Disfarçando a tristeza com um sorriso simpático e hesitante, Neymar transmitiu num vídeo de pouco mais de um minuto sua mensagem à torcida, à comissão técnica e aos jogadores da seleção.
Foi um dos momentos mais tocantes desta Copa, e talvez diga um bocado sobre o nosso país.
Neymar começou se dirigindo, para usar suas palavras, à “rapaziada brasileira”. Soava um pouco antiquado, mas a escolha do termo tinha sua razão de ser.
Com a camiseta preta e o boné de pala virada para trás, Neymar correspondia mais uma vez ao visual adolescente que o caracteriza. Talvez tenha falado em “rapaziada” —incluindo nisso Felipão e outras autoridades—de modo a que todos, de alguma maneira, se igualassem no seu estado juvenil, o de quem sabe que há sempre um longo futuro pela frente.
Ao mesmo tempo, era um modo de se apresentar como alguém mais velho, mais maduro do que o público a que se dirigia. Sua tristeza não poderia tomar as cores de uma frustração infantil; era um adulto, afinal, quem se rendia à evidência médica e aos imprevistos do futebol.
Daí em diante, as palavras de Neymar se encaminharam para um terreno bastante íntimo, pessoal, personalista até.
“Só queria dizer”, começou ele, “que eu vou voltar o mais rápido possível, quando menos se esperar eu estou de volta…”
Agradeceu, naturalmente, as manifestações de carinho recebidas.
Em seguida, tomando fôlego, fez a declaração mais enfática: “O meu sonho ainda não acabou. Foi interrompido por uma jogada, mas ele continua. Tenho certeza que meus companheiros vão fazer de tudo para que eu possa realizar o meu sonho…”
Talvez seja exagero de minha parte, mas não imagino com facilidade um alemão, um francês, com esse tipo de discurso. O mais comum seria o craque estrangeiro minimizar o aspecto pessoal do problema, e partir logo para a conclamação patriótica.
Algo como “venceremos”, “a Pátria será mais forte”, “vive la France”, “Deutschland über alles”.
Mesmo num instante difícil como esse, é como se nossa cultura rejeitasse a mobilização ultranacionalista, a ordem unida de marchar avante. Neymar falou, sobretudo, de si mesmo —e, na hora de se referir à seleção, confiou na possibilidade de que esta realizasse o “seu” sonho.
Longe de mim querer fazer uma crítica ao que ele disse. Ao contrário, ele foi absolutamente natural e sincero. Sabia de sua importância para a seleção, e ao longo de toda uma carreira marcada pelo talento excepcional, seria muito hipócrita se dissesse que o coletivo é mais importante do que o indivíduo.
Para bem ou para mal, tendemos a concordar com ele. O Brasil não teria tantos craques de fama internacional (e tão poucos técnicos importantes atuando na Europa) se não fosse, antes de tudo, um país que confia menos na organização do conjunto do que na inspiração do momento.
Não entendo nada de futebol, mas desconfio que o grande desafio de quem dirige um time brasileiro é o de arrumar uma tática na qual os jogadores possam sobressair individualmente. As tentativas de submeter os craques a um esquema rigoroso provavelmente não são as que dão certo.
Há também, naturalmente, o fato de Neymar ser muito paparicado pela publicidade e pela imprensa. Isso fortalece o destaque dado, na mensagem, à sua própria pessoa. No início de sua trajetória, ele teve mesmo a fase “monstro”, em que algumas declarações arrogantes chegaram a assustar os que primeiro confiaram em seu talento.
Foi admirável, entretanto, a rapidez com que superou aquela fase. Paparicado ou não, Neymar estava jogando com muita garra nesta Copa, corria para baixo e para cima do campo, mostrava estar mais disposto do que qualquer um a ganhar o jogo.
Pode ser implicância minha, mas nada me irritava mais do que a atitude de outro grande craque, Ronaldinho Gaúcho, que costumava sorrir sempre que perdia um gol. Embaraço, vergonha, talvez. Mas, para mim, muitos craques internacionais pareciam descomprometidos quando vestiam a camisa da seleção brasileira.
Neymar, não. Era como se tivesse vestido a sua camisa, e a dos outros dez jogadores também. Lutou como se fosse o Brasil inteiro, embora sabendo que era único.
Imitando a famosa frase de Brecht, caberia dizer que é infeliz o povo que precisa de craques. Ou não?
Talvez seja precisamente uma coisa boa do Brasil, a de que o personalismo das relações, o improviso e a falta de rigor militar nos seus esquemas possam de quando em quando se transformar em garra, em vontade de vencer, em realizar um sonho coletivo, muitas vezes adiado.
P.S.: Férias. Volto dia 20 de agosto.