curioso se os governadores do Estado tivessem sua coleção de quimonos para uso público ou privado.
Os quimonos, diz o release, estão divididos pelos temas das estampas (objetos, leques, fitas) e técnicas de confecção (pintados, bordados, tramas). Há quimonos bordados com fios de ouro. Como no Japão as estações do ano são bem definidas, ainda há um quimono para cada uma delas.

Quanto às gravuras, “denominadas ukiyo-e, refletem a estética do mundo flutuante associada à prosperidade da cultura urbana nipônica no período Edo (1600-1867), envolvendo o processo de impressão sobre papel de palha de arroz em xilogravura. A temática aborda o teatro kabuki, os guerreiros e as mulheres de entretenimento, também conhecidas como figuras bonitas. O quimono é retratado constantemente, revelando o requinte das técnicas de tessitura, tingimento e tecelagem. Segundo a curadora Ana Cristina Carvalho, a imagem dos quimonos é, portanto, a ponte que integra as duas coleções.”

Este é um quimono de 12 camadas.

Palácio dos Bandeirantes
Avenida Morumbi, 4500
Morumbi – São Paulo/SP
Data: de 29 de maio a 28 de julho
Horário de visita: de terça a domingo, das 10h às 17h (de hora em hora)

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Não saia de casa

Por Folha
22/05/13 02:30

O problema de Barack Obama, disse outro dia uma ex-assessora, “é que na verdade ele não gosta muito de gente”. Até surpreende, continuou Neera Tanden, “que ele seja um político. Não telefona para ninguém e não é próximo de muitas pessoas nem no seu partido”.

Apesar das muitas dificuldades e hesitações do presidente americano, eis aí um motivo a mais para eu simpatizar com ele. Custa a confessar, mas sinto o mesmo: não acho fácil gostar de gente.

Por espírito democrático, durante anos eu me sentava ao lado do motorista de táxi. Até que aprendi o óbvio:  quem não tem disposição para conversar com o taxista faz melhor se ficar no banco de trás. Não garante que você fique a salvo de ouvir bobagens, mas protege um pouco.

O inferno são os outros, disse Sartre —e, se a frase costuma ser citada por todo mundo, não é menos verdade que funciona especialmente bem entre intelectuais.

Claro, para citar agora a Simone de Beauvoir, ninguém nasce intelectual. A pessoa se torna intelectual, ou nerd, ou matemático, porque prefere a companhia de livros, computadores e números à dos “amiguinhos” da escola.

Concluo, ainda militando a meu favor, que está errada uma frase clássica da direita populista. A saber, a de que “esses intelectuais de esquerda não gostam de povo”.
Não é que não gostem de povo. Não gostam de gente, em geral. Marilena Chaui, por exemplo, afirma detestar a classe média.

Se definirmos classe média como o grupo que se vê refletido nas páginas de “Veja”, concordo. A classe operária, se for definida como o grupo que se vê refletido nos programas do Datena, não se sai melhor.

Sim, tenho bons amigos e preciso deles. Se vou a um jantar, divirto-me, conto casos, derrotei há muito a própria timidez. Mas faço um esforço, cada vez maior, aliás, para sair de casa.

“Nunca saí de casa sem ter levado porrada”, resumiu o escritor Pedro Nava. Felizmente não digo o mesmo. Às vezes cumpro até um desafio: o de obter um sorriso, uma risada, de cada pessoa com quem encontro. Como certo personagem de Racine, cubro de flores a borda do grande abismo.

Depois, tudo fica tão mais fácil com a internet. Mesmo a ida ao shopping, relativamente segura e confortável, perde para a comodidade de se comprar qualquer porcaria em casa.
Escrevo essas coisas pensando no problema das cidades. Nem preciso falar da Virada Cultural. A iniciativa é excelente (eu é que não vou). Serve para que os habitantes de São Paulo se reapropriem de um espaço tomado pelos carros e pelos mendigos.

Mas é uma luta de vida ou morte, como se viu com as vítimas desse último fim de semana.
O problema não se limita a São Paulo. Tome-se a maratona de Boston. A ideia, ainda uma vez, é inventar um uso “saudável”, ou “cultural”, para o espaço urbano. Não se trata mais de viver a cidade no seu dia a dia, mas de produzir “eventos”. Esses se esgotam em si mesmos.

Não são mais procissões ou comícios, e se alguém quer cuidar da saúde pode perfeitamente correr sozinho. A ideia é juntar gente. Celebrar, se quisermos, a experiência de um corpo coletivo.

A luta de vida ou morte, também nos Estados Unidos, se fez presente. Uma bomba caseira pode fazer mais estragos do que dez arrastões paulistanos.

A saída parece ser a de tornar o espaço público um espaço vigiado. As câmeras previnem, ou pelo menos ajudam a punir, a ação dos agressores da cidade.

O direito de ir e vir, de conviver com os semelhantes, torna-se uma espécie de “sursis”, de liberdade condicional —e a igualdade se resolve nos números afixados no crachá do maratonista, se não forem os números da ficha policial.

Ao colapso do espaço público corresponde a hipertrofia do espaço privado. O símbolo disso veio também dos Estados Unidos. Um maníaco sequestra menininhas, cobre de tábuas as janelas da própria casa, promove toda sorte de abusos, e os vizinhos não sabem de nada.
Fechado no seu núcleo protetor, sem admitir um raio de sol dentro de casa, aquele infeliz cultivava o fungo fantasioso do incesto.

Lá fora, na maratona, ou na escola modelar, outro maníaco dispara a esmo ou detona bombas na multidão. Pedofilia e terrorismo se completam. Entre o espaço público e o privado, inventou-se a terra de ninguém, a prisão sem dono, com jaulas a céu aberto: o campo de Guantánamo.

Quem sabe? Na escala dos que não gostam de gente, talvez eu não seja dos mais exagerados.

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Livros: "Homo Sacer" --cont.

Por Marcelo Coelho
21/05/13 12:14

Giorgio Agamben (epistrofe.wordpress.com)

Mais algumas dúvidas sobre “Homo Sacer”, que comentei em post anterior.
No primeiro capítulo da segunda parte, Giorgio Agamben apresenta o conceito que dá nome ao livro. É uma ideia de grande alcance. Apesar de sua origem no direito romano, a figura de um ser humano que se reduz apenas ao mínimo de um “ser vivo”, sem mais nada, é atualíssima.
Os prisioneiros de Auschwitz, os prisioneiros de Guantánamo, os habitantes da cracolândia, os imigrantes ilegais da Europa e dos Estados Unidos seriam exemplos dessa espécie de não-cidadãos, de não-pessoas, jogados num limiar em que só sua existência biológica é reconhecida.
Mas vamos ao texto romano. É um trecho escrito por Festo, no seu “Tratado sobre o significado das palavras”.
Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que “quem matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida.” Disso advém que um homem malvado ou impuro [malus atque improbus] costuma ser chamado sacro.
Seria longo demais, aqui, reproduzir todas as ambiguidades e raciocínios que Agamben desenvolve na leitura desse texto. Agamben cita outros comentadores, que notam a aparente contradição: esse homem tem ao mesmo tempo estatuída sua “sacralidade”, e é “matável”.
Não pode ser “imolado” num sacrifício, mas quem o mata não será considerado homicida. Pode ser morto e não pode ser morto? A partir daí se estende uma série de interpretações. Para alguns, ele seria objeto de uma espécie de tabu: venerado e maldito ao mesmo tempo. Para outros, propriedade dos deuses inferiores, e portanto insacrificável.
Agamben prefere resolver a ambiguidade desse “homem sacro” de outra maneira. O “homem sacro” se situa na confluência de duas exceções. Uma exceção à lei humana –que proíbe alguém de matar o outro, sendo que aqui é lícito matá-lo–, e uma exceção à lei divina, porque o homem sacro é excluído de toda forma de sacrifício ritual.
Com o instrumento da “exceção”, Agamben parte para o âmbito da teoria política. A esfera da exceção, à qual se submete o “homo sacer”, é a esfera da soberania política.
Soberania é a esfera na qual se pode matar sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e sacrificável, é a vida que foi capturada nessa esfera.
Interrompo essa exposição sumária das ideias de Agamben para exprimir uma dúvida bastante simples.
Afinal, qual é a ambiguidade daquele texto romano citado no início? Até onde posso ver, não existe nenhuma.
Homo sacer é apenas o condenado à morte por algum grave malefício ou improbidade [será que “improbus” quer mesmo dizer “impuro”?].
No decorrer do mensalão, acho, ouvi de um dos ministros a referência a um antigo bordão jurídico. O corpo do réu é sagrado. No sentido de que ninguém pode tocar nele enquanto não for condenado. Sua integridade física é dever do Estado. Pois bem, depois de condenado à morte, é evidentemente lícito matá-lo. O criminoso, entretanto, não serve para ser sacrificado aos deuses em algum ritual qualquer –não seria, claro, oferenda aceitável a um deus, tanto por ser um bandido quanto pelo fato de que afinal vão matá-lo de qualquer jeito, não existindo nenhum “sacrifício” nisso.
O conceito de “homo sacer”, portanto, não teria nada de misterioso. É o condenado à morte. Parece ser esta, aliás, a interpretação de Mommsen, que Agamben descarta em meio a certa névoa argumentativa.

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Exposição: Casas voadoras

Por Marcelo Coelho
21/05/13 00:17

Fotos de Laurent Chéhère, em exposição na galeria Lume a partir de 23 de maio.

Diz o release que o fotógrafo inspirou-se, para sua manipulação digital, no filme “O Balão Vermelho“, que mostrava um menino atrás do balão perdido pelos bairros de Paris.

“A ideia que norteia a série “Flying Houses” surgiu em 2008, durante andanças do artista por Belleville e Ménilmontant, bairros localizados na região nordeste de Paris. ‘Meu interesse é mostrar a vida dessas pessoas e suas moradias. Essa parte da cidade é muito pobre e em cada metro quadrado é possível explorar uma rica diversidade cultural’, conta o artista.”

Chéhère, continua o release, “usa paleta cromática similar ao filme, com predominância de tonalidades frias, principalmente cinza e azul, e também marrom. As personagens principais desses trabalhos – as construções – são digitalmente criadas a partir de detalhes arquitetônicos fotografados nos subúrbios e periferias da cidade, justamente onde foi filmado “Le Ballon Rouge”.

 

 

 

 

 

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voltaire de souza

Por Marcelo Coelho
20/05/13 14:42

Novas intervenções do cronista do “Agora”

COPO DE CÓLERA

Fraude. Ganância. Adulteração.
Estão pondo formol no leite das crianças brasileiras.
Evanda não continha a indignação.
–Absurdo. Até no leite.
A substância é nociva para a saúde a longo prazo.
–Ouviu isso, Salém?
O marido não respondia. Largado no sofá.
–Vai demorar o dia em que esse aí se preocupa com o leite.
Evanda pôs o rádio no máximo volume.
–Quando falsificarem a cerveja…
O copo escorregava das mãos do sexagenário.
–Ele nem vai perceber.
Evanda foi varrer o chão.
–Vai, Salém. Afasta o pé.
A indiferença e a falta de comunicação eram a norma daquele lar.
–Desço a vassoura esse cretino.
Teria sido inútil. O marido estava morto desde o meio-dia.
Alguns casamentos são como o leite.
Quando não azedam, é que encheram de formol.

DINHEIRO NA CAIXINHA

Amor. Carinho. Dedicação.
Os cartórios agora não têm desculpa.
Estão obrigados a oficializar a união dos gays.
Dona Berenice não estava de acordo.
–Reconhecer firma, tudo bem. Mas reconhecer a sem-vergonhice…
Ela era escrivã há mais de vinte anos.
Na fila, duas belas mulheres queriam se casar.
Júlia reconheceu dona Berenice.
–A senhora não foi bedel numa escola do prezinho?
O Externato Dona Baratinha cuidara de Júlia na mais tenra infância.
–Fiiita no cabeeelo… e dinheeeiro na caixiiinha…
A lembrança enterneceu o coração de Berenice.
Ela teve direito até a um selinho de Júlia na hora do champanhe.
E revê profundamente sua própria opção sexual.
O amor é como um documento no cartório.
Primeiro vem o selo, depois a carimbada.

BARULHO NO QUINTAL

Carinho. Amor. Dedicação.
O Dia das Mães era importante para dona Odete.
–Tenho filhos ótimos.
O almoço de domingo foi caprichado.
–Os presentes, então…
Belas joias dos três filhos.
–E ainda tem gente que defende o aborto.
Olhou para o filho mais velho. O Simas.
–Imagine se eu tivesse tirado você.
Simas enxugava o restinho de vinho.
–Vai, mãe. Nem pensa nisso.
–Mas eu pensei. Pensei, sim.
Um barulho no lado do quintal.
Era o Dadinho. Treze anos. E uma pistola na mão.
–Assalto. Cadê as joias do Dia das Mães? He he.
Odete teve o impulso inexplicável.
–Vem. Me abraça. Eu te adoto.
Ficou com as joias. E com a pistola de presente.
Dadinho promete bom comportamento.
Num coração de mãe, por vezes, se entra até pela porta dos fundos.

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Livros: '"Homo Sacer"

Por Marcelo Coelho
19/05/13 12:54

Leio nestes dias o famoso “Homo Sacer”, do filósofo Giorgio Agamben –tido como uma das referências inevitáveis do pensamento crítico contemporâneo. Há trechos muito difíceis, como seria de esperar.
As passagens mais compreensíveis me deixam, entretanto, bastante desconfiado quanto à precisão e ao rigor das leituras feitas por Agamben.
Um exemplo, na parte 3, capítulo 2. O trecho analisa a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789. O primeiro artigo diz:
“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em [seus] direitos”.
O segundo artigo diz:
“O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem “.
No terceiro artigo, estabelece-se que
“O princípio da soberania reside essencialmente na nação”.
Vejamos como Agamben interpreta esses três artigos. Ele vê uma ambiguidade a partir do título da declaração. Afinal, trata-se dos direitos “do homem” [do ser vivo homem] ou “do cidadão” [como “animal político”]?
Ele vinha explorando, ao longo do livro, a distinção entre o conceito grego de ‘zoé’, vida pura, vida orgânica, vida animal, vida “nua”, e o conceito de ‘bios’, “a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo ou de um grupo”. Nesse sentido, os gregos falavam em vida contemplativa, vida política etc., usando o termo “bios”, mas não faria sentido usar “zoé” nesse contexto.
Voltando à sua análise da “Declaração dos Direitos”. Agamben identifica nesse documento o fato de que “é justamente a vida nua natural [zoé], ou seja, o puro fato do nascimento, a apresentar-se aqui como fonte e portador do direito”. E isso, para Agamben, não é bom sinal, como sabemos durante a leitura do livro.
A vida natural é posta na base do edifício politico, diz ele, para em seguida dissolver-se na figura do cidadão. “E precisamente porque inscreveu o elemento nativo no próprio coração da comunidade política, a declaração pode atribuir a soberania à ‘nação’ […] A nação, que etimologicamente deriva de ‘nascere’, fecha assim o círculo aberto pelo nascimento do homem”.
Agamben resume: “o nascimento –isto é, a vida nua natural como tal—torna-se aqui o portador imediato da soberania”. Mais: “o princípio da natividade e o princípio da soberania […] unem-se agora irrevogavelmente no corpo do ‘sujeito soberano’ para constituir o fundamento do novo Estado-nação”.
Atenção a esses advérbios e adjetivos de Agamben. Portador “imediato” da soberania? Unem-se “irrevogavelmente”?
O texto da Declaração sugere o contrário. Os homens ao nascer têm e terão direitos iguais. Esse é o dado imediato. Mas o segundo artigo estabelece, justamente, uma mediação, uma outra etapa. Uma associação política se forma com o objetivo de conservar esses direitos. Ou seja, evitar que se percam ou sejam usurpados. Daí, por fim, é que no terceiro artigo se considera que é a partir dessa associação entre homens, e não de qualquer direito divino ou hereditário, que um poder soberano será exercido.
Para Agamben, a ‘vida nua’ se confunde na política moderna com a forma de existir do “sujeito livre e consciente”. Cessa de existir a diferença entre ‘zoé’ e ‘bios’. Na Declaração dos Direitos do Homem, portanto, há uma “ficção implícita”, a de que “o nascimento se torne imediatamente nação, de modo que entre os dois termos não possa existir resíduo algum”.
É como se, em vez de três artigos nitidamente separados, Agamben tivesse lido uma massa única. Está claro, no texto da Declaração, que os direitos surgem no nascimento, e que a associação política se forma para garanti-los, e que o poder político se baseia na soberania de todos que fazem parte da associação. Por isso mesmo o artigo primeiro fala dos direitos do homem, o segundo fala do cidadão, ou seja, do homem em sociedade, e o terceiro fala implicitamente do povo, em sua relação com o Estado. Na leitura de Agamben, é como se os pensadores de 1789 jamais tivessem ouvido falar em contrato social. Não há nada de ‘imediato’ na ligação entre uma coisa e outra.
A intenção de Agamben é clara.
Quando se identifica, já em 1789, uma confusão entre vida biológica e existência politica, supostamente se consegue provar uma linha de continuidade entre a política democrática moderna e o mundo totalitário. Os campos de concentração reduzem a pessoa à sua “vida nua”, ao seu mínimo biológico. Se essa concepção “biológica” surge em 1789, já na declaração dos direitos humanos estava aberto o caminho para os campos de concentração.
É uma tese no mínimo sensacionalista, baseada, neste ponto ao menos, numa interpretação muito discutível do texto.

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