Algumas crônicas recentes, ou nem tanto, publicadas no “Agora”.
ASSIM NÃO DÁ
Sujeira. Maracutaia. Corrupção.
É o clima de Brasília.
O dr. Severiano se espantava.
–Como? O Demóstenes metido nisso?
Sérias denúncias contra um senador.
–Ele era tão firme na luta contra a corrupção…
A secretária ouvia em silêncio.
–Contato com um bicheiro… quem diria.
Severiano tomou um gole do café.
–Glêice, minha filha… liga lá para o bicheiro…
Glêice teclou o número sigiloso.
–Alô… então, é sobre o caso do Demóstenes…
Uma pausa. Severiano continuou.
–Minha filha casou no ano passado.
Ele começou a gritar.
–E é só para quem tem panca de honesto que você dá presente?
Severiano desligou com um suspiro.
–Não existe maior injustiça do que um corrupto mal pago.
A desonestidade, por vezes, reclama seus direitos também.
VALOR DE UM DIPLOMA
Fraudes. Maracutaias. Burrice.
Vai mal a educação neste país.
Era tensa a reunião nas Faculdades Professor Pintassilgo.
–O MEC quer fechar a faculdade.
Diplomas falsos. Alunos fajutos. Ensino de fachada.
–Cadê o chefe do Jurídico?
O dr. Savínio chegou com a papelada.
–Por cem mil dólares a gente resolve com os fiscais.
–Cadê o chefe do Financeiro?
O dr. Grimaldi deu a ideia.
–Parcerias. Fala com o Quinzão.
Um dos principais traficantes da faculdade.
Em troca da grana, ele exigia exclusividade no comércio.
–Tudo bem. Alguma coisa mais?
–Queria também um diploma. Em Direito, de preferência.
Quinzão pensa na prisão especial em caso de imprevisto.
–Mas gosto mesmo é que me chamem de doutor.
Valorizar a educação é o ideal de todos.
A QUESTÃO É O RECHEIO
Beleza. Charme. Pilantragem.
A gangue das loiras traz medo à família brasileira.
Sequestros relâmpago. Realizados por mulheres de tipo nórdico.
Dona Walkíria tinha 70 anos. E estava revoltada.
–Tão bonitas… deviam é arranjar um casamento.
A TV mostrava as acusadas.
–Hum… essa aí nem loira é.
O relógio de cuco avisou.
Hora do cabeleireiro.
Duas amigas comentavam as notícias da semana.
–Essa gangue… me dá uma raiva.
Depois, uma paradinha na Confeitaria Doce Ilusão.
–Esquenta para mim esse pão de queijo, meu bem?
A garçonete virou de costas um momento.
Foi o tempo de Walkíria esconder três ovos de Páscoa na bolsa.
Na delegacia, ela diz que é culpa do Alzheimer.
A cor do cabelo não importa.
Pior é o que se guarda dentro da cabeça.
A HORA DO TAMBORIM
Samba. Cerveja. Carnaval.
Era grande a preocupação de dona Eurides.
–Nessa época, o Djalma fica louco.
Trinta anos de casamento.
–Meu batom você não pega, Djalma.
–Ahn? O quê?
–Ouviu? Nem minha combinação.
Usar as roupas da mulher era irresistível para o octagenário.
–Está surdo, Djalma?
Mas os sapatos de salto alto já metralhavam o asfalto citadino.
O Bloco das Bem-Amadas festejou a chegada do seu mais antigo folião.
O desânimo, entretanto, tomou conta do velho aposentado.
Ele já não acompanhava o ritmo dos tamborins.
Voltou para casa antes das seis.
–Cansou, Djalma?
–Ahn? O que você disse?
Ele não mais ouvia a mulher com nitidez.
–Fingiu de surdo a vida toda… acho que agora é pra valer.
Quando a hora é do surdo, não se ouve o tamborim.