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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Vale o ingresso

Por Folha
27/11/13 03:00

Conheço gente que, em especial depois da crise de 2008, tornou-se fundamentalista em matéria de investimentos financeiros. “O que você faria?”, perguntam. “Apostaria de novo todo o seu dinheiro em papéis e impulsos eletrônicos?”

Recomendam que se compre ouro. O velho metal amarelo é confiável há pelo menos 10 mil anos. O resto, com a possível exceção dos imóveis, não passa de fluxos de informação. Promessas de pagamento. Cartas de crédito.

Papeizinhos, em suma, que qualquer governo ou banco, um belo dia, pode rasgar. Pior que isso, bits na tela do seu computador.

Sim, pode haver algo de ilusório em tudo isso. Só que tendo a ser mais radical. O próprio ouro, afinal, concentra menos valor em si do que mitos e crenças. Supondo que valha para alguma coisa além de fazer anéis e obturações dentárias —mas estas já entram em desuso—, nada impede que seu preço desabe em definitivo.

Não entendo nada de finanças, mas já vi muita coisa de Woody Allen, e esses comentários sobre a importância do ouro vêm a propósito de “Blue Jasmine”, filme seu que entrou em cartaz recentemente.

Cate Blanchett (aposto meio quilo que ganha o Oscar) é Jasmine (na verdade Jeanette, mas ela trocou de nome), uma mulher grã-finérrima que perdeu tudo num escândalo financeiro. O marido (Alec Baldwin) era um desses magos do mercado que, a exemplo de tantos outros em 2008, manipulavam créditos podres em cima de créditos podres, iludindo milhares de poupadores e vivendo como nababos.

Woody Allen fez um filme bem mais dramático do que de costume. Não entrou, como costuma fazer de modo tão encantador, na fantasia dos seus personagens —caso de “Meia-Noite em Paris”, por exemplo.

Aqui, Cate Blanchett e algumas pessoas em volta dela vivem num plano de irrealidade mais ou menos intenso, mas o espectador se mantém a uma distância nítida daquilo que acontece.
A loucura, a ingenuidade, a simploriedade de muitas personagens faz com que o humor não desapareça de “Blue Jasmine”, mas a fonte de inspiração para a Jeanette/Jasmine de Woody Allen não poderia ser mais dramática.

Cate Blanchett é uma espécie de nova Blanche Dubois, a delirantemente refinada solteirona de “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams. A exemplo daquela peça dos anos 1940, a grã-fina vai morar na casa da irmã, que tem uma vida pobre, simples, real.

No cinema, “Um Bonde Chamado Desejo” tinha um Marlon Brando belíssimo e brutal no papel do cunhado de Blanche. No filme de Woody Allen, o macho de plantão é Bobby Cannavale, namorado da irmã.

O ser humano, nos filmes de Woody Allen, nunca será tão mau como nas peças de Tennessee Williams. Há muitos patifes, mas não demônios. Há tentação e fraqueza, mas não perversidade.

Talvez isso seja a última ilusão de Woody Allen, que bem ou mal está com quase 80 anos, e não pretendo, de todo modo, fingir que sou mais experiente do que ele. Cada um julga as coisas segundo a própria experiência, e a minha, felizmente, de modo geral não me leva a desmenti-lo.

Nesse gênero de diagnósticos sobre a humanidade, tudo talvez se resuma a rótulos, palavras, papéis assinados ou escritos, tendo como testemunha Rousseau, Kafka, Nietzsche, Deus ou o Diabo.

Crédulo, em todo caso, Woody Allen não é. “Blue Jasmine” concentra na personagem de Cate Blanchett uma capacidade para a ilusão e para a mentira que, no fundo, parece disseminada na sociedade americana —e no mundo todo, por extensão.

Compramos produtos e mais produtos baseados no que nos diz a publicidade, sabendo perfeitamente que os anúncios não correspondem à verdade. As compras são feitas com cartões de crédito, que muita gente usa sem ter certeza de como vai pagar depois.

Parte de toda a dinheirama é, ou pelo menos foi, aplicada em títulos e fundos de investimento, sabe-se lá mais o quê, cujo valor se baseia na promessa de que alguém, algum dia, vai devolver todo o dinheiro, com um bom chantili de juros por cima.

Deu-se o calote, e o governo produz dinheiro para cobrir as perdas gerais; dinheiro no qual todos acreditamos, mas é papel, promessa de pagamento. Nem isso: ficaria louca a autoridade que quisesse produzir, fisicamente, todos os dólares que circulam por aí.

“Confiança” é a palavra mágica, em torno da qual gira a máquina e, com ela, todos os argumentos dos economistas. Não entendo de economia, como já disse; entendo um pouco de palavras, e sei que podem ser substituídas.

Que tal, em vez de “confiança”, “credulidade”, ou “mentira”? O cinema, como a literatura, produz as suas, claro; mas “Blue Jasmine” consegue dar à ilusão o peso, o lastro em ouro, do real. Vale, pelo menos, o preço do ingresso.

 

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Peças em cartaz: "Rosa"

Por Marcelo Coelho
25/11/13 16:17

Quem tiver na família alguma avó judia, vinda da Rússia ou da Polônia, certamente poderá avaliar melhor do que eu o trabalho de Débora Olivieri, no monólogo “Rosa”. Percebe-se o quanto a atriz estudou, nos mínimos gestos, interjeições e tons de voz, os traços característicos de tantas mulheres solitárias que, sobrevivendo ao nazismo, começam vida nova na América.
Mas a peça (em cartaz às segundas e terças no teatro Faap) é igualmente interessante para quem não tem tanta proximidade com os modelos em que Débora Olivieri se baseou. A velha senhora que aparece em cena, às voltas com remédios e sorvetes, rememora sessenta anos de história –do cotidiano de uma aldeia judaica à revolta do gueto de Varsóvia, daí para a fundação do Estado de Israel e para a vida nos Estados Unidos, sem fugir do horror mas sem perder a ironia e a graça jamais.

 

 

 

 

 

 

Ri-se muito durante a peça, do americano Martin Sherman; a personagem é desbocada, teve vários amores, passou por tudo com um misto de ternura e crítica, de dor e insensibilidade acumulada –o que ajuda a plateia a ser conduzida por onde a atriz quiser levá-la.
A bomba final, habilmente ocultada pelo texto, será talvez desagradável a parte da plateia de judeus a que o texto, aparentemente, parecia dirigir-se de forma preferencial. Não importa –é a humanidade toda que está em jogo, na figura dessa única personagem, na voz dessa única atriz.

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Grandeza dos advogados

Por Folha
20/11/13 15:51

O major bateu na porta do quarto do hotel. Quem abriu a porta –estamos em pleno regime militar– foi o advogado Sobral Pinto.

Tenho ordens, disse o major, para levá-lo preso. O velho Sobral não se intimidou. O senhor tem ordens de um general, disse ele. Entendo que um major obedeça a um general. Mas –e o homenzinho se exaltou– eu é que não obedeço a ordens suas!

“Preso coisíssima nenhuma!”, explodiu o advogado. Ou melhor: “prejo coijíssima nenhuma”, terá dito, com as gengivas de quem já tinha mais de 70 anos naquela época.

No comício das diretas da Candelária, em 1984, a mesma vozinha trêmula recitou para centenas de milhares o primeiro artigo da Constituição: “Todo poder emana do povo e em xeu nome xerá ejercido”. Sobral Pinto estava com 90 anos.

Um documentário sobre ele entrou em cartaz faz pouco tempo; o Espaço Itaú Frei Caneca exibe-o num único horário, às 18h30.

Dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, o filme é uma oportuna homenagem a um dos cidadãos mais corajosos e íntegros da história republicana. Íntegro demais, talvez, para um documentário completo.

Bem que, no filme, tenta-se mostrar algo que contradiga a imagem do paladino constitucional.

Era passional, desequilibrado, injusto até a medula quando ouvia no rádio um jogo de futebol, contam os parentes. Não ia nunca aos estádios, contudo. Católico das antigas, puniu-se até o fim da vida por ter tido um caso extraconjugal, há muito sepultado, mas nunca esquecido.

Haveria aí bom material para uma obra de ficção: o advogado que luta pelos clientes, que os tira da cadeia, que consegue absolvições, nunca perdoou a si mesmo, nem foi totalmente libertado de suas culpas.

O assunto é abordado de passagem, entretanto, num filme que se concentra, para uso das gerações mais novas, no exemplo incontestável de coerência civil que foi a vida de Sobral Pinto.

Faltam imagens, claro, de épocas mais remotas. Quase só vemos o velhinho de chapéu preto e guarda-chuva. Há fotos, contudo, da atuação de Sobral Pinto quando foi defender Luís Carlos Prestes, encarcerado pela ditadura Vargas.

Como se sabe, o advogado, já com seus 50 anos, invocou a recém-criada Lei de Proteção aos Animais para garantir condições mais dignas ao líder comunista. Talvez tivessem, os dois, algo em comum.

É verdade que Prestes, seguindo a linha do partido, passou a apoiar Getúlio logo em seguida. Podia ser uma contradição do ponto de vista pessoal, coisa praticamente desumana quando se pensa que Getúlio mandou a mulher de Prestes, grávida de sua filha, para morrer num campo de concentração nazista.

Seja como for, estava em jogo uma mesma firmeza de propósitos, uma mesma teimosia, um mesmo sacrifício que, no caso de Prestes, nos horroriza, mas no caso de Sobral Pinto causa admiração. A longevidade desses dois gêmeos, desses dois opostos, talvez se explique um pouco por aí.

Durante a ditadura militar, observa com razão o historiador José Murilo de Carvalho, era provavelmente mais fácil fechar o Congresso do que prender Sobral Pinto. A fragilidade, assim como a velhice, tem suas compensações, e podemos sempre esperar que, em alguns casos, até a truculência tenha seus limites.

Foi o que permitiu, por exemplo, que alguns advogados conseguissem vitórias, obviamente reduzidas, até mesmo em momentos de furiosa repressão militar. Adversários do regime eram presos sem nenhuma ordem judicial, levados sabe-se lá para onde, e submetidos à tortura.

Juridicamente, aquilo era mais um sequestro do que uma detenção. O mecanismo do habeas corpus teve de passar praticamente por uma pirueta interpretativa, pelo que conta um advogado ouvido no filme. Em vez de ser um recurso para libertar o preso, foi usado para que, ao menos, os familiares pudessem localizá-lo –e para que o regime admitisse, oficialmente, tê-lo agarrado sem nenhuma formalidade legal.

Tratava-se, numa palavra, de baderna, feita por militares em nome da ordem e da luta contra a subversão. Memorável, a esse respeito, a frase de outro jurista, acho que Pontes de Miranda, que se recusava a comentar o AI-5, por uma razão bem simples: “o Ato Institucional número 5 não existe”.

A beleza, a coragem, o sentido da profissão de advogado saem fortalecidos de “Sobral – O Homem que Não Tinha Preço”. O filme vem a calhar hoje em dia.

Durante as ditaduras, há advogados que são verdadeiros heróis. Num regime democrático, quando o lado acusador muitas vezes tem mais razão, o advogado não conta com tanta simpatia.

Ganha mais dos seus clientes, mas paga um preço mais alto. Parece obstáculo, e muitas vezes é, a uma justa punição. Não importa; sem a sua presença, ninguém poderia dizer que a punição foi justa de fato.

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Barbosa, data, maionese

Por Marcelo Coelho
14/11/13 10:43

Tem razão o leitor que falou na “maionese da data” em que viajei no post anterior. Estamos em novembro, e escrevi como se outubro fosse o mês que vem. Nas duas últimas horas da sessão de ontem do mensalão, eu já estava sem entender muita coisa. Tinha escrito, primeiro, um artigo sobre a primeira parte do julgamento –os últimos embargos de declaração. Depois do intervalo, começou a discussão sobre o pedido da Procuradoria. Escrevi outro artigo enquanto se desenvolvia a discussão entre Teori e Barbosa sobre os três tipos de transitado em julgado, e o prazo para entrega do texto ia apertando…
Em todo caso, outros leitores apontam que ainda há prazo para a candidatura de Barbosa, que pode se desincompatibilizar até seis meses antes da eleição, em outubro de 2014.
O cálculo de duas semanas, aludido por Marco Aurélio Mello, não entra nessa matemática.
Pode ser que Marco Aurélio nem estivesse falando de Barbosa; a pergunta, entretanto, está colocada. Não defendo nenhum mensaleiro nem quero desqualificar Barbosa, mas acredito que Marco Aurélio voltava contra Barbosa mesmo esse tipo de suspeita.
A ver, embora isso não desculpe o meu erro.

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Barbosa se aposenta no STF?

Por Marcelo Coelho
14/11/13 00:01

No meio das inúmeras discussões, farpas e arrufos da última sessão do STF, nesta terça-feira, uma insinuação estranha apareceu.
Marco Aurélio Mello fez várias provocações a Joaquim Barbosa, que respondeu bem mal –chegou a apontar para a conhecida “vaidade” de seu colega. Como se não houvesse vaidosos de todos os lados.
Pois bem, com seu típico sorriso de quem sabe das coisas, Marco Aurélio pediu a Barbosa que esclarecesse certos rumores. Tinha ouvido falar que alguém do plenário iria se aposentar dentro de duas semanas.
Barbosa respondeu que não sabia de nada a esse respeito.
Pelo jeito da conversa, dá para supor que Marco Aurélio estava anunciando que o próprio Barbosa deve se aposentar em duas semanas.
Faria sentido, já que terminado o mensalão o atual presidente do STF pode considerar cumprida a sua missão histórica.
Faz sentido também pensando no calendário eleitoral. Dando essa dica, Marco Aurélio estaria insinuando que Barbosa tem pressa para se preparar para alguma candidatura. No mínimo, fica a ideia de que Barbosa está atuando menos como juiz e mais como político..
Os candidatos precisam estar filiados a partidos até dia 5 de outubro. Daí o prazo de “duas semanas” para Barbosa se aposentar, conforme insinuado por Marco Aurélio.

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Nerval, o tenebroso

Por Folha
13/11/13 03:00

Cidalisas, Melusinas. Mirto e Cibele. Santa Gudula e Lusignan: belos nomes, que pouquíssima gente conhece, enfeitam os versos de Gérard de Nerval (1808-1855), que aparecem agora no Brasil em bonita tradução de Mauro Gama para a Ateliê Editorial.

Existem poetas difíceis, poetas obscuros, poetas “modernos”. Nerval cabe em categoria ligeiramente diversa. Ele é um mestre do “oculto”, do “esotérico”. Entre seus livros de cabeceira estava o “Dicionário Mito-Hermético”, de um certo Dom Pernety, e ele abusava de referências cifradas à alquimia e ao tarô.

Natural que os surrealistas, quase um século depois, tomassem Nerval como um precursor. Natural também que os editores e eruditos se esfalfem, até hoje, para entender os seus poemas mais famosos.

A edição brasileira não se perde muito em detalhes, e deixa apenas que o leitor comece a se familiarizar com a beleza cintilante e visionária de alguns versos, que mesmo em português se impõem à memória do leitor.

“Eu sou o Tenebroso —o Viúvo— o Inconsolado” começa o mais célebre soneto de Nerval. Até aí, tudo bem; escritores brasileiros, como Carlos Drummond, não deixaram de prestar homenagem às dores eróticas e psíquicas do poeta, que se enforcou numa noite de inverno, na rua da Velha Lanterna, em Paris.

Mas o verso seguinte do poema já nos deixa sem referências: Nerval se compara “ao Príncipe da Aquitânia na torre derruída”. A torre em ruínas, diz a nota de uma edição francesa, é uma das cartas do tarô, e o príncipe da Aquitânia é o próprio poeta, que se julgava descendente de alguma nobreza imaginária. Essas explicações que nem sempre ajudam.

O mais importante é sentir que tudo se passa em outra esfera de realidade. Nerval fala de personagens obscuríssimos como se todos nós os conhecêssemos. A magia sonora do poema vai crescendo, e quando chegamos às estrofes finais é como se as próprias palavras comuns, já sem necessidade de notas explicativas, ganhassem um sentido que só o poeta pode desvendar.

“Tenho o rosto ainda rubro ao beijo de uma Rainha…/Sonhei dentro da grota onde a Sereia nada…” e na lira de Orfeu modulei “os suspiros da Santa e os gritos da Fada”.

Que Santa? Que Fada? Talvez não dê para saber exatamente a quem o poeta se refere. Como essas palavras encerram o soneto, algo de definitivo se pronuncia, e seu impacto cresce na mente do leitor.

Que uma fada grite, eis a principal surpresa; que a seus gritos se alternem os suspiros de uma santa, é algo que se pode tentar interpretar.

Tradutor do “Fausto” de Goethe, Nerval parece estar falando daqui de um “eterno feminino” que é feito de carne e de espiritualidade. O grito de uma fada só pode ser um grito
de prazer; o suspiro da santa é um enlevo de pureza.

Ao mesmo tempo, essa dualidade possui um significado histórico, dentro de preocupações que Nerval compartilhava com seu contemporâneo Heine (1797-1856), cujos escritos também traduziu.

A saber, o contraste entre o mundo pagão e o mundo do catolicismo medieval. A fada, a sacerdotisa, a druida, a deusa grega ou egípcia, sobrevive nas florestas, nos templos e nos cultos secretos dos iniciados. “Os Deuses no Exílio”, lindo livro em prosa de Heine, trata dessa sobrevivência também —e também tem tradução brasileira, pela editora Iluminuras.

Mas o mundo das santas medievais, das torres e dos castelos de província também está em ruínas nos bosques europeus. O “viúvo”, o “desconsolado”, é alguém que tenta, como Orfeu depois da morte de Eurídice, trazer a amada de volta. Não mais da profundeza infernal, mas de um paraíso que a indústria e a ciência do século 19 sepultaram.

Os poemas de Nerval parecem, assim, registrar numa língua quase desconhecida a expectativa de que um mundo encantado, rapidamente entrevisto em sonho, pudesse renascer.

Uma coisa é certa, diz Nerval num ciclo de sonetos igualmente famoso: “Deus não existe”, morreu, e o céu está vazio. Tais palavras, num lance surpreendente, saem dos lábios de Jesus.

Em “Cristo no Jardim das Oliveiras”, o filho de Deus tenta avisar os apóstolos da “novidade”; todos dormem, menos Judas —que se afasta, “amargo e pensativo”, achando que lhe pagaram pouco pela traição. Jesus é capturado pelos guardas, como um novo Ícaro; tragam-me esse louco, diz Pilatos.

Enquanto isso, o Olimpo desaba; nenhum oráculo pagão irá decifrar o enigma de Jesus —aquele que deu alma aos filhos do barro. Criaturas que, na mitologia de Nerval, procurarão unir-se às filhas do fogo pagão.

Os enigmas de Nerval, o tenebroso, continuam brilhando na escuridão.

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Pemedebismo e lulismo

Por Marcelo Coelho
10/11/13 21:00

Na “Ilustríssima” de hoje, comento “Imobilismo em Movimento“, de Marcos Nobre, e “Os Sentidos do Lulismo“, de André Singer.

 
Este livro, diz Marcos Nobre na abertura de seu “Imobilismo em Movimento—Da Abertura Democrática ao Governo Dilma” (ed. Companhia das Letras, 204 págs.) é dedicado “às Revoltas [de Junho de 2013]”.
Assim mesmo, com maiúsculas: as Revoltas de Junho. Há outras maiúsculas subentendidas no ensaio analítico deste professor de Filosofia da USP e ex-articulista da Folha.
Mereceria maiúsculas, por exemplo, o conceito que fundamenta toda a avaliação de Nobre a respeito do funcionamento político brasileiro.
Trata-se do que ele chama de “pemedebismo”, algo mais amplo e insidioso do que o mero “peemedebismo”, com dois “es”. Marcos Nobre não faz referência apenas ao conjunto de práticas e discursos do velho PMDB; praticamente todos os partidos se incluem nessa entidade, cujos intuitos e estratagemas justificariam, a rigor, que Nobre empregasse a caixa alta: o Pemedebismo.
Estamos diante de “uma cultura política que se estabeleceu nos anos 1980 e que, mesmo se modificando ao longo do tempo, estruturou e blindou o sistema político contra as forças sociais de transformação”.
Embora “Imobilismo em Movimento” seja, no geral, um livro muito legível e interessante, vale prestar atenção nessa frase, algo enrolada.
Uma “cultura política” blinda o “sistema político”? Uma coisa estaria agindo sobre a outra? Qual das duas? Ou seria o “sistema” que cria uma “cultura”?
Poderíamos entender o “pemedebismo” como um conjunto de fenômenos conhecidos: fisiologia, fraqueza partidária, resistência aos movimentos sociais.
Mas quais as causas, as origens, os porquês desse fenômeno? Ou esse fenômeno é causa e origem de tudo?
Por mais antiquado que possa parecer, não conheço modo melhor para explicar essa “blindagem” do que o recurso a conceitos de inspiração marxista, algo que o livro tende a evitar.
Se não quisermos dar às classes sociais o papel de agentes, de responsáveis pelo surgimento do “pemedebismo”, seria preciso provar que o “pemedebismo” sufocou não apenas as reivindicações da esquerda, mas também às do empresariado industrial, do agronegócio, dos banqueiros. Será?
Mas quando se afirma que uma “cultura política” fechou o caminho para reivindicações sociais, pressupõe-se que os setores financeiro, agroexportador e industrial, provavelmente nessa ordem, andaram levando a melhor.
Em vez de apontar para esses setores, o que talvez lhe valesse a crítica de maniqueísmo, Marcos Nobre prefere atribuir ao “Pemedebismo” o papel de personagem principal de seu drama. Do lado oposto, sufocada durante 20 anos, mas renascida com as Revoltas de Junho, estaria a “Voz das Ruas”.
Só que acabamos em outro maniqueísmo, afinal, e um bocado mais vago; ironicamente, o esquema de “Imobilismo em Movimento” lembra a retórica do velho PMDB (o bom, o peemedebista com dois “es”) no tempo das lutas “do povo” contra o “regime”.
Tudo corre o risco de parecer reclamação de torcedor: se nosso time perdeu, o resultado não é legítimo. Como, no jogo da democratização, os movimentos sociais foram derrotados, eis um sinal de que o sistema político não é democrático o suficiente.
Não deixa de ser verdade. Há pouca participação popular, muitos parlamentares se voltam apenas para o enriquecimento pessoal, campanhas custam caríssimo, a manipulação dos marqueteiros substitui qualquer debate.
Lembro que as próprias classes dominantes estão longe de se sentir satisfeitas com seus políticos; no mínimo, desejariam que estes cobrassem menos pelo serviço. Pode ser que seus interesses não estejam sendo atendidos plenamente; mas isso não quer dizer que não estejam sendo atendidos.
Estas críticas pontuais ao o livro de Marcos Nobre não fazem justiça ao conjunto, que é principalmente uma reconstrução histórica tão aguda quanto apaixonada das principais decisões de governo nos últimos vinte anos no Brasil.
As teses básicas, e alguns trechos literais, de “Imobilismo em Movimento” são retomadas em “Choque de Democracia”, livro eletrônico mais curto, que Marcos Nobre escreveu em pleno entusiasmo com as manifestações de junho.
Entusiasmo e apaixonamento são coisas admiravelmente expurgadas de “Os Sentidos do Lulismo –Reforma Gradual e Pacto Conservador”, do cientista político e articulista da Folha André Singer. Ex-porta-voz da Presidência no primeiro mandato de Lula, Singer é capaz de analisar “a frio” a atuação dos petistas no poder.
A principal tese do livro, demonstrada com estatísticas eleitorais na dose certa, já é bastante conhecida a esta altura.
Desde a democratização, a política brasileira teve uma característica curiosa: quanto menor a sua renda, mais o eleitor votava nos candidatos de direita. A simpatia pela esquerda, e pelo PT em geral, sempre foi maior nos setores mais instruídos, mais urbanizados e mais ricos da sociedade.
Uma recomposição, entretanto, ocorreu a partir da vitória de Lula em 2002. As políticas de aumento do salário mínimo, de bolsa-família e crédito consignado tiveram o condão de “popularizar”, pela primeira vez, a base eleitoral do metalúrgico de São Bernardo.
Ironicamente, isso se deu ao mesmo tempo em que o PT abandonava sua prática mais radical, aceitando compor-se com forças políticas atrasadas e oligárquicas. Não que André Singer use vocabulário tão carregado, mas foi esta a “pemedebização” de Lula e do PT, se quisermos falar como Marcos Nobre.
Com isso, e mais o mensalão, o PT perdeu a classe média, mas ganhou forte apoio no que André Singer –seguindo seu pai, o economista Paul Singer– chama de “subproletariado”. Na frase ufanista de Juarez Guimarães, que o autor cita aprovativamente, o partido de Lula se tornou “mais samba, mais negro, mais nordestino”.
Seria o caso de dizer que saiu daí um maracatu do crioulo doido. O importante, e Singer faz bem em repetir números eloquentes a esse respeito, é que a coisa funcionou, em termos de redistribuição de renda e geração de empregos.
Foi, entretanto, um “reformismo fraco”, como o autor está pronto a admitir, em que as concessões iniciais à ortodoxia financeira foram sucedidas por uma espécie de “pacto produtivista” com as classes empresariais, numa conjuntura também favorecida pela disparada dos preços nos produtos de exportação.
Todo esse percurso é exposto num tom de firme serenidade, ainda que as concessões à direita feitas pelo lulismo sejam mencionadas com pouco destaque.
A argumentação de Singer dá mais sinais de fraqueza a partir da metade do livro. Em primeiro lugar, o autor apresenta uma versão um tanto “sacrificial” das atitudes do PT. Foi preciso abandonar convicções face à pressão conservadora, e se isso não fosse feito haveria o risco de ruptura institucional.
Uma linha de raciocínio alternativa seria a de perguntar se a partir de experiências concretas em municípios como Diadema, Ribeirão Preto e São José dos Campos, o ideário do PT já não estava pronto para transformar-se em simples carapaça, escondendo acordos corruptos com interesses dominantes locais.
Como o foco de Singer é o desempenho do partido nas urnas, há o perigo de sua análise mascarar a questão da “representação de classe”. Um eleitorado pobre pode ser conquistado graças a campanhas caríssimas. Como assinala o autor, essas campanhas deixam de depender da militância. Passam (e isso o autor assinala menos) a ser financiadas por grupos de outro tipo: bancos, empreiteiras, grandes conglomerados.
Embora recorra ao modelo da luta de classes, neste sentido o livro faz o trabalho pela metade. Quem um político representa? Seus eleitores ou seus financiadores? O tom mais indignado de Marcos Nobre, e dos manifestantes de junho, faz falta aqui.
Um acordo entre a Fiesp e centrais sindicais, uma aliança entre Lula e um empresário têxtil como José de Alencar, seriam de fato evidências significativas de um pacto entre classes? Qual a representatividade desses personagens? Seria mais notável do que as relações, digamos, entre José Dirceu e o dono da Embratel, Carlos Slim, de quem é consultor?
Que seja. Ironicamente, a velha crítica petista ao populismo de Vargas, acusado de mediar os interesses de operários e patrões, é reinterpretada de uma ótica favorável ao petismo… ou de seja lá o que restou dele.
Para André Singer, algo resta. O “espírito do Sion”, como ele denomina o esquerdismo presente na reunião em que o partido foi fundado, sobrevive por exemplo na Fundação Perseu Abramo, instituto teórico do partido. Feita a homenagem, imagino figuras como Antonio Palocci assentindo gravemente com essa avaliação.

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Sol e chuva

Por Folha
06/11/13 03:01

Quando eu era criança, estranhava muito que a primavera, em São Paulo, não correspondia nada ao que me ensinavam na escola e nos desenhos animados.

Nenhum despertar da natureza, nenhum degelo, nenhuma floração. Só mais tarde aprendi que, nesta cidade, quem procura as flores não deve olhar para baixo, para os canteiros e jardins, mas para o alto: são as árvores que se cobrem de rosa, de azul, de roxo, de vermelho.

Já é alguma coisa, embora um rabugento possa dizer que não há tantas árvores assim, e que nem todas acompanham a nova estação.

Menino rabugento, certamente eu era, e tinha outras reclamações. Ao contrário de um lindo longa-metragem com Zé Colmeia e Catatau, onde nas cenas iniciais o sol derretia os pingentes de neve da caverna, deixando as primeiras gotas de água gelada caírem no focinho dos ursos adormecidos, em São Paulo a primavera não era sinônimo de sol.

De fato. Nada mais incerto que estes dias de outubro e de novembro. Domingo, um calor brutal dava por inaugurada a época das compras natalinas e das férias; segunda-feira, vento e chuva, luzes de casa acesas às quatro da tarde.

Será o nosso “microclima”? A palavra, com sua irritante dose de pedantismo, volta e meia aparece no filme “Pedalando com Molière”, de Philippe Le Guay, atualmente em cartaz.

A história se passa num lugar turístico do noroeste da França, a ilha de Ré, em pleno inverno. A estância balneária sofre com o frio da baixa estação; mas o sol aparece às vezes. É o nosso microclima, explica um motorista de táxi, numa tagarelice simpática que nem sempre associamos ao temperamento francês.

Os franceses, pelo menos os de Paris, tiveram fases de extrema antipatia. Depois, parece que houve alguma campanha (hipnose? Alguma substância no vinho de consumo ordinário?) e eles melhoraram.

Passei a entendê-los melhor quando percebi que não eram propriamente ferozes, mas apenas… nervosinhos. No fundo, apesar de toda a história de refinamento, mesuras, perucas e palácios, facilitou-me a vida pensar que os franceses são na verdade perfeitos italianos, explosivos e sanguíneos, só que falando a língua de Racine e Molière.

Voltando ao filme. O bonitão Lambert Wilson (Plástica? Botox? Depilação de sobrancelhas?) faz o papel de um célebre ator de telenovelas. Vai procurar, na fria cidadezinha à beira-mar, um amigo mais velho (Fabrice Luchini, magistral), que por desgosto abandonou os palcos e sets de filmagem.

O objetivo da visita é convencer o amigo, que deseja o isolamento completo, a voltar para o teatro. Encenariam juntos “O Misantropo”, comédia a bem dizer sombria de Molière. Na peça, dois amigos debatem visões distintas sobre a humanidade. Alceste, o rabugento, não vê nos homens senão “injustiça, interesse, malícia e traição”. Retira-se do convívio dos semelhantes.

O outro, Philinte, pede a Alceste alguma ternura; seria insensato querer a correção do mundo, e por excesso de lucidez se pode errar também. No filme, Lambert Wilson sugere ao ator mais velho que, quando representarem a peça, alternem os papéis. Numa semana Lambert seria o inimigo dos homens, na outra o amigo complacente.

Não estrago nenhuma surpresa se disser que, enquanto ensaiam a peça, os dois atores também terminarão trocando de atitudes. O bonitão da TV, querendo ficar bem com todo mundo, agirá às vezes como o misantropo Alceste. O veterano ator, desenganado e recluso, pode aos poucos impregnar-se da bonomia de Philinte.

São tantas as reviravoltas, tão matemática, tão francesa, a engrenagem do filme, que de dez em dez minutos o espectador tem de se readaptar às mudanças do “microclima” entre os dois personagens.

Sol e chuva se alternam rapidamente, e a fotografia de “Pedalando com Molière” não poderia ser mais poética. O ator velho, no começo, se faz de rogado, diz que não está interessado em participar de nenhum novo projeto.

Pela janela, contudo, passa um raio de sol, quase branco, e seu rosto se ilumina. A psicologia dessa cena, convenhamos, é tão legível quanto a de uma comédia clássica: Fulano diz não quando quer dizer sim.

Mas, do mesmo modo que a leitura da peça vai se refinando conforme a dupla se aplica mais e mais aos seus ensaios, também o filme vai revelando camadas e mais camadas nos sentimentos de seus personagens.

O rabugento tem e não tem razões para desconfiar do mundo. A realidade, a vida, a solidão, a sorte ou o azar no amor não cessam de lhe trazer novas lições; só um morto pode gabar-se de convicções definitivas, e, como na primavera paulistana, não perde quem levanta os olhos um pouco acima do chão.

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O cavaleiro azul

Por Folha
30/10/13 03:02

A “Sagração da Primavera”, de Stravinsky, comemorou cem anos de sua estreia há poucos meses, e escrevi a respeito aqui na “Ilustrada”. Na pintura, o equivalente daquela revolução foi sem dúvida o quadro “Les Demoiselles d’Avignon”, que Picasso pintou em 1907.

O potencial de escândalo era tamanho que mesmo alguns contemporâneos e amigos de Picasso, como Henri Matisse, se recuperaram mal daquele quadro. Não eram apenas os ângulos cortantes, o susto daquelas mulheres nuas como que iluminadas por um flash fotográfico, a violência de cacos de vidro da composição.

Máscaras indígenas ou africanas apareciam como que coladas ao pescoço de duas daquelas mulheres nuas, fazendo com que as outras parecessem até realistas pela comparação.

Com isso, “Les Demoiselles d’Avignon” dava um grande passo além das pinturas sonhadoras, musicais, a que Matisse se dedicava na mesma época. Por meio da “arte primitiva”, entravam em cena —como na “Sagração da Primavera”— o medo, a violência, o poder paralisante, o olhar de Medusa do mundo moderno.

Aí por volta de 1912, 1913, cubismo e futurismo já estavam em vias de superação. Na Alemanha, pelo menos, já surgiam críticas às visões de Picasso e Marinetti.

Foi em 1912, com efeito, que Franz Marc (1880-1916) e Wassily Kandinsky (1866-1944) publicaram o “Almanaque do Cavaleiro Azul”, álbum de ensaios, reproduções artísticas e partituras em defesa do expressionismo e da arte abstrata.

Essa publicação acaba de sair traduzida no Brasil, com organização de Jorge Schwartz, num volume lindíssimo (Edusp-Museu Lasar Segall).

Pela primeira vez no mundo, a quase totalidade dos quadros, gravuras, desenhos e esculturas que faziam parte da edição original aparece reproduzida em cores.

Na época, o livro publicado por Reinhard Piper tinha apenas quatro imagens coloridas. Em inglês, uma edição modesta, feita pela Da Capo Press, é uma tristeza de fotos esmaecidas em preto e branco.

Marc e Kandinsky colocam, lado a lado, quadros de Cézanne e esculturas da Oceania; bordados do Alasca e desenhos de crianças; xilogravuras medievais e alto-relevos do Benin; um Cristo de El Greco e quadrinhos populares alemães.

Pode-se ver e rever essa festa de imagens sem atinar muito o que há, afinal, de parecido entre tantas coisas. Mas o elogio do popular, do primitivo, do “informe”, do “malfeito”, do “naif”, se quisermos, ganha nessas páginas uma força revolucionária, uma generosidade, uma verdade que saltam aos olhos.

Tratava-se, diz Franz Marc, de buscar “símbolos que pertencem aos altares da futura religião espiritual e atrás dos quais desaparece o produtor técnico”.

Os textos de Kandinsky e de August Macke (1887-1914) são ainda mais místicos. A forma artística, escreve Macke, “é a expressão de forças misteriosas”.

“Ouvir o trovão”, prossegue, “é sentir o seu mistério”. O relâmpago “se expressa, a flor também”.

Não fazia mais sentido, assim, buscar o desenho “certo”, a forma “perfeita”. Para o pintor expressionista, a diferença não será entre o bonito e o feio, mas entre o vivo e o morto. Mortas serão as imitações da arte acadêmica; vivo, o desenho imperfeito de uma criança, ou a máscara de um feiticeiro africano.

Não fica muito claro por que motivo esses artistas escolheram o nome de “Cavaleiro Azul” para título daquele livro. Inspirado na teosofia, Kandinsky achava que a cor azul canalizava o máximo da espiritualidade. Franz Marc era notável ao fazer quadros de corças, tigres, cavalos.

Muitas das ilustrações que escolheram para o “Almanaque” representam São Jorge e outros heróis medievais enfrentando dragões ou decapitando inimigos. Menos do que um intuito “belicoso”, no estilo do elogio à guerra dos futuristas italianos, havia ali a tentativa de se ligar ao passado: o passado medieval, o passado primitivo, o passado das crenças camponesas.

Em todos esses momentos, estaria presente a dissolução do mundo clássico, do mundo civilizado, das imagens da perfeição greco-romana.

O edifício da civilização europeia estava desabando, pensavam os expressionistas. Pelas rachaduras daquele edifício, eles julgavam ver uma luz nova, como numa revelação, num apocalipse.

As formas da arte moderna poderiam ser esquisitas, distorcidas, mas é assim que a realidade se apresenta na madrugada, pouco antes do amanhecer. São “fantasmagorias antes da aurora”, diz o “Cavaleiro Azul”.

A aurora, entretanto, seria de outro tipo. Um ano depois, começaria a Primeira Guerra Mundial; August Macke e Franz Marc morreram no front.

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Filmes: "Gravidade"

Por Marcelo Coelho
25/10/13 15:28

Com razão, “Gravidade” está tendo sucesso entre críticos e, pelo que vejo, com o público também.

Para os críticos, imagino que o maior mérito do filme está em ser “puro” cinema: as imagens e os movimentos de câmera se organizam numa coreografia deslumbrante, que dispensa qualquer ajuda verbal.

É difícil imaginar por meio de que truques foi possível dar a impressão perfeita de que o filme se passa, realmente, em pleno espaço sideral.

A economia do roteiro também é notável: tudo se passa apenas entre dois personagens, ou nem isso, desligados de sua nave; com um tema tão enxuto, tão sumário, a tensão é constante, sem se tornar insuportável entretanto.

E nisso estão também os motivos para que “Gravidade” (veja o trailer aqui) ganhe adeptos entre quem não é cinéfilo: a luta pela sobrevivência nua, pelo mero oxigênio, se mantém o tempo todo, mas em situações variadas, num jogo de aflições e alívios que o indestrutível bom humor de George Clooney, no papel de um astronauta mais experiente, pontua com precisão.

Claro que não precisávamos dos toques de sentimentalismo envolvendo a outra astronauta, Sandra Bullock, que em dado momento se lembra da morte de sua filhinha, e com isso perde ou reencontra razões para enfrentar a situação desesperadora.

Sandra Bullock, em situação de pouco fôlego

Os apreciadores da beleza feminina podem notar outro ponto a favor de “Gravidade”. O filme traz a obra-prima num gênero bastante raro de sensualidade cinematográfica, a saber, o strip-tease de astronauta. O melhor exemplo até agora tinha sido o de Sigourney Weaver, se não me engano em “Alien 2”.
O de Sandra Bullock supera-o em boa medida.

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