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Marcelo Coelho

Cultura e crítica

Perfil Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha

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Mensalão: Barroso acolhe os infringentes

Por Marcelo Coelho
11/09/13 15:18

Os embargos infringentes vêm do direito português, ingressam nos códigos do império. No CPP, chegam em 1952, vindos do direito civil, e vigoram no art. 609, com a previsão de que cabem nos casos de decisão não unânime. NO STF, regimento interno de 1940, 1970, 1980. Foi incluído com base na competência dada a Constituição de 69, que deu ao supremo a competência para tratar do processo originário. A delegação foi dada pela emenda constitucional no 7. A emenda do STF dá a redação o 333- cabem embargos infringentes à decisão não unânime do plenário ou da turma que julgar procedente a ação penal. O parágrafo único prevê que o cabimento dos embargos em decisão do plenário quando há 4 votos divergentes. A Conti. De 88 não renovou ao STF a competência para cuidar dessas matérias processuais. A Lei 8038 de 1990 instituiu normas a determinados processos. A lei não faz menção a recurso em ação penal originária. Daí entra a discussão. Diante do silêncio da lei, cumpre saber se subsiste ou não o embargo.
Passo a analisar os argumentos em favor de um e outro caso.
A revogação de uma norma que continua nos livros não se presume. Milita a seu favor a presunção de vigência. O ônus argumentativo recai sobre quem pretende demonstrar que não vale o que está escrito. O artigo do RI nunca foi expressamente revogado. A argumentação de que foi revogado, mas não explicitiamente, foi feita com maestria para Barbosa, e que sintetizo.
Em seu pronunciamento, Barbosa enunciou os seguintes argumentos. O fato de o RI ter sido recepcionado não lhe dá características de eternidade. Teve 48 emendas desde ter sido recepcionado. A lei de 1990, ao instituir normas, teve como consequência a revogação das normas regimentais. Ao dispor sobre processos de competência originária, especificou os recursos cabíveis, não tendo previsto os infringentes. A razão dos embargos é propiciar o reexame por órgão mais amplo, não pelo mesmo órgão. Há decisão que considera descabidos os infringentes em tribunal federal. O STJ não admite embargos infringentes em ação originária. O STF seria o único a fazer isso? Por fim, não há como falar de ausência de duplo grau de jurisdição, porque ser julgado na alta corte é privilegiadíssima prerrogativa.
Além desses argumentos de Barbosa, há outro, o procedente de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que dizia que nesses casos entendeu-se que não haveria embargo infringente.
Este, em apertada síntese, o conjuntos dos argumentos contra os embargos infringentes. Passo a considerar cada um deles.
Primeiro- Estou de pleno acordo que o RI não tem pretensão de eternidade. Pode ser modificado e já foi modificado. O argumento pode provar em sentido contrário. Jamais se retirou do regimento a previsão dos embargos.
Swegundo= a lei de 1990 teria produzido a revogação global dessa parte do regimento. O STF nunca entendeu assim. Mesmo porque editou emendas regimentais que modificavam o próprio capítulo. Se entendesse que houve revogação não teria mudado.
O terceiro concentra o principal. A lei impactou o sistema de recursos no RI? De acordo com a lei de introdução ao código civil, art. 2, uma lei revoga a outra quando o faça expressamente, quando seja com ela incompatível, ou quando regule inteiramente a matéria de que se cuida. A lei não revogou expressamente. Revoga expressamente muitas, mas não as do RI, A lei tampouco é incompatível com o RI. Nada se contrapõe. Fica faltando saber se ela regulou inteiramente a matéria que era tratada no RI. A mim me parece que não o fez. Até porque no art. 12, “finda a instrução o tribunal procederá ao julgamento na forma determinada pelo regimento interno”>.. Portanto não considerou que o regimento estava revogado nessa matéria. Os embargos infringentes não estão tratados no capítulo sobre a ação penal originária do regimento, e foi isso o que a lei mudou; a lei não tratou do capítulo sobre os recursos do regimento.
O quarto, cairia no mesmo órgão. Mas desde que o recurso foi criado ele funciona assim. Quando se previu embargos em decisão do plenário, sabia-se que seria o mesmo órgão a examiná-lo.
Quando ao CPP, passa ao largo da questão, pois os embargos não foram criados pelo CPP mas pelo próprio STF.
O regimento do STJ não prevê embargos infringentes, mas isso não é relevante. O STJ não poderia ter tratado de embargos infringentes, porque só foi criado depois da Constituição de 88, nunca teve competência para criar tais recursos.

Celso de Mello- Quando foi criado o regimento interno do STJ, ampliou equivocadamente o prazo de embargos de declaração, baseando-se em regimento do STF. O STF poderia fazer isso, generalizando para 5 dias o prazo, ao contrário do CPP, que só dá 2 dias. Mas percebendo que não poderia dispor desse poder, o STJ aceitou o prescrito no CPP.

Quanto ao ponto 7, duplo grau de jurisdição, o relator considerou que não há direito de revisão. Mas os embargos infringentes não significa reexame do julgado por instância superior. Se é único, deveria até permitir os embargos… mas o argumento não impressiona para qualquer dos lados.
Ponto 8, em Ações de inconstitucionalidade podem não ser cabíveis, mas isso está no capítulo 26 da lei que regula isso –considera que a decisão é irrecorrível, exceto no que tange a embargos de declaração. Fortalece-se, portanto, a tese de que a nova lei penal ao omitir-se não disse que estava revogada. Considero plausível a discussão, mas há argumentos consistentes para um lado e para o outro.
Depois, fui considerar a jurisprudência do STF. Há inúmeros pronunciamentos do STF inequivocamente reconhecendo a subsistência dos embargos infringentes, muitos anos depois da lei 8038, que os teria revogado. Na motivação de inúmeras decisões, monocráticas, de turma e de plenário.
Algumas poucas passagens de acórdãos. Ministros que já se aposentaram. Os que presentemente integram a corte sabem bem a posição que já sustentaram, e de modo têm o direito de muda-las.
Moreira Alves. 1994- O RI foi recepcionado pela ordem constitucional anterior. Persiste com força de lei até ser revogado por legislação ulterior, o que não ocorreu, dado que a nova lei foi omissa com relação a tais embargos.
Cézar Peluso, 2006- não cabem embargos infringentes em agravo regimental em habeas corpus. No âmbito desta corte, o art. 333 estabelece-se taxativamente como serão os embargos infringentes. Nenhuma gota.

Barbosa- esses trechos não seriam meros obter dicta? Há acórdãos da lavra deste plenário?
Marco Aurélio- nunca houve decisão a esse respeito.
Barroso- sim, verifiquei, claramente na construção de seu argumento esses argumentos consideram que o embargo infringente estava em vigor. Não digo que houve coisa julgada. Mas muitos ministros, acharam isso.

Marco Aurélio- V Exa. Admite que não houve precedente?
Barbosa- precedente é exatamente isso.
Barroso- entendo perfeitamente. Mas digo que Cezar Peluso, etc. disseram isso.
Marco Aurélio- V Exa. Afirma que houve inúmeros precedentes sobre essa matéria. E não há.
Celso de Melo- V Exa. Aponta considerações que têm íntima relação com o problema.
Barroso- Sepúlveda Pertence aponta que a lei de 1990 não cogitou de mexer, e subsiste o art. 33 do regimento.
Celso de Melo- participei desse julgamento, que levanta outro ponto. Há ou não necessidade de minoria qualificada de 4 votos? Pertence diz que exige-se 4 votos. O tribunal sempre se pronunciou.
Marco Aurélio- A inexegibildade seria porque sem voto secreto seriam cabíveis de pnta a ponta os infringentes.
Barroso- invoquei esses julgados como precedentes de ministros de que para eles inequivocamente subsiste o art 333;

Nessas condições, a jurisprudência atual da corte, ou se preferirem manifestações de inúmeros ministros, entende que não houve revogação. Um pronunciamento agora pela revogação representaria uma mudança clara na orientação dos ministros, sem que em nenhuma das situações algum ministro os impugnou ou contraditou. Penso que o STF pode retirar do regimento interno os embargos infringentes, mas vale o que está escrito ali, em respeito aos princípios da legalidade e do Estado de Direito.

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Porta dos Fundos

Por Marcelo Coelho
11/09/13 11:15

“Valdo, você sabe quem eu quero ajudar?”, pergunta um político ao seu colega. “Quem?”, pergunta Valdo. “O povo brasileiro…”, responde o primeiro. O outro se indigna. “Não fode, Laércio! Não fode!”
Um pouco mais adiante no vídeo, Valdo estende-se na indignação. “O teu caseiro entrando no Facebook… é isso o que você quer?” “Não”, responde o outro. Eis aí. Valdo reforça o ponto. “Porque parece que é isso que você quer!”
Transcrevo um dos diálogos de “Porta dos Fundos” (editora Sextante), livro que reproduz , com fotos e comentários, mais de trinta esquetes humorísticos de Gregorio Duvivier, Fábio Porchat, Antonio Tabet e seu grupo, sucesso incendiário na internet.
Um dos muitos feitos de “Porta dos Fundos” está, a meu ver, em ter descoberto uma saída –passou o trocadilho—para fazer humor num país em que, como diz José Simão, já se vive a piada pronta.
Depois de ver no noticiário normal importantes personagens políticos enfiando dinheiro na cueca, o grau de explicitude necessário para produzir surpresa e riso tinha de ser elevado a níveis para lá de escandalosos.
E isso não se resume aos costumes de Brasília. Para lembrar outros tempos, Juca Chaves fazia muita graça, nos anos 1970, com uma publicidade de seus próprios shows em que dizia apenas: “ajude o Juquinha a juntar mais um milhãozinho”, ou coisa parecida.
O mero fato de agir com o propósito de ficar rico surgia como algo desabusado e audacioso naquela época. Hoje, palestras sérias defendem o que a pensadora americana Ayn Rand sistematizou como “a virtude do egoísmo”, e o humor de Juca Chaves, nesse ponto, esvaiu-se no real.
O cinismo clássico não abala mais ninguém. É como se, diante dos gritos do menino do conto de fadas, o rei respondesse: “sim, eu estou nu mesmo, e quem não está?” Enquanto os humoristas de “Pânico” reagem pelo desespero, como que tentando arrancar em público as roupas dos alvos de sua sátira, os de “Porta dos Fundos” encontram alternativas mais sutis.
Já que o rei está nu, trata-se de explorar a sua intimidade. Que seja retirado da praça pública e da rua, e levado de volta à esfera do cotidiano, do particular. Assim o encontraremos, diante do computador, em nossa casa, reproduzindo os nossos próprios preconceitos de classe.
Sem os embaraços da televisão, os atores de “Porta dos Fundos” podem desprezar uma série de marcas populares. O guaraná Kuat, as bolachas Mabel, tudo o que for coisa “de pobre” será identificado como tal. Para nada falar do Orkut, que até como piada já ficou velho.
A graça com os pobres não se faz sem violência. É o caso do famoso esquete em que a mocinha procura uma lata de Coca-Cola com o seu nome no rótulo. A estratégia de marketing apelava a consumidores que se chamassem Rodrigo ou Tatiana. Mas ela se chama Kelly.
“Isso é nome merda!”, diz Fábio Porchat, na pele de um atendente de supermercado. Para atenuar a coisa, ele mesmo confessa se chamar Uélerson. Mas a graça já foi feita.
Como apontou razão Vinicius Mota, na coluna “São Paulo” desta segunda-feira, o universo de “Porta dos Fundos” é o da “velha classe média”. Estamos rindo “de um estilo em transformação, à medida que novos atores batem na porta da frente”.
Não cabem mais piadas contra negros, índios ou nordestinos. Sintomático disso é o quadro em que Fábio Porchat é o líder de uma seção da Ku Klux Klan. Os convocados para a reunião tiram as máscaras: são todos negros, a começar do que se chama Denzel.
Os humoristas, na verdade, é que tiram a própria máscara. Não é cinismo; o tom é de denúncia. Por vezes, o obsceno social ganha tradução para a esfera do sexo. A mulher, na hora da sobremesa, explica para o marido que não quer “fazer amor”.
“O que eu quero é foder, Mário Alberto… Fo-der”. A mesma lógica faz o chapeiro de uma lanchonete dizer à cliente que não servem este ou aquele sanduíche. “Temos rola. Rô-la”. O efeito é de vandalismo verbal.
No segredo do ipad ou do computador, a verdade surge explosiva. O formato, sem controle nem as imposições do ritmo de produção da TV, evita aquela repetição de personagens e situações que levava Chico Anysio e Jô Soares ao esgotamento.
Os segredos da copa, da cozinha, da suíte e do lavabo, assim como tudo o que nos cega nos supermercados e salas de reunião, não acabam nunca de sair por essa porta dos fundos.

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Artes plásticas: Fusões

Por Marcelo Coelho
09/09/13 16:32

Abre amanhã, no Centro de Cultura Judaica, a mostra “Fusões”, com pinturas de Gregório Gruber e Débora Muszkat, retratando personagens da história do século 20 (e da família de Débora), que compartilham a herança cultural, familiar e religiosa do judaísmo. Escrevi o texto de apresentação, que vai aqui.

O que é ser brasileiro? O que é ser italiano, argentino, polonês? O que é ser mulher? O tema das “identidades” aparece com frequência nas produções de arte contemporânea, e talvez nunca exista uma resposta definitiva para esse tipo de questão. Cada obra de arte, cada acontecimento, cada livro, cada pessoa concreta está na verdade redefinindo os termos dessa identidade –e construindo a sua própria, individual, inconfundível.

O que é ser judeu? A questão talvez seja ainda mais complicada do que as outras, e mais importante do que as outras do mesmo tipo. Tendo passado, durante séculos, pelo contato com diversos outros países e culturas, o judeu teve ao mesmo tempo de manter-se fiel a uma série de tradições religiosas, linguísticas e culturais que o preservassem de simplesmente desaparecer. A ameaça do desaparecimento –não apenas cultural, mas físico—passou entretanto a fazer parte, de modo especialmente dramático depois da Shoah, de sua própria história cultural, de sua própria tradição.

Débora Muszkat e Gregório Gruber, como judeus, brasileiros, paulistanos e artistas, viveram de modos particulares suas identidades –e muitas outras mais. Como artistas, ambos estiveram de certo modo em lugares alheios aos ditados pelas tendências mais em voga da arte contemporânea. Sem ter aderido às correntes do abstracionismo, da arte conceitual, ou do minimalismo, Gregório Gruber é predominantemente conhecido pela pintura, de alto virtuosismo técnico; sua “identidade” como artista plástico é definida pelas paisagens urbanas de uma São Paulo noturna, deserta, retratada com um realismo a que os jogos de luz, as velaturas, a nostalgia, a chuva, o neon e a solidão conferem uma intensidade poética quase dolorosa de tão perceptível, de tão nítida apesar das esfumaturas e silêncios. A pintura de Gregório Gruber se estende a muitos outros territórios e temas, por certo –mas foram essas paisagens que fixaram sua identidade, como pintor, para a maioria do público de arte.

Debora Muszkat é uma excelente pintora e retratista, também distante das vanguardas conceituais, cuja carreira se encaminhou até recentemente para o mundo da artesania em vidro, a que deu a marca certamente atualíssima das preocupações com a reciclagem, o meio ambiente, a educação e a arte pública de intervenção. Fez muitos trabalhos em que garrafas, cacos de vidro ou velhos frascos de perfume eram derretidos em fornos de alta temperatura, fundindo-se em novas identidades. Débora Muszkat retomou, agora, sua antiga identidade de pintora, e “funde-se”, por assim dizer, com Gregório Gruber nos quadros (muitos dos quais feitos a quatro mãos) e na proposta desta exposição.

São retratos, em grande formato, de pessoas que fizeram a história do século 20. São retratos de judeus. São retratos, também, de familiares de Débora Muszkat, nos quais a artista redescobriu, em função de acontecimentos da vida pessoal, a presença do passado judaico, das esperanças judaicas, dos rituais e das memórias judaicos.

Impõe-se, assim, para essas pinturas a questão da narrativa, do passado histórico. O retrato de um judeu idoso traz, na mesma tela, como memórias, a reinterpretação de fotografias de seu casamento, ou de festas na São Paulo de 1950 ou 1960. Ao contrário do que ocorreu em tanta pintura daquela época, marcada pelo construtivismo, a representação figurativa está a serviço de uma história a ser contada –e recorre à fotografia como material a ser “refeito”, “revivido”, pelas tintas e pelos pincéis.
Ao mesmo tempo, retratos e fotografias clássicos de personagens como Gustav Mahler, Golda Meir, Woody Allen, Sammy Davis Jr, George Gershwin, Marina Ibramovic ou Amy Winehouse são retrabalhados e “re-produzidos” nessa série de pinturas em grande formato.

A menção desses nomes dá mostra da variedade de motivos e temas que atraem a visão dos dois artistas. O cinema e a politica, o erudito e o pop, o brasileiro e o estrangeiro, o cientista e o cantor se sucedem, muitas vezes emprestando, nas cores e no estilo da pintura, um toque mais “vulgar” ou mais expressionista, uma contenção mais clássica ou uma exuberância tropical.

Todos os personagens retratados, entretanto, têm uma coisa em comum: são judeus. Mas o que é ser judeu? A pergunta retorna, e parece –este um dos aspectos mais interessantes da exposição—estar sendo feita não por nós, nem por Débora Muzskat e Gregório Gruber, mas também pelos próprios retratados. “Quem sou eu?” A pergunta, que é obviamente também uma pergunta sobre a identidade de cada um, parece surgir na fisionomia dos personagens retratados. Que, muitas vezes, não aparecem só com um rosto em cada quadro. Vemos dois, três rostos da mesma pessoa, em épocas distintas, no mesmo retrato. Esse é quem sou, esse é quem fui; o jovem e o velho são a mesma pessoa; são outra pessoa também.

“Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, diz a frase famosa de Ortega y Gasset. Também nos quadros de Débora Muzskat e Gregório Gruber, um retratado aparece fundido, ou destacado, em meio a seu tempo, a suas criações, a seu país, à sua cidade. Cenários que se dissolvem como lembranças. Ou que surgem, simbolizados em objetos concretos, espirais de fumaça, esqueletos, copos vazios, contrastando fortemente com o rosto humano –e representando às vezes, quem sabe, a presença daquele Outro, a morte, contra o qual a identidade de cada um de nós pode tão pouco.

Ou será que pode muito? A vitória dos judeus contra a morte, na sucessão das gerações, na preservação da memória, e também na criatividade, na independência de cada destino individual, atesta a meu ver, integralmente, a beleza do milagre humano.

Fundir-se no outro, mantendo-se ainda assim um só, igual a si mesmo: o segredo de um povo é também o segredo de cada um de nós, que precisamos do amor, do convívio e da diferença para nos conhecermos a nós mesmos, e sermos mais integralmente o que somos como indivíduos. Gregório e Débora fundiram-se nessa exposição, fizeram-na juntos, e fizeram muitas vezes, ambos, o mesmo quadro –e em todos eles se pode ver, diante da ameaça da morte, também um ato de amor.

Modigliani, retratado em “Fusões”

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Mais cubanos

Por Marcelo Coelho
05/09/13 12:45

Só tenho a agradecer a Paulo Sergio Vargas Werneck, pela carta que ele mandou a respeito da questão dos médicos cubanos (ver post abaixo). Com certeza, um plano de carreira para os profissionais do SUS, tal como ele descreve, seria o ideal.
Não concordo, todavia, com a ideia de que as manifestações contra os recém-chegados sejam expressão de uma defesa da ética profissional. “O Código de Ética Médica”, diz Werneck, “proíbe textualmente o lucro sobre o trabalho do médico”. O governo cubano, prossegue, é quem sai ganhando com essa exportação de serviços, e a repulsa à chegada dos médicos aqui se justificaria, portanto, pelo fato de que eles servem para dar lucros ao governo.
Acho que é um problema entre os médicos cubanos e o seu governo. Os cubanos estariam agindo de forma anti-ética ao serem explorados por Raúl Castro? Ou o código de ética é um instrumento de defesa dos profissionais quando alguém pretende explorá-los?
Se se trata de instrumento de defesa, por que não acolher os cubanos e conscientizá-los do fato de que estão sendo explorados? Ao contrário, eles é que foram tratados como mercenários, analfabetos ou coisa pior.
Vitimou-se a vítima. Se o governo Dilma está errado, se adiou o plano de carreira do SUS, pode-se protestar na frente do Ministério da Saúde. Protestar no aeroporto é que não é bonito.

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Questões de ordem

Por Marcelo Coelho
05/09/13 11:27

Comentário publicado na “Folha” de hoje.

O STF se corrige

 

Questões muito técnicas, e sem maior importância para o desfecho do julgamento, ocuparam os ministros do STF na primeira parte da sessão de ontem.

Os problemas, ainda mais técnicos, complicaram-se muito quando entrou em discussão um recurso de Breno Fischberg. Acusado de lavagem de dinheiro, recebeu penas maiores do que o seu sócio Enivaldo Quadrado. Um foi condenado a cinco anos e dez meses, o outro, a apenas três anos e meio.

Para Luís Roberto Barroso, era visível a contradição no que decidira o plenário. Pelos mesmos crimes, nas mesmas circunstâncias, dois sócios da mesma empresa recebiam tratamento diferente.

Por que isso aconteceu? Tudo remonta à fase, sem dúvida a mais confusa de todo o julgamento, da “dosimetria”. Naquela ocasião, decidiu-se que só estipulariam a pena os ministros que tivessem condenado o réu. Seria estranho, com efeito, um juiz absolver alguém e, em seguida, decidir que sua pena deveria ser de quatro, dez ou quinze anos.

Com isso, o cálculo de cada pena dependia de quantos (e quais) juízes condenaram cada réu. As proporções variaram, entretanto, no caso de Fischberg e Quadrado. Pior que isso, houve divisões entre os condenadores no momento também de definir a pena.

Estabelecida uma divergência entre relator e revisor, por exemplo, cada um dos demais se inclinava para o voto daquele que se aproximasse mais do seu.

De acordo com as composições de opinião em cada caso, portanto, a pena variava. O resultado foi a incongruência entre Fischberg e Quadrado. Seria preciso, enfatizou Lewandowski , deixar ambos com a pena menor.

Mesmo que numa fase de simples embargos de declaração, onde não cabe modificar o julgamento já feito, apenas resolver contradições formais? Hum, ponderou Zavacki, se for assim muitos outros casos vão ter de passar por reexame.

Não necessariamente; a diferença entre as penas era flagrante, objetiva, e só nesse caso as situações eram idênticas. Sim, exaltou-se Lewandowski; estamos diante de um erro judiciário, e nossa responsabilidade é corrigi-lo seja como for.

Ademais, disse Barroso, estamos ferindo o princípio constitucional da isonomia; a mesma lei produz resultados diferentes para pessoas diferentes.

Não, retrucou Luiz Fux: estamos ferindo outro princípio constitucional, o da individualização da pena. Um réu não pode receber as penas de outro; cada qual teve seu julgamento próprio. E as diferenças decorrem, queiramos ou não, da metodologia adotada.

Adotada por decisão majoritária do plenário, lembrou Joaquim Barbosa.

Mas a metodologia trouxe contradições lógicas. Toffoli e Carmen Lúcia apontaram  o problema, com a clareza possível nesse quadro: o réu que teve mais votos pela condenação terminou recebendo pena menor, dada o método de cálculo coletivo das penas.

Não temos semideuses no Supremo, disse Marco Aurélio Garcia. Temos de corrigir essa contradição, que salta aos olhos.

Foi a decisão. A sessão foi sintomática das complexidades enlouquecedoras de todo o julgamento, especialmente na fase da dosimetria. Mas foi mostra, também, da beleza que existe quando se faz justiça.

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Ainda os cubanos

Por Marcelo Coelho
04/09/13 16:21

Sobre o artigo de hoje na Ilustrada (ver post abaixo), recebi email importante e ponderado, que transcrevo.

Prezado jornalista Marcelo Coelho,

Apreciador que sou de seus artigos, venho esclarecer:

1- A classe médica brasileira tem se posicionado contra a contratação de médicos cubanos, motivada pelo exercício ético da profissão;

2- Com efeito: o Código de Ética Medica, que é lei desde 1958, proíbe textualmente o lucro sobre o trabalho do médico;

3- O trabalho médico tornou-se o principal produto de exportação de Cuba. Os honorários são pagos diretamente ao governo cubano, que no caso brasileiro reterá R$9.800,00 e pagará a cada médico míseros R$ 200,00, lucrando a diferença;

4- Fica evidente, portanto, o caráter antiético do trabalho que será desenvolvido por esses profissionais;

5- Outrossim, desde que se tornou exportadora de médicos, Cuba passou a prepará-los de forma improficiente, verdadeira produção em linha de montagem;

6- Não se trata, portanto, de xenofobia ou racismo;

7- No fim deste ano, se formarão 16.000 médicos brasileiros, que poderiam ser usados na carreira médica de Estado, proposta pela classe médica há anos e já entregue em mãos da presidente Dilma. Essa proposta faz parte de um projeto de Emenda Constitucional que está sendo apreciado no Congresso Nacional. Aí se prevê que os médicos recém formados que quiserem aderir à carreira de médico do SUS terão remuneração equivalente a dos juízes, podendo ser enviados para os Municípios onde falta médicos, juntamente com recursos diagnósticos, pessoal paramédico e hospitais de referência, podendo se atualizar com o concurso das Sociedades Especializadas em aulas dadas à distância pela internet. Ao final do estágio de cerca de 3 anos, prestarão concurso para o Serviço Público Federal, sendo efetivados nos locais de trabalho;

8- Como se vê, a classe médica não repudia o concurso de médicos estrangeiros, mas quer zelar pela qualidade oferecida aos segurados do SUS, e pelo desempenho ético da profissão;

9- Os Conselhos Regionais e o Conselho Federal estão exercendo seu direito de zelar pela profissão médica em sua plenitude, pleiteando soluções definitivas e eficientes para o atendimento aos pacientes do SUS;

10- Fica transparente no açodamento do governo o projeto eleitoreiro do PT, da Presidente Dilma e do Ministro Padilha, que querem se eleger em 2014, usando como bandeira o trabalho médico de forma demagógica.

Atenciosamente,

PAULO SERGIO VARGAS WERNECK
Médico e Ex-Conselheiro do CREMESP

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Bem-vindo à xenofobia

Por Folha
04/09/13 03:00

O sumiço de livros vai acontecendo cada vez mais aqui em casa. Dei pela falta, outro dia, de um guiazinho de viagens muito bonito, com a capa de pano azul-clara, cheio de ilustrações coloridas, quase aquarelas, no estilo da década de 1950.

Era uma espécie de guia de boas maneiras, a ser usado por turistas em todas as partes do mundo.  Chamava-se “Savoir Faire International” e tinha mais do que regras de boa educação.
Lembrava o viajante que sem aspirar o “h”, por exemplo, sua comunicação nos países de língua inglesa piora bastante. E explicava (estamos em 1950) que não adianta reclamar dos lençóis nos hotéis da Alemanha.

Ainda em 1986, entendi do que se tratava. Os alemães tinham uma espécie de colcha, muito mole e recheada de paina, que não servia exatamente de edredom; havia uma espécie de fenda, pela qual o dorminhoco deveria inserir-se inteiramente.

“Resigne-se ao desconforto das camas alemãs”, dizia o livrinho. Lembro-me de pouca coisa mais. Mas não esqueço que, folheando os capítulos, cada qual dedicado a um país, topei com frases simpáticas a respeito do Brasil.

“Não se preocupe demais em fazer as coisas certas”, ensinava o guia. “A simples condição de estrangeiro o fará ser visto com bons olhos.”

Nos outros Estados eu não tenho certeza absoluta, mas como paulistano sempre senti que podia assinar embaixo. Havia muito poucos turistas estrangeiros por aqui. Ainda hoje, se vejo algum, minha vontade é fazer festa. Quero ajudar, quero mostrar coisas, quero mostrar que sei a língua deles, quero me enturmar.

Acompanhei pouco a polêmica em torno da chegada dos médicos cubanos. Do ponto de vista cultural, “antropológico”, social, o que quisermos, acho de todo modo que aconteceu um fato inédito na história do país —vai ver que só nos tempos coloniais ou de Dom João 6º produziu-se coisa parecida.

Cubanos desembarcam no aeroporto e são hostilizados por médicos brasileiros. Nunca, pelo que me lembro, eu tinha visto manifestações de xenofobia tão explícitas, tão grosseiras, em nosso território.

O mito do brasileiro acolhedor e festeiro —só um mito? Até jogadores de futebol argentinos foram recebidos com carinho pelas torcidas de times brasileiros. Tevez, o simpaticíssimo e modesto artilheiro do Corinthians, será que reclama de hostilidade?

Com toda a implicância que muitos brasileiros têm contra argentinos, não creio que estes sejam maltratados aqui. Certo, o turista não vem para tirar emprego de ninguém.
O racismo que se verifica em tantos países europeus tem razões mais antigas do que o desemprego. A direita explora, naturalmente, a ideia de que os imigrantes tiram postos de trabalho dos brancos.

Mas, se os brancos não querem aqueles postos de trabalho mais rudes e com salários baixos, não importa. O racista vê nisso mais um motivo para desprezar os africanos, os turcos, os brasileiros que os aceitam.

Mesmo que um ou outro médico brasileiro perca seu posto numa cidadezinha perdida no sertão, há, pelo que sei, falta de médicos, e não de empregos. Tanto que o médico da cidadezinha tem outros.

Além de médicos, o fato é que eles são negros. E além de negros são cubanos. Não fizeram o tal exame de revalidação do diploma que possuem? Mas estão abrindo clínica especializada em neurocirurgia ao lado do Sírio-Libanês? Vão concorrer com os especialistas em plástica facial?

A televisão mostrou a entrevista de um representante de não sei que entidade médica brasileira, afirmando que os tais cubanos mal saberiam realizar um exame de ecocardiograma.

O caso é sério. Imagine se eles danificam, sem querer, todos os aparelhos de ressonância magnética de Primeiro Mundo que os esperam no sertão piauiense…

Que emprego, então, está em jogo? Ou o temor é de que sejam militantes socialistas a mando de Castro? Se forem, quem sabe se convertem à liberdade brasileira…

Talvez nosso sistema de vida, nessas áreas miseráveis, não convença tanto assim. Estarão os cubanos pondo o dedo numa ferida —o da consciência da classe média alta brasileira?

Curiosamente, os que protestam contra os cubanos assumem uma retórica sindical: lutam pelos salários dos outros. É um piquete, então? Pode ser. Nessas vastidões sem médico nenhum, a greve nos serviços de saúde dura bem uns quatro séculos.

Sozinhos não resolvem? É preciso mais que alguns médicos? Sim. Espero que, de lá onde vão clinicar, façam um protesto melhor do que o que andamos vendo por aqui.

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O eterno masculino

Por Folha
28/08/13 03:00

É sempre estranho que os heróis de histórias em quadrinhos tenham de usar algum tipo de uniforme. Qual a razão daquelas roupas inteiriças, daquelas capas bandeirosas e sungões tamanho GG?

Corrijo o pensamento, ao imaginar a alternativa absurda. Ninguém de paletó, gravata e chapéu poderia sobrevoar os céus de Metrópolis sem ridículo. Um Super-Homem de azul esvoaçante pode ser absurdo, mas seria ainda mais absurdo em roupagens civis.

Joaquim Barbosa talvez fosse menos implacável se o despojassem da toga de morcego. Verdade que outros ministros do STF, capazes de mostrar larga indulgência frente aos réus do mensalão, usam também a capa protocolar.

Só que, sentados, deixam que predomine o paletó comum, a camisa neutra, a gravata banalíssima. Os males da coluna forçam Barbosa a manter-se de pé. Pior que isso. Apoiado no espaldar da poltrona giratória, o presidente do STF parece uma águia no alto do penhasco, pronto para a arremetida fatal.

Não me estendo na comparação. Concluo que a roupa ajuda e volto ao tema dos uniformes dos super-heróis.

Nenhum mais absurdo, pensando bem, que o do meu preferido na infância. Tratava-se do Fantasma, “o espírito que anda”. Em plena selva do interior da Índia, ou talvez na África Equatorial, ele não tirava nunca a malha roxa, que lhe cobria a cabeça inclusive.

Por cima, o maiô de listras pretas em diagonal, do qual pendia o prosaico acessório de uma pistola automática, no coldre antigo. O mais estranho era a máscara, sumária como a parte de cima de um biquíni, mas que por alguma razão velava seus olhos atrás de uma borracha branca.

Naquela indumentária grudenta, meio de mergulhador, meio de Fanta Uva, o Fantasma sentava-se sozinho no Trono da Caveira, afagando seu lobo Capeto, e dava audiência a seus súditos —uma tribo de pigmeus, dotada de rei próprio, a quem distinguia um chapéu cônico de galhos secos, à guisa de coroa.

Com tudo isso, o Fantasma me parecia mais interessante do que Mandrake, Tarzã, Super-Homem e mesmo o Batman. Seria, provavelmente, mais “sexy” que todos esses rivais.

Tinha, também, aparência mais maligna. Cercava-se de caveiras; longe do ambiente urbano, na escuridão da jângal, cultivava a própria lenda.

Ao mesmo tempo, não tinha nenhum poder sobrenatural. Apenas a credulidade dos nativos —sempre ela— cuidava de aumentar suas façanhas. Era tido por imortal. Mas não; representava apenas o último descendente de uma dinastia que há 400 anos, com o mesmo uniforme, jurara combater os malfeitores daquelas bandas.

Teria voado até as nuvens para derrotar um gigante de dez andares. Não, não. A própria narrativa dos quadrinhos ironizava a licença poética dos selvagens. No máximo, esmurrara um gângster grandalhão.

Claro que, destituído de superpoderes, o Fantasma se tornava ainda mais formidável aos olhos de um menino. Representava o luxo de uma completa autonomia; era realista em seu delírio; não tinha nada com que contar, exceto a imaginação dos pigmeus que o seguissem.

Sai nas bancas, pela editora Pixel, um livro com as primeiras histórias do Fantasma. Com história de Lee Falk e desenhos de Ray Moore, a saga dos “Piratas do Céu” foi publicada pela primeira vez em fins de 1936.

Embora a publicação da Pixel se apresente como o primeiro volume de uma série, já pegamos a aventura pela metade. Nessas 126 páginas, em quadrinhos bem pequenos, o herói está às voltas com uma quadrilha composta exclusivamente de belíssimas aviadoras.

Eu tinha a impressão –mas pode ser devido a versões posteriores– que os desenhos do Fantasma fossem menos primitivos. Os movimentos do herói são rígidos, os enquadramentos se prendem ao convencional, as expressões faciais caem no tosco e no amadorístico.

Eram só isso aqueles quadrinhos? Não. A aventura tem boas reviravoltas, e todas devido a um só fator: a inconstância do sexo feminino. Várias vilãs –sempre lindas– se apaixonam sucessivamente pelo herói. Ele as manipula como quer, mesmo que na maior parte do tempo algemado e atrás das grades.

As aviadoras se dividem, brigam, reconciliam-se, traem-se umas às outras. Não apenas um colonizador levando paz às tribos primitivas, o Fantasma também triunfa, intacto, sobre tantas sedutoras. É o eterno masculino. Talvez por isso mesmo não dispense o collant roxo e o maiô listradinho.

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As chances se afunilam

Por Marcelo Coelho
23/08/13 11:39

Ninguém pode receber duas penas por um crime só. O princípio, bastante óbvio, atende em latim pelo nome de “non bis in idem”.
Teria acontecido isso com Delúbio Soares? Discutiu-se o tema ontem, no julgamento dos recursos do mensalão.
O antigo tesoureiro do PT, por exemplo, foi condenado por formação de quadrilha. Foi condenado, também, pela corrupção ativa de vários parlamentares. Dois crimes diferentes, por certo.
Acontece que a pena de Delúbio, no caso da corrupção, foi aumentada. O Supremo Tribunal considerou que havia circunstâncias agravantes no seu caso. Por exemplo, o fato de que sua prática corruptora estendeu-se, de modo permanente, por mais de dois anos.
Ora, argumentou a defesa, agir de modo permanente não deveria ser motivo para Delúbio receber pena maior. Pois o crime de formação de quadrilha já pressupõe o fato de que o condenado se associou com outros, de modo estável, para cometer delitos.
Ele estaria pagando duas vezes, portanto, por um fato só.
Nada disso, respondeu Joaquim Barbosa. Um bando pode existir de modo estável por um bom tempo, e todavia cometer uma série de delitos ao longo de um mês apenas. Outra coisa é continuar, durante anos a fio, numa prática criminosa específica –e é justo que se considere isto uma agravante, impondo ao réu uma pena mais pesada.
O pagamento de propinas feito por Delúbio se prolongou durante dois anos, de 2003 a 2005. Não havia contradição, portanto, entre o agravamento de sua pena por corrupção e o fato de estar associado com outros na negociata.
O argumento da defesa terminou rejeitado. Havia outros, porém –que não conheceram melhor sorte.
Delúbio pedia penas menores pelo fato de, afinal, ter confessado o crime. Não: a atitude só serve para atenuá-las quando ajuda no esclarecimento dos fatos. Para o tribunal, Delúbio apenas admitiu o que, pelas investigações feitas, mostrou-se fato incontestável.
Veio então o famoso problema relativo à data em que morreu José Carlos Martinez, que foi presidente do PTB. Novembro de 2003? Ou dezembro do mesmo ano? Havia menções contraditórias no acórdão.
A diferença poderia ser importante. Em novembro, a pena para quem oferecesse propina ainda tinha um mínimo de apenas um ano de prisão. Em dezembro, a lei mudou, prevendo dois anos. Corromper o presidente do PTB em dezembro daria mais cadeia do que em novembro, portanto.
Mas, concordou a maioria da corte, o crime não se deu apenas em novembro. Prosseguiu depois da morte de Martinez, quando Roberto Jefferson assumiu a presidência do partido. Quando o crime se repete ao longo do tempo, passa a valer –segundo a Súmula 711, que fixa a jurisprudência no caso—a lei mais severa.
Luís Roberto Barroso manifestou, como de hábito, dúvidas e inquietações quanto à dureza da pena. Mais uma vez, acrescentou que de qualquer modo a decisão já estava tomada, não cabendo nesta fase do julgamento fazer outra coisa além de corrigir, no texto, a data grafada incorretamente.
A derrota de Delúbio neste ponto repercute diretamente sobre a pena de José Dirceu, cuja defesa também invocava a confusão de datas. “Afunilam-se”, como disse Marco Aurélio Mello outro dia, as vias de escape para os principais condenados do mensalão.

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A tática de Barroso

Por Marcelo Coelho
22/08/13 14:38

Comprova-se um crime, cita-se a lei, aplica-se a pena, publica-se o acórdão. Houve alguma contradição entre esses momentos? Por exemplo, aplicou-se a pena errada para o crime certo? Usou-se a lei certa contra o réu trocado?
Para a eventualidade de confusões desse tipo, existem os embargos de declaração. Foram rejeitados pelo STF, ontem, no caso do Bispo Rodrigues, que tanta polêmica produziu entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, na semana passada.
Depois de um longo sermão de Celso de Mello, apelando para a convivência harmoniosa entre os ministros, o caso foi retomado –sem que Barbosa pedisse desculpas pela palavra insultuosa (“chicanas”) que dirigira a Lewandowski.
Este fez uma exposição caprichada de seus pontos de vista, que se voltavam para diminuir a pena do ex-bispo. Barbosa, mais uma vez, explicou e reexplicou a situação. O deputado recebeu propina depois de uma mudança na lei que pune atos de corrupção. Não havia motivo para aplicar a lei antiga, mais branda, como queria Lewandowski.
Muito tempo foi empregado para rememorar os fatos e as denúncias, antes que a tese de Barbosa saísse vencedora. Mas quem deu um tom mais objetivo a toda a discussão foram os dois novos ministros, Luís Roberto Barroso e Teori Zavacki.
Não é o momento de reexaminar provas e fatos, disse Barroso. Embargos de declaração servem para corrigir contradições lógicas, erros formais de um acórdão, concordou Zavacki. Entre prova, pena e acórdão, havia alguma incoerência ou omissão? Nenhuma, asseverou Barroso.
O julgamento se prolonga há mais de 50 sessões: é o que tem suspirado o novo ministro. Se pudesse, repete ele sempre que pode, votaria com menos severidade, aceitaria as teses de Lewandowski, diminuiria as penas de Fulano e de Beltrano… mas embargos de declaração não servem para isso.
Lewandowski ainda fez um apelo. O mensalão está sendo julgado numa só instância. Os réus só tem esta oportunidade de apelar. Valeria encarar os embargos de declaração de forma menos rígida, com algum “elastério”, disse ele.
Aparentemente, contudo, a maioria dos ministros concorda que o caso do mensalão já se esticou demais. A dúvida é o que farão quando entrar em pauta um outro tipo de recursos da defesa, os embargos infringentes –que podem, aí sim, incidir sobre questões de fato e de doutrina.
Qual será a atitude de Barroso e Zavacki nesse momento? São os dois que podem fazer a balança pesar em favor dos condenados.
Tudo é especulação, mas a tática de Barroso se deixa entrever melhor a cada dia. Ele sempre aponta para uma visão menos condenatória. Gostaria de inocentar alguns dos acusados, por exemplo, pelo crime de formação de quadrilha. Mesmo o Bispo Rodrigues talvez merecesse a brandura de um Lewandowski.
O tempo todo, Barroso marca esse tipo de opinião. Marca também, todavia, a ideia de que o jogo já foi jogado, não lhe cabendo, como disse, ser “comentarista de videotape”.
Do ponto de vista político, ele se livrará de uma batata quente se decidir, acompanhando Joaquim Barbosa e outros ministros, que o STF não pode examinar os tais embargos infringentes. O recurso não está previsto no novo código de processo; se endossar essa visão, o novo ministro ganha o melhor dos dois mundos.
Mostra-se, de um lado, mais compreensivo com os argumentos dos mensaleiros, sem, de outro lado, pagar pela impopularidade de reverter as condenações já feitas. Acentua a necessidade de se decidir com mais rapidez os casos de corrupção em geral, e vira a página do caso sem se comprometer radicalmente em condenações que, sem dúvida, acha exageradas.
É uma boa saída; não se pode saber se Barroso irá adotá-la. Maior mistério cerca Teori Zavacki, para não falar de Celso de Melo. Haja elastério enquanto isso.

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