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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Os dois Barbosas

Por Folha
28/11/12 03:00

Ainda prossegue o julgamento do mensalão, e há muitos ajustes de penas, revisões, recursos e intercorrências institucionais pela frente.

De todo modo, um clima de trabalho encerrado, coincidindo talvez com as festas de fim de ano, tomou conta do STF na última semana.

O espírito comemorativo pairou sobre a despedida do presidente Ayres Britto; alargou-se, em dia de casa cheia, com a posse de Joaquim Barbosa no cargo; irradiou-se, finalmente, numa explosão estroboscópica, com as cenas do ministro Luiz Fux tocando guitarra elétrica na festa em homenagem ao colega.

Tenho comentado bastante o julgamento do mensalão no caderno “Poder”, de modo que não entro aqui no conteúdo das decisões do tribunal. Mas o STF também é cultura, e há algo a dizer, sem dúvida, sobre algumas imagens que vão ficando do julgamento em curso.

Numa foto que faz sucesso, Joaquim Barbosa aparece de costas, com a capa drapejante, no estilo homem-morcego. É a figura do vingador, um tanto curvado e cabisbaixo pelo peso da própria obstinação, mas ao mesmo tempo rápido e decidido no passo. As dobras da capa sinalizam velocidade, altitude, independência e solidão.

O reverso da medalha são as máscaras que se fabricam para o Carnaval. Onde tínhamos a toga de Barbosa, temos agora o rosto de Joaquim. As rugas na testa e a expressão severa não tiram, claro, o sentido debochado da ideia, ou melhor, a falta de qualquer sentido na ideia.

Em outros anos, apareceram máscaras de Saddam Hussein, de Obama, de Lula e de Bin Laden. Tanto faz o personagem; o que importa é deslocá-lo do contexto, sublinhando que o Carnaval pode engolir tudo na mesma falta de lógica.

Seja como for, o Joaquim Barbosa trágico, espécie de Batman perseguido, convive com o Joaquim Barbosa cômico, camarada, ao alcance de todos. Não há maior sinal dessa ambiguidade do que o modo com que várias pessoas se referem a ele.

Imagino que não revelo segredo nenhum ao publicar isto: chamam Joaquim Barbosa de “Juiz Negão”.

O curioso é que a denominação, de óbvio histórico racista, vem em contexto positivo. Do gênero: “Tomara que o Negão ponha todo mundo na cadeia mesmo”. Ou: “Se fosse por mim, dava plenos poderes para o Juiz Negão resolver logo essa parada”. Numa sociedade como a nossa, o racismo por vezes está onde menos aparece, e vice-versa.

Os que chamam Barbosa de “Negão” parecem inconscientemente atribuir-lhe uma força vingadora e revolucionária, que admiram, mas da qual também gostariam de se afastar.

É o simétrico, digamos assim, da frase “vocês são brancos, que se entendam”. Algo que sempre pareceu aplicar-se, por sinal, ao mundo altamente codificado e técnico de uma corte superior de Justiça.

Nesse aspecto, os dois Barbosas se combinam. O Barbosa vingador, sozinho num mundo de “brancos”, se identifica com o Barbosa carnavalesco, da máscara que está “na boca do povo”. O branco de classe média, com raiva de Lula e José Dirceu, torna-se “negro” como Barbosa em sua luta contra “os poderosos” que fazem e desfazem em Brasília.

O termo “Negão”, certamente “incorreto”, torna-se estranhamente “correto” nesse contexto. E o contrário acontece com alguns termos “politicamente corretos”.

Foi o caso do discurso feito pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante, homenageando Barbosa na semana passada.

A situação, naturalmente, sugeria celebrar o fato de pela primeira vez se ter um negro na presidência do tribunal.

Ao mesmo tempo, como fez o próprio Barbosa, cabia passar por cima desse fato: ver os méritos da pessoa, não a cor de sua pele.

Cavalcante saiu-se com uma referência ao “multiculturalismo da brava gente brasileira”, que “se faz presente com o ministro Joaquim Barbosa”.

Como assim, “multiculturalismo”? Tendo estudado em Paris e dado aulas nos Estados Unidos, por que seria Barbosa mais “multicultural”, ou menos, do que Gilmar Mendes ou Celso de Mello?

De modo parecido, a severidade de Barbosa é frequentemente relacionada a alguma dose de revolta ou rancor que traga do próprio passado. Talvez; mas por que não culpar a sua dor nas costas, por exemplo, pelo mau humor que o acompanha?

Num país em que se esconde o racismo, o racismo surge mesmo onde ele não está. O fato é que ninguém fecha os olhos para o fato de ele ser negro; e fingir que se ignora o fato tende a ser muito revelador também.

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A data do crime

Por Marcelo Coelho
26/11/12 15:37

Romeu Queiroz (PTB) Para Barbosa, sua pena é de 3 anos e 6 meses pelo crime de corrupção passiva. A nova lei ampliou a pena mínima para 2 anos, mas, diz Lewandowski, o primeiro recebimento foi em setembro de 2003, quando vigia a lei original, que tinha como mínimo 1 ano de prisão. Corrupção passiva é crime formal, que se consuma com a mera aceitação, não com o recebimento da vantagem.

Marco Aurélio- O crime foi praticado em 2003, e continuado em 2004. A partir do momento em que não se reconhece a continuidade, toma-se o crime como meramente formal, tendo ocorrido em 2003; mas como é continuado tendo ocorrido então uma vez só?

Barbosa- o recebimento faz parte do tipo penal…

Celso de Mello- o tribunal não reconheceu continuidade delitiva. Estamos considerando um crime único. A primeira conduta, de julho de 2003, é a que deve ser considerada, anterior à edição da nova lei, em novembro desse ano.

Barbosa- chegaremos ao paradoxo: o réu que recebeu em 2003 E 2004 terá pena menor do que o que só recebeu em 2004…!

Marco Aurélio- Quem recebeu só em 2004 terá a pena mais grave, da nova lei.

Lewandowski- Foi a decisão da sociedade, ao julgar que deveria haver a partir daquele momento uma punição mais grave para o delito.

Fux- Muito embora exista a explicitação dessa questão de fato, minha pena mais se aproxima dos 3 anos e 6 meses, então mantenho a pena do relator.

Carmen Lúcia, Toffoli, Marco Aurélio acompanham o revisor. 2 anos e 6 meses.

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Bispo Rodrigues, seis anos e nove meses

Por Marcelo Coelho
26/11/12 15:15

Dosimetria do Bispo Rodrigues. Corrupção passiva. Líder de partido (PR) e parlamentar, sua conduta tem consequências que atingem bens jurídicos que vão além da mera administração pública.O crime foi praticado em 17 de dezembro de 2003, aplicando-se portanto a lei mais grave, que tem mínimo de 2 anos. Pena base de 3 anos e seis meses. Mais 150 dias multa (o mesmo de José Borba).
Advogado pede que seja considerada a atenuante da confissão.
Barbosa- nenhum dos parlamentares negou o recebimento da vantagem. Indefiro.
Carmen- confessaram, mas não que fosse crime. Disseram que era ajuda de partido a partido. Disseram que receberam, o que estava comprovado, mas não que era crime.
Lewandowski- Tenho relutância, embora respeite a ponderação. A confissão deve ser espontânea, de molde a colaborar para delito desconhecido. Não basta a admissão de um feito, aberta e francamente, para que se atenue a pena. É preciso que a confissão ajude a investigação. Não é o caso.
3 anos.
Toffoli, Carmen, Gilmar, Marco Aurélio e Rosa acompanham Lewandowski.
Fux e Celso de Mello acompanham o relator.

Lavagem de dinheiro, Bispo Rodrigues. 3 anos e 3 meses de reclusão. Lewandowski e Rosa não votam. Fux lembra que a pena mínima de 3 anos e a máxima de 10. Entre 3 e 10, Barbosa fixou 3 anos e 3 meses, o que é mais do que proporcional.
Toffoli, Carmen, Gilmar acompanham.
O total para Rodrigues, portanto, fica em 6 anos e 9 meses, regime semi-aberto.
Seis anos e nove meses? Não houve erro de cálculo aí? Só esperando para ver, a essa altura.

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José Borba, 2 anos e seis meses

Por Marcelo Coelho
26/11/12 14:55

Prossegue o julgamento do mensalão, com a dosimetria José Borba (PMDB). Corrupção passiva. 2 a 12 anos. Líder do PMDB. Culpa exacerbada. Elevada reprobabilidade. Marcou encontro com Marcos Valério, na sede do PT; procurou ele próprio o empresário. Consequências gravíssimas. 3 anos e seis meses, pena base.
Lewandowski. Divergência quanto à data do crime. A denúncia diz que só foi comprovada uma vantagem, antes da nova lei. 2 anos e seis meses.
Rosa Weber- fiquei exatamente na metade do caminho. A aplicação da lei, poder-se-ia cogitar da súmula 711, mas a promessa foi anterior à nova lei. Na dúvida, fico com o revisor.
Fux- acompanha o relator.
Carmen- acompanha o revisor.
Gilmar- acompanha o revisor.
Barbosa- cometeu o crime também já na vigência da lei nova, de 2003.
Lewandowski- recebeu em parcelas, mas só foi comprovado um recebimento, antes da nova lei.
Marco Aurélio- O recebimento foi dia 20 de novembro, posterior à alteração da lei, que é de 12 de novembro. Acompanho o relator.
Celso de Mello- Acompanho o revisor, tendo em vista a anterioridade da conduta punível, de 12 de novembro de 2003. Tratando-se de pena privativa de liberdade superior a 1 ano, pode ser substituída por pena restritiva de direito e multa, ou por 2 penas restritivas de direito. É preciso explicitar quais são. Uma delas é a limitação dos fins de semana. A sanção deve ter componente aflitivo muito claro. Pune-se quem infringiu a lei penal. Se o objetivo é a ressocialização, nem por isso o caráter aflitivo da pena deve ser minimizado. A interdição de fim de semana é importante para que o condenado, embora não privado de liberdade, sinta o peso da punição. Obriga-se o condenado a permanecer por cinco horas diárias, aos sábados e domingos, no estabelecimento de albergue, com cursos e palestras.
Marco Aurélio—isso não é privativa de liberdade?
Celso- Não, é restritiva de direitos. Mas o componente aflitivo fica minimamente assinalado ao restringir seu comportamento.
Fux- dei-me ao trabalho de ver como funciona. A fiscalização é deficiente e há poucas casas de albergados. Barbosa tem sugerido a prestação de serviços à comunidade. Assim como a proibição de atividades que dependem do poder público. Seria mais proporcional.
Celso de Mello. Ia chegar neste ponto, pois há duas penas alternativas: a primeira a que me referi, e a segunda seria a proibição de ocupar cargo alternativo. De modo que a sentença pode ser convertida em duas penas.
Toffoli- acompanha o revisor.
Prevalece a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, mais 150 dias multa no valor de dez salários-mínimos.
Celso- Convertemos a pena em pena restritiva de liberdades?
Barbosa- Acolho. Fixo a pena restritiva de direito em;;; o que mesmo? Restriçao de fim de semana.
Celso- Pois a prestação de serviços à comunidade se tornou tão banalizada…
Barbosa- Uma vergonha, na verdade.
Mais adiante, ainda nesta seção, sugerirei a pena restritiva de direitos.
Celso- É importante fixar.

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Fofuras da "Veja"

Por Marcelo Coelho
25/11/12 03:08

Faz muito tempo que não leio a “Veja”, tendo apenas comprado o número da semana passada para ver a matéria sobre a Osesp e o amigo Arthur Nestrovski.
Eis que, como ex-assinante, recebo pelo correio um convite promocional.
É uma obra-prima de imaginação mercadológica mal dirigida.
Na cobertura do envelope, uma intrigante mensagem.

Marcelo,
Perguntei por que faltava o seu nome e ninguém soube explicar. Veja como, logo depois, tudo ficou resolvido.

Hum. Vamos ver? Abro o envelope.

MARCELO,

(é sempre bom ver o nome da gente assim em letras grandes)

a reunião de ontem foi muito importante para mim e você tem tudo a ver com isso.

(ele nem imagina o quanto).

Toda a nossa equipe checava os nomes das pessoas que continuavam assinantes de VEJA.

(precisa ser uma equipe grande para fazer isso, eu acho).

Algumas depois do primeiro ano de assinatura. Outras depois de dez, vinte anos e até mais.
Gostoso foi comprovar que era uma seleção de gente extremamente diferenciada, ativa e participante, que faz a diferença no meio em que vive.

(deve ter sido bem gostoso, mas um bocado trabalhoso também. Quantos assinantes tem a revista, quinhentos mil? Um milhão? Para eles terem “selecionado” esse milhão de pessoas no meio da população brasileira, e depois comprovarem que a seleção foi bem feita, puxa, não invejo. Mas o importante é que EU, MARCELO, tinha tudo a ver com a importância dessa reunião).

Gente como Marcelo Penteado Coelho

(Não disse? Olha eu aí!)

Quando perguntei por que você não estava mais entre os assinantes de VEJA, algumas possibilidades apareceram.

(Vamos ver se ele acerta)

Marcelo perdeu o prazo de renovação, por algum motivo.

(aí não vale: qual o motivo? Ainda está frio…)

Ou viajou na hora de renovar e esqueceu.

(está certo, como sou uma pessoa diferenciada, eu viajo muito. Mas como é que não percebi, na volta de meu “périplo”, que VEJA não estava mais me aguardando, empilhada na bandeja de prata que meu mordomo costuma usar para me trazer, toda manhã, os principais periódicos do Ocidente?)

Ou está dando um tempo…

(é, foi o que fiz com a Ana Paula Arósio e a Maria Fernanda Cândido)

Ou…

Interferi diretamente.

(escute, que mal pergunte, quem é você afinal?)

Tenho uma ideia clara na cabeça.

(ah, deve ser alguém da Veja mesmo).

Se Marcelo ainda não voltou é porque está só esperando uma boa oportunidade e ainda não soubemos criá-la.

(engenhoso, rapaz! Você sabe bem que MARCELO COELHO é astucioso e preza suas oportunidades de investimento. Faz como na Bolsa ou no dólar: espera as cotações baixarem para comprar).

Foi quando todos tomamos a decisão de trazer você de volta.

(nossa, como vocês aguentaram ficar tantos anos com saudade de mim?)

Criamos a oportunidade que você espera.

(nossa, gêintche… num acreditcho…)

Começamos com o maior desconto que podemos dar: 50%

(es poco, corazón. En las calles de Buenos Aires muchas chicas más guapas que vos ya me hicieron ofertas más despudoradas).

Ou seja, você vai assinar VEJA pela metade do preço.

(legal traduzirem 50% por metade do preço. A clientela, por mais diferenciada que seja, às vezes se confunde na matemática).

Mais uma página de explicações e, finalmente, fico sabendo quem escreveu a mensagem. É Marcia Donha, gerente de assinaturas da revista Veja. Não colocou a fotografia junto.

Mas como se trata de uma carta pessoal e carinhosa, quem sabe eu respondo.

MARCIA,

Obrigado por dizer que eu faço falta. Pensei que vocês nem ligassem para o fato de eu ter suspendido a assinatura há tanto tempo. Toda a sua equipe, durante esses anos, parece ter se preocupado mais em cultivar um público limitado, preconceituoso, consumista e sem nenhuma sofisticação cultural, disposto apenas a ver numa revista a confirmação de suas ideias simplistas sobre o mundo, incapaz de notar o tom partidário e editorializado de matérias pobres em conteúdo informativo, além de pronto a aplaudir o estilo hidrófobo de seus colaboradores. Fico feliz: estão pensando em me reconquistar. Mas achar que eu estava esperando esse descontinho para voltar… francamente. Só volto quando ganhar as obras completas de Lya Luft encadernadas de brinde. Cobro caro para vocês terem o meu amor de volta. Não sou desses que acodem a qualquer trocadinho, viu, MARCIA?
Um beijo, fofa.

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Mais um conservador

Por Marcelo Coelho
22/11/12 19:43

Apesar de escrito logo depois da vitória de Obama em 2008 (daí seu título), “After the Hangover –The Conservatives’ Road to Recovery” parece fixado nas piadinhas sobre o comportamento sexual de Bill Clinton, entre outras fofocas do gênero.
O autor do livro, R. Emmett Tyrrell Jr., é o fundador do “American Spectator”, uma revista mensal de direita. Para ele, falar do “coletivismo” de Obama é falar de um fato consumado; menos usual é sua opinião de que o presidente democrata projeta um futuro “peronista” para os Estados Unidos.
O tom delirante é amenizado pelo bom humor. E azedado pelo gosto de Tyrrell por falar mal de seus próprios correligionários. Característica que, segundo ele mesmo, é um dos piores defeitos dos conservadores, que deveriam fazer como a esquerda, sempre disposta ao jogo do elogio mútuo.
Os conservadores deveriam, ademais, prestar mais atenção neles mesmos
. Cada conservador ignora os demais, diz Tyrrell, que parece quase se queixar de que não leiam os livros que ele próprio
No meio das fofocas, uma curiosa. O escritor William Bennett, que fez sucesso com seu “Livro das Virtudes” e com o “Livro das Virtudes para Crianças”, pode defender bem o ideário conservador –mas foi encontrado gastando 8 milhões de dólares numa mesa de jogo em Las Vegas.
Dado esse tipo de revelações, soa bastante falsa a crítica do autor à “vulgaridade” da cultura moderna, que ele não se importa em acomodar com seus elogios às redes de rádio e TV conservadoras –as quais transmitem a boa causa “num nível popular”.
Resta pouco de aproveitável do ponto de vista teórico de toda essa falação. O capítulo 5 do livro esboça uma definição do conservadorismo americano. A origem do movimento no pós-guerra se deve, segundo Tyrrell, ao concurso de três grupos diferentes: os advogados do Estado mínimo (contra a política de Roosevelt), os anticomunistas e os tradicionalistas.
Naquela época, foram acusados de pessimismo e de nostalgia pela Idade Média. Nada mais falso, diz Tyrrell; afinal, a confiança no desenvolvimento industrial americano e o otimismo quanto ao futuro foram as marcas do governo Reagan. São os conservadores, lembra Tyrrell com razão, os verdadeiros liberais (isto é, adeptos do laissez-faire). É uma confusão tipicamente americana, como sabemos por aqui, chamar de “liberal” quem é de esquerda.
A narrativa “teórica” de Tyrrell logo se perde, entretanto. O autor não resiste ao fato miúdo, e se lança a várias páginas de argumentação para mostrar que os anticomunistas estavam certos ao apontar a presença de espiões soviéticos no governo americano. Alger Hiss, por exemplo, continuou sendo considerado inocente pelos esquerdistas, enquanto tudo indicava que ele era comunista mesmo.
Temas como a luta contra a discriminação dos negros no Sul dos EUA recebem menos atenção, nesse histórico das ideias conservadoras, do que fatos desse tipo.
A discussão volta a um nível mais amplo quando Tyrrell adota a definição do britânico Michael Oakeshott do conservadorismo. Não um conjunto de ideias, mas uma atitude, uma disposição.
Os conservadores focam “numa propensão a usar e desfrutar o que está à disposição, em vez de desejar ou procurar alguma outra coisa. Tiram prazer no que está à vista mais do que no que foi ou no que será. A reflexão pode tornar clara uma gratidão adequada ao que está disponível, e consequentemente o reconhecimento de um dom, ou de uma herança do passado; mas não existe a mera idealização do que já passou e está morto. O que se estima é o presente; e é estimado não por que se leva em conta suas conexões com uma antiguidade remota, nem porque se considera que é mais admirável do que qualquer outra alternativa possível, mas porque se leva em conta a sua familiaridade”.
É, sem dúvida, a posição de quem herdou uma fortuna da família –os termos estão todos presentes nesse raciocínio—e não se preocupa muito com o fato de que, para muita gente, não há tanto a desfrutar e agradecer na situação presente.
Claro, sempre há –o pobre se conforma com o que tem, muitas vezes. Mas a ideia de que todos possam assentir com isso é tão utópica quanto o sonho de justiça social, sempre acusado de “utópico” pelos conservadores.
Os três grupos originais do conservadorismo americano –anticomunistas, tradicionalistas e adeptos do “laissez-faire”—teriam, de todo modo, de ajustar suas diferenças internas.
Tyrrell conta que o responsável por essa “harmonização” foi Frank Meyer, editor da “National Review”. Seguem-se fofoquinhas sobre os hábitos pessoais de Meyer, a quem Tyrrell apresentou, numa modesta vivenda rural nas imediações de Woodstock (!) o jovem filho de nosso querido Irving Kristol.
Em meados da década de 1960, Meyer elaborou os “seis artigos de fé” que, segundo Tyrrell, todo conservador se inclina até hoje a subscrever. São os seguintes:

“O conservadorismo assume a existência de uma ordem moral objetiva baseada em fundamentos ontológicos”;
“Dentro dos limites de uma ordem moral objetiva, a referência primária do pensamento político e social conservador, assim como de sua ação, é o indivíduo”.
“O formato do pensamento conservador americano é profundamente anti-utópico”.
“É com base nestes dois últimos pontos –preocupação com o indivíduo e rejeição de desígnios utópicos—que nasce a atitude contemporânea do conservadorismo americano com relação ao Estado… Os conservadores podem variar quanto ao grau em que deve ser limitado o poder do Estado, mas estão de acordo quanto ao princípio da limitação”.
“Similarmente, os conservadores americanos se opõem ao controle estatal da economia.”
“O conservadorismo americano deriva dessas posições seu firme apoio à Constituição dos Estados Unidos tal como concebida originalmente –no intuito de realizar a proteção da liberdade individual numa sociedade organizada limitando os poderes do governo.”
“Em sua dedicação à civilização ocidental e no seu franco e orgulhoso patriotismo americano, os conservadores veem o comunismo como uma ameaça armada e messiânica à própria existência da civilização ocidental e dos Estados Unidos”.

O engraçado desses princípios é que podem resumir-se num só: anticomunismo. Apoio à liberdade individual, crença numa ordem moral objetiva (isto é, não relativista), e defesa de algum limite para os poderes do Estado são ideias que a maioria dos progressistas e esquerdistas moderados poderiam subscrever também.
A questão é que os conservadores tendem a achar qualquer coisa –por exemplo, o fim da legislação racista ou a crítica à desregulamentação do sistema financeiro—como atentados à “liberdade individual” (dos racistas do sul) e sinais de estatismo econômico.
É que, no fundo, a sociedade americana como um todo nunca foi fascista ou comunista, e mesmo a esquerda por lá tem tendência anticoletivista.
A solução, claro, é chamar de coletivista, comunista ou “peronista” um presidente afinal moderado, como Obama. Qualquer iniciativa de transformação será chamada de “utópica” por esses supostos “realistas”, tomados do delírio de ver em Obama, Clinton ou quem quer que seja um perigo para a civilização ocidental.

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Pajelanças homéricas

Por Folha
21/11/12 03:00
 
 Para vencer a crueldade é preciso ser mais cruel ainda. Ajudar o próximo é tornar-se cúmplice da violência que o levou a pedir ajuda. Apesar de todo o progresso técnico, o preço do pão não diminui.
 
São ideias do velho Bertolt Brecht, em plena ebulição revolucionária europeia depois da Primeira Guerra Mundial.
 
Quem as ressuscita, a propósito da crise econômica de Espanha, Portugal e Grécia hoje em dia, é José Celso Martinez Corrêa, no espetáculo “Acordes”.
 
Com textos de Brecht e música de Paul Hindemith, além de muitas intervenções próprias, José Celso criou uma espécie de ópera-teatro multimídia, em cartaz no Oficina até 23 de dezembro, com transmissões ao vivo pela internet.
 
O público é convidado a participar moderadamente do espetáculo, respondendo “sim” ou “não”, como uma espécie de massa coral, às perguntas propostas pelo encenador.
 
Apesar das suas presumíveis convicções de esquerda, dificilmente alguém da plateia estaria disposto a levar às últimas consequências o elogio da crueldade revolucionária defendido no texto.
 
Nem mesmo o próprio José Celso, claro. Os atores e atrizes de sua companhia já foram mais bonitos do que atualmente, mas como sempre derramam o mel de seus olhares diretos sobre os espectadores alinhados na arquibancada do teatro.
 
Mais do que isso, oferecem pedaços de melancia à plateia, num momento em que a peça se abre para uma espécie de comunhão eucarística. Há outras referências ao imaginário cristão, aliás muito bem integradas à narrativa. Quando um ator se limpa da maquiagem que o desumanizava, para se tornar “apenas uma pessoa”, seu lenço sujo de tinta azul e vermelha se apresenta como um Santo Sudário.
 
Despir-se de si mesmo, deixar de se considerar alguém, tornar-se “ninguém”: a humildade cristã devora, nesse espetáculo, o materialismo de Brecht.
 
“Morte, onde está tua vitória?”, perguntava São Paulo na epístola aos Coríntios. José Celso não seria José Celso, de todo modo, se não misturasse à mensagem bíblica todo tipo de referências, criando uma vasta pajelança contra o capitalismo.
 
Assim, temos Santos Dumont pelado, mas de chapéu, tomando banho de água fria; o médico-legista Harry Shibata com uma serra elétrica; depoimentos de índios guarani-caiová; vídeos do ministro Gilmar Mendes; e homenagens a Henriette Morineau.
 
Poderiam aparecer Madame Satã e Giordano Bruno, Picasso e Friedenreich, pouco importa: a arte de José Celso, verdadeiramente grande, tem a capacidade de integrar tudo o que quiser numa bagunça que é apenas aparente.
 
E talvez sejam aparentes, também, as contradições e anacronismos da “mensagem” proposta pela peça. Com certeza, apesar de todo o desespero dos portugueses, dos espanhóis e dos gregos, a crise atual não se compara à de 1929; e o preço do pão, ainda que a barbárie continue, baixou muito daqueles tempos para cá.
 
Por isso mesmo, o Brecht vivido por Marcelo Drummond usa uma roupa dourada, e todo seu antigo esforço de mobilizar a massa da plateia é figurado, com grande poesia, pelo uso de serpentinas brilhantes que se trançam entre os espectadores, como uma rede carnavalesca e mágica, convidando-os delicadamente a sair de seus lugares.
 
Ideais mortos são assim revividos religiosamente, sincreticamente. Teatro e política não se unem numa coisa só, mas se transcendem numa catarse ritual.
 
Os mesmos problemas, com estilo parecido, mas sem a aspiração dionisíaca, estão presentes em outra excelente peça em cartaz. Trata-se da “Odisseia” de Homero, com dramaturgia de Samir Yazbek, direção de Marco Antonio Rodrigues e os esplêndidos atores (recém-formados) do grupo Estúdio da Cena.
 
Novamente, tudo pode entrar no espaço abafado do Galpão do Folias. Aquiles é Che Guevara, Penélope transformou Ítaca num vasto empreendimento imobiliário de luxo, a ilha dos lotófagos se traduz numa cracolândia admiravelmente realista.
 
Dentro de todos esses contextos, que não parecem nada forçados graças à encenação vibrante e criativa, Ulisses corresponderia ao velho ideal de esquerda procurando em vão uma terra firme nos dias atuais.
 
Poderia parecer apenas um sintoma de nostalgia ideológica, apesar da imaginação espantosa do espetáculo (que transforma, por exemplo, uma cena de estupro em verdadeira proeza de concisão poética). Mas a peça, na última hora, cria uma pausa (“tchecoviana”, diz o texto) –e as ilusões se dissipam.
 
Já o teatro, aqui como em “Acordes”, continua –evai bem de saúde.
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Uma história dos "neocons"

Por Marcelo Coelho
21/11/12 02:23

“They knew they were right” (eles sabiam que estavam certos/ eram de direita) é um livro publicado em 2009, que busca fazer uma rápida história da ascensão do pensamento neoconservador nos Estados Unidos.
Seu autor, Jacob Heilbrunn, é um neoconservador ele próprio, trabalhando como editor na revista The National Interest. O livro não esconde os erros de avaliação cometidos por seus correligionários, especialmente com relação à guerra do Iraque. Critica, ademais, o hábito de vários neoconservadores de dizer, quando tudo vai mal, que suas ideias não foram seguidas corretamente, e que Fulano ou Beltrano traíram, na prática, algo que na teoria era para funcionar melhor.
Para o leitor brasileiro, o livro exagera um bocado na listagem de nomes e mais nomes de personalidades conhecidíssimas provavelmente para o público americano, mas aqui elencadas sem maiores apresentações.
Ao mesmo tempo, o leitor brasileiro (ao menos, este leitor) acaba tendo surpresas. Os neoconservadores cresceram no horror a Kissinger e a Nixon (afinal, eles promoveram a retomada de relações com a China). Criticavam, naqueles tempos, a corrente “realista” da política exterior norte-americana. Eram, em sua maioria, do Partido Democrata.
Dos anos 50 até os 80, pelo menos, os republicanos tendiam a ser mais isolacionistas, cabendo a maior agressividade americana aos “falcões” democratas, como Jeanne Kirkpatrick.
Outra surpresa: tipos como Condoleeza Rice e Donald Rumsfeld, tristemente célebres durante o governo de George W. Bush, não faziam parte do grupo neoconservador. O único neoconservador de carteirinha, segundo o livro, era Paul Wolfowitz.
A primeira geração dos neoconservadores (em oposição aos conservadores clássicos, como William Buckley Jr.) era principalmente de intelectuais judeus da esquerda anti-stalinista. Como parece ser comum entre trotskistas, o anti-stalinismo logo se tornou anti-comunismo. A experiência das hesitações entre os países democráticos para combater Hitler, na década de 1930, levou esses intelectuais a recusar qualquer atitude de conciliação posterior com países totalitários.
E, naturalmente, a apoiar qualquer ditadura de direita na América Latina ou em qualquer parte do mundo. O anticomunismo era o biombo de tudo, até a defesa do apartheid na África do Sul.
Nesse clima surgem as figuras de Irving Kristol, Max Schachtman, Elliot Cohen, Irving Howe e Gertrude Himmelfarb, sua mulher. A antipatia que tinham pelo “establishment” branco e protestante, um bocado anti-semita naqueles tempos, iria orientá-los num sentido hostil aos republicanos e aos conservadores tradicionais.
O livro de Jacob Heilbrunn organiza toda a narrativa com base na atitude desses intelectuais –e das gerações que vieram em seguida—face ao conflito árabe-israelense.
Vai ver que foi assim mesmo, mas fica estranho ver tão raras menções à guerra do Vietnã, a Martin Luther King, à contracultura e a outros divisores de águas na política americana do século 20.
Foi a segunda geração neoconservadora que abandonaria o Partido Democrata para aderir aos republicanos. Norman Podhoretz começou simpatizando com militantes dos direitos civis para os negros, como James Baldwin, mas se afastou quando a simpatia destes pelos muçulmanos foi crescendo no final dos anos 60.
As ocupações das universidades pelo movimento estudantil pareceram, pela violência de algumas manifestações, algo equivalente ao fascismo –e as saudações dos Panteras Negras nada faziam para dissipar esse tipo de comparação. Allan Bloom, discípulo do célebre Leo Strauss, seria dos nomes mais conhecidos a definir-se politicamente depois desses eventos. Alunos de Bloom seriam Francis Fukuyama (que depois renegaria seu passado neoconservador e apoiaria Barack Obama), Paul Wolfowitz, Abram Shulsky e Kenneth Weinstein.
Este é um dos momentos em que o livro de Heilbrunn poderia ser mais detalhado em termos de história das ideias. Mas é a política externa americana, em especial o caso de Israel, o foco de suas atenções.
Em termos de política externa, chamam a atenção as opiniões do neoconservador Albert Wohlstetter: contra a atitude republicana de manter um “equilíbrio” nas armas nucleares, esse teórico achava que os russos, afinal saídos de uma guerra que lhes causara 20 milhões de mortos, não se importariam muito em perder um milhão ou mais de pessoas iniciando uma guerra nuclear. Não seria “sensato”, dizia ele, achar que os interesses soviéticos no desarmamento ou na contenção do arsenal atômico eram tão sinceros assim.
Daí para a vontade de pressionar pela guerra a qualquer custo o passo era pequeno. Irving Kristol, recentemente homenageado pela sua sabedoria em necrológios até no Brasil, combateu, por exemplo, toda manifestação de boa vontade que Ronald Reagan pudesse ter com relação a Gorbatchev.
O curioso, como nota Heilbrunner, é que a inovação história proposta por Jimmy Carter na política externa americana –a defesa dos direitos humanos— foi decisiva para levar os neoconservadores para o lado republicano. Não havia como defender direitos humanos no Brasil, por exemplo, se isso significava fortalecer o maior inimigo mundial dos direitos humanos, a União Soviética. Todavia, a promoção “internacionalista” da democracia, através da intervenção militar direta, seria a grande justificativa, anos depois, para as ações de Bush no Iraque. O problema é que, pensando unicamente em bombardeios, ninguém na administração americana cuidou muito de como promover a economia e a ordem política nesses países devastados e cindidos.
A mesma obsessão belicista fez com que os neoconservadores combatessem qualquer concessão no Oriente Médio, em especial os acordos promovidos por Jimmy Carter em Camp David.
Na aproximação com os republicanos, os neoconservadores logo perceberam a importância de manifestar simpatia pela direita cristã. É assim que o sempre elogiado Irving Kristol passou a dizer, nos anos Reagan, que o darwinismo era apenas uma “hipótese”, que estava “longe de ser um fato científico estabelecido”.
Mas o otimismo reaganiano com relação às reformas de Gorbatchev, que afinal se provou correto, foi um motivo para que os neoconservadores se afastassem dele. Kristol e Norman Podhoretz não conseguiam acreditar que o comunismo estava a caminho da derrota: contra quem iriam lutar então?
O otimismo ganhou sua formulação teórica com a tese do “fim da história” de Francis Fukuyama; o neoconservadorismo ia se tornando, assim, apaziguado e democratizador, enquanto seus instintos guerreiros sofriam –sem contar o fato de que foi um democrata, Bill Clinton, quem deu o tom da intervenção armada anti-tirania na ex-Iugoslávia. Tempos difíceis.
A geração seguinte ganhou de Osama Bin Laden um presente e tanto. Mesmo assim, segundo o livro, os neoconservadores obtiveram poucos postos na administração Bush –ainda que o próprio presidente e seu vice fossem cada vez mais próximo deles. Já era uma outra geração, a do filho de Irving Kristol, William, a do filho de Norman Podhoretz, John, e de David Brooks e Lawrence Kaplan. Esses não tinham nenhum passado antifascista; já tinham nascido num ambiente de anticomunismo ferrenho.
Só que os problemas americanos no Iraque cresciam, e os neoconservadores não sabiam como defender-se dos ataques à política de Bush. David Brooks saiu-se com esta: não existia essa história de neoconservadorismo. Quem usa o termo está aplicando apenas um rótulo mal intencionado. “Neocon” é uma abreviação, diz ele, em que “con” quer dizer “conservador” e “neo” quer dizer judeu. Ou seja, quem aplica o termo é na verdade um anti-semita disfarçado.
Como a luta contra o radicalismo muçulmano continua, o radicalismo neoconservador tem bastante espaço pela frente, parece concluir Heilbrunner. O problema é que seu livro adota essa perspectiva mais recente para explicar, não tanto o fenômeno ideológico mais amplo do neoconservadorismo, mas apenas a história das relações entre os neocons e a política externa americana, cujas complexidades e uniformidades, ao longo do tempo, resultam num guia bastante confuso para esse tipo de narrativa. Aos olhos de um brasileiro, as diferenças entre todos não são tão grandes assim.

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No fim do túnel

Por Folha
14/11/12 03:00

Militantes antirreligiosos fizeram circular uma mensagem audaciosa nos ônibus de Londres. “Provavelmente Deus não existe”, diziam os cartazes. “Então, pare de se preocupar e aproveite a vida.”

No livro “Unapologetic”, publicado neste ano na Inglaterra, o escritor inglês Francis Spufford critica a iniciativa. Como assim, “aproveite a vida”? Em que mundo esses caras estão?

Imagine, diz ele, uma senhora de meia-idade, com sua sacola de compras do supermercado, voltando para casa, onde irá encontrar aquele que foi o homem de sua vida, agora tomado pelo mal de Alzheimer, que acaba de espalhar mais uma vez suas fezes pela parede.

Ou então imagine o garoto numa cadeira de rodas, com as pernas torcidas como um saca-rolhas pelos espasmos da doença, sem poder falar; ele é capaz apenas de teclar suas mensagens no computador, mas isso também está ficando cada vez mais difícil.

“Aproveite a vida?” Para Spufford, que responde ao ateísmo de Richard Dawkins e Christopher Hitchens, quem criou esse slogan é que vive no mundo da carochinha.

Adotou-se, diz ele, a mentalidade típica da publicidade comercial: todo mundo é feliz, saudável e bonito e, se aparece alguém de cabelo branco, é porque se trata de um daqueles anúncios de aposentadoria privada, em que há muita disposição para os prazeres da “melhor idade”.

Spufford não é teólogo. Escreveu um romance de ficção científica e ensaios sobre a história da tecnologia. “Unapologetic”, que poderia ser traduzido como “Sem Justificativa”, ou “Sem Pedir Desculpa” (por ser cristão), traz argumentos muito amigáveis, dirigidos a quem não vê sentido no modo de vida religioso.

Como sou uma dessas pessoas, logo pensei numa resposta aos exemplos da mulher de meia-idade e do menino de cadeira de rodas. É cruel dizer-lhes para “aproveitar a vida”. Mas também é duro dizer que um Deus misericordioso quer que essas desgraças lhes aconteçam.

Mesmo assim, talvez até prefiram acreditar em Deus. Mas o fato de ser preferível não torna alguma crença mais verdadeira.

Os argumentos a favor e contra podem estender-se, é claro. Constituem um dos principais temas de “Expresso do Pôr do Sol”, peça do norte-americano Cormac McCarthy, em cartaz no Tucarena até 25 de novembro.

Ao longo de uma hora e pouco, dois excelentes atores (Cacá Amaral e Guilherme Sant’Anna) discutem bravamente a questão. Mais do que isso: Cacá Amaral, no papel de um professor universitário branco, acaba de ser salvo de se atirar da plataforma de um trem.

É um ex-presidiário negro, convertido ao cristianismo, quem o impede de se matar. No papel de “Black”, Guilherme Sant’Anna é um anjo de astúcia e vitalidade, tentando desmontar a descrença furiosa de ªWhiteº. Como bom ateu, o diálogo me pareceu desequilibrado a favor de uma ótica cristã. A peça mostra bem os motivos biográficos que fizeram o ex-presidiário abraçar a escolha “correta”.

Os argumentos de “White” em favor do suicídio, entretanto, são impessoais e vagos. Ele declara, por exemplo, que toda sua fé na cultura e no progresso desapareceu “nas cinzas dos campos de extermínio”; sendo toda esperança de felicidade uma mentira, o melhor é se jogar na frente de um trem.

Evidentemente, nem todo ateu quer se jogar na frente de um trem. A moral da história seria outra: sem acreditar “em alguma coisa”, você não consegue viver. O cristianismo pode ser essa “alguma coisa”, e certamente “Black” é feliz com sua religião. Livrou-me de um monte de encrencas, diz o ex-presidiário. Certamente. Mas ainda falta escrever uma peça em que o ateu, vivendo feliz seu modesto destino, tenta tirar o religioso das encrencas em que ele se mete.

Imagine, por exemplo, um jovem homossexual que renega seu amor por outro homem simplesmente pelo fato de que sua religião não permite esse tipo de coisa. Ou a mãe que se recusa a abortar e gera um filho com grave deficiência, quando poderia ter outro normal numa gravidez posterior.

“Expresso do Pôr do Sol” não vai muito longe nesse tipo de debates, que naturalmente varariam a madrugada toda. De todo modo, para quem não está disposto a se atirar nos trilhos de um trem, não deixa de ser um bom ponto de partida para a discussão.

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Genoino,regime semi-aberto

Por Marcelo Coelho
12/11/12 16:31

Corrupção ativa, para José Genoino. Barbosa- culpabilidade menos elevada que a de Dirceu, mas ainda assim significativa, dada sua condição de presidente de partido. Não foi crime de corrupção comum, mas ato de poder no centro da república.
3 anos e 6 meses de pena base, com continuidade delitiva, 5 crimes. 5 anos e 3 meses. 180 dias multas.

Rosa Weber- com relação a este réu, acompanho na pena base mas aumento a continuidade delitiva em apenas 1/6; 4 anos e 8, porque só são cinco vezes.

Luiz Fux- na nossa tabela o aumento por continuidade é de metade, acompanho o relator.
Toffoli. Divirjo. O condenado está por PP, mas não por PMDb e PL. Os crimes foram aplicados antes de 2003. O mínimo é entre 1 e 8 anos de reclusão. Os parlamentares do PP se reuniram com ele em janeiro de 2003. Foi antes de a lei aumentar a pena. Os pagamentos, efetuados em 2004, foram exaurimento do crime.
Culpabilidade: as provas revelam a censurabilidade do comportamento do agente. Antecedentes: sem condenações anteriores. Conduta social não permite juízo desfavorável. Motivos do crime desfavorecem. Circunstâncias> a maneira com que participou, não se encarregou de operacionalizar; apenas subscreveu os contratos de empréstimos. Não considero desfavoráveis as circunstânciacias. Desfavoráveis as consequências. Fixo a pena base em 2 anos, ou seja, o dobro da pena mínima. Seis crimes, acréscimo de 1/3. 2 anos e 8 meses. Multas de meio salário, dada a condição financeira do condenado.
A pena, para fins de prescrição, é de 2 anos, e isso vale agora. Declaro extinta a punibilidade.

Carmen- 2 anos e 4 meses. Não me pronuncio sobre extinção de punibilidade porque isso conforme assentado fica para o final do julgamento.

Barbosa- O min. Diz que a primeira oferta foi em 2003, mas o dado que tenho é que a primeira oferta foi em 2004.

Gilmar- Pena base 3 anos e 3 meses, como Rosa. Um terço, 4 anos e 8 meses. !80 dias de multa.
Cinco crimes dá 1/3
Barbosa- Então tenho de corrigir.
Pensava que era metade com 6
Reajusto como fez a ministra Rossa Weber. 4 anos e 8 meses.
Gilmar- acompanho a todos.
Marco Aurélio. Piso de 2 anos e um teto de 12. As circunstâncias são negativas. É razoável fixar-se a pena base em 3 anos e 6 meses. Continuidade. Com José Dirceu se chegou a porcentagem maior, de 2/3. É certo que ali houve corrupção com PL e PMDB, enquanto Genmoino atuou apenas com PP e PTB. Mas a meu ver fica quebrado o princípio do tratamento igualitário se estipularmos apenas 1/3 para Genoino. A proposta do relator inicial é mais consentânea com o quadro, devendo-se aumentar de ½ a pena pela continuidade delitiva.

Celso- acompanho o voto do relator. As consequências foram extremamente desfavoráveis, não é um crime de corrupção banal, comum. Vai mesmo além dos limites do direito penal, porque se o condenado fosse deputado, seria mesmo cassado por quebra do decoro parlamentar.
Ab- De fato, o crime é extramente grave. Para além do acabrunhante histórico de nossa vida de eleitores de cabresto, como dizíamos antigamente, temos neste caso a figura ainda mais triste, lamentável, dos eleitos de cabresto. O parlamentar passa a praticar seus atos por um modo antecipadamente acertado pecuniariamente. O parlamentar trai a própria representação popular. Há a delinquência por omissão, quando o parlamentar deixa de fiscalizar.
Acompanho o ministro Toffoli quanto à redução da multa. Não há enriquecimento ilícito por parte dele.
Rosa – Ponderáveis as considerações sobre multa também.
Barbosa- Não muda muito
Celso- O total de Genoino é 6 anos e 11 meses?
Barbosa- Sim, regime semi-aberto.
Marco Aurélio- Estamos ainda nos pronunciando?
Celso- A jurisprudência é clara.
Marco Aurélio- Melhor fixarmos isso, por que isso pode atingir outros réus.
Carmen- Dirceu seria aberto para mim também.

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